sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Tentando recomeçar

Como a vaga para a Euro não veio, a Holanda tem de baixar a cabeça e treinar para os amistosos (Bas van Lonkuijsen/ANP)
“São jogos estranhos. Você faz amistosos como preparação para a Euro, ou a Copa – se necessário, até para jogos de repescagem. Mas faremos jogos de preparação só para setembro do ano que vem. Até o final desta Euro eu me lembrarei de que a gente não está lá. Não jogaremos uma Euro na França, que é tão perto [da Holanda]. Teria sido um grande torneio”.

Essas palavras de Arjen Robben, na última segunda-feira, no diário “Algemeen Dagblad”, exemplificaram com perfeição o clima com que a seleção holandesa se reúne nesta semana, para amistosos contra País de Gales - nesta sexta, em Cardiff - e Alemanha - próxima terça, em Hannover. A Laranja ainda se envergonha do vexame da ausência no torneio continental. E chega aborrecida ao limbo em que ficará até o início das eliminatórias europeias para a Copa de 2018. Mais ou menos como aquele estudante que gazeteou quando não devia, ficou em recuperação (com justiça) e agora tem de amargar o início das férias sentado, estudando para as provas, enquanto os colegas que fizeram tudo direitinho já entram com todo o gás no período da diversão.

E não é por falta de ação que o elenco holandês está meio desanimado. Primeiramente, houve novidades entre os jogadores. Na convocação definitiva, feita na última sexta, Terence Kongolo enfim retornou à seleção, para a qual não era convocado desde a Copa do Mundo, quando só jogou os segundos finais contra o Chile. Se fora chamado às pressas para substituir o lesionado Davy Klaassen, na última rodada das eliminatórias da Euro 2016, agora o volante Riechedly Bazoer recebe uma chance mais concreta.

Caso semelhante ao de Bazoer é o de Maarten Stekelenburg: relacionado apenas para substituir Tim Krul no banco de reservas na partida derradeira da qualificação, o goleiro está de volta à Oranje para valer. E o bom início de Eredivisie, oferecendo qualidade na saída de bola e na marcação pelo meio-campo do Feyenoord, rendeu a primeira convocação à seleção adulta para o volante Marko Vejinovic (nascido e criado em Amsterdã, apesar do nome entregar a ascendência sérvia).

Todavia, mais surpreendentes do que as presenças foram as ausências. Já na pré-convocação, há duas semanas, Danny Blind abriu mão de Robin van Persie. O jornal “De Telegraaf” já havia vazado a notícia no dia anterior, mas ainda assim a confirmação causou espanto. Blind esclareceu tudo na entrevista coletiva, abrindo o novo “ciclo” de seu trabalho com declarações mais carregadas: “Acho que Robin não está no seu ritmo normal, desde que se transferiu para a Turquia. Ainda não jogou uma partida completa. Isso não é um bom sinal. Acho que ele não está jogando bem. Não está afiado, não está em boa forma”.

Está certo que Blind colocou panos quentes quase imediatamente após as justificativas (“Se ele estiver bem para os próximos jogos, provavelmente será convocado”). E Wesley Sneijder lembrou de situação semelhante que viveu na Oranje, sob Louis van Gaal, em 2013, ao site NUSport: “É a mesma situação. Primeiro eu perdi a faixa de capitão, e já saquei onde iria terminar. Dói muito quando não se é convocado. (...) Eu senti o que ele deve estar sentindo. Mas num momento assim, você tem dois caminhos. Ou não pensa mais no assunto, ou trabalha ainda mais duro”.

O próprio barrado minimizou sua ausência: “Não muda nada, eu não abandono a seleção. Estou à disposição. Sim, foram palavras duras [de Blind], mas isso não é relevante”. No entanto, pela má fase inegável no Fenerbahçe, e pelas situações nos últimos dois jogos (contra o Cazaquistão, o atacante ficou no banco, e teria brigado com Memphis Depay; contra a República Tcheca, também começou na reserva, e ainda teve o gol contra), muito se cogita que Danny Blind talvez tenha encerrado abruptamente a carreira de Robin van Persie com a camisa laranja, após 101 jogos e 50 gols – ninguém marcou mais pela Oranje, bom lembrar. As próximas convocações responderão.

Outra ausência foi “alarme falso”, mas ainda repercute. Na pré-convocação, o treinador também deixou de fora Memphis Depay. E ainda passou uma carraspana leve no atacante: “Ele é um jogador para o futuro. Mas há outras coisas em questão. No futebol de alto nível, você deve funcionar dentro do coletivo. E ele nem sempre faz isso”. Curiosamente, quem saiu em defesa de Memphis foi justamente quem o colocou no banco no Manchester United: seu “tutor” Louis van Gaal. “Eu já disse que ele é o maior talento [no futebol] de sua faixa etária, mas ele só tem 21 anos e não podemos esperar regularidade dele. (...) Tenho certeza de que voltará, e mais forte do que antes, mas precisamos lhe dar tempo”.

Seja como for, Blind deu um voto de confiança após o puxão de orelhas e incluiu Memphis na convocação definitiva para os amistosos. E justiça seja feita: o alerta do técnico veio ao encontro do que torcida e imprensa, em sua maioria, pensam do jovem. Depay anda sofrendo críticas na Holanda pelos mesmos motivos por que Neymar era (ainda é, um pouco) olhado com desagrado por alguns, no Brasil: excessivo individualismo dentro de campo, maior preocupação com a badalação e com o vestuário fora dele. Porém, o nível das atuações do brasileiro no Barcelona anda a tal ponto que minora até as lembranças dos processos judiciais que correm contra ele e sua família, no Brasil e na Espanha.

Já o holandês não tem conseguido responder dentro de campo. Pior: a imprensa do país se desagradou com algumas atitudes suas (como não parar na zona de entrevistas, após a derrota para a República Tcheca, nas eliminatórias da Euro). E sua apresentação à comissão técnica, na última segunda, não mudou muito as coisas: Depay chegou ao hotel com um chapelão que chamou mais a atenção dos jornalistas do que a própria situação da Oranje. Aí o jogador decidiu reagir: “Sim, é um chapéu. O que um homem faz com um chapéu? Eu visto. É só um chapéu. Eu achei bonito. (...) Não é estrelismo, não tem nada a ver, porque eu sou a mesma pessoa que era nos tempos de PSV. As pessoas leem muita coisa. Quem faz parte do meu círculo sabe da verdade, o resto do mundo, não”. E o próprio Danny Blind também não ligou muito para o alarido, brincando: “[O chapéu] não faz meu tipo... se achei um outro mau sinal dele? Não, eu presto atenção em outras coisas”.

E os problemas não pararam em Van Persie e Depay. Ao chamar inicialmente cinco atletas do Ajax para os amistosos (Cillessen, Tete, Veltman, Riedewald e Klaassen), Blind novamente ouviu críticas de um suposto favorecimento excessivo a jogadores dos Amsterdammers. Mas não foi apenas de torcida e imprensa: foi de um jogador. Em declarações à emissora de tevê Omroep Brabant, o lateral Joshua Brenet, do PSV, não economizou: "Como ele [Blind] é alguém com história no clube, pode-se dizer que talvez isso interfira". Brenet ainda acrescentou dúvidas sobre os critérios do técnico: "Alguns caras jogam bem três jogos, e ele já chama". O treinador ignorou: "Eu li algo sobre [as críticas de Brenet], mas não posso me preocupar muito com isso".

Outra polêmica veio quando Blind revelou que pedira a Dirk Kuyt que aceitasse voltar à Oranje para os últimos dois jogos das eliminatórias, mas que o atacante teria respondido que só atenderia convocações caso tivesse garantida a titularidade. Kuyt negou veementemente: “Soou estranho ouvir que eu teria exigido ser titular. Não exigi nada. Nem eu ao técnico e nem ele a mim. Pronto”. Mas antes que a frase se tornasse outro foco exagerado de crise, o atacante do Feyenoord tranquilizou: “Falei com o técnico durante a semana, e minimizamos a ‘tempestade’”.

Bom para o técnico, que viu as contusões diminuírem sua convocação pouco a pouco. Na semana passada, Anwar El Ghazi (tornozelo) já fora cortado. Após a rodada da Eredivisie, o goleiro Kenneth Vermeer foi mais um descartado. Jaïro Riedewald mal se apresentou e também foi dispensado, com dores no joelho – o que promoveu mais um retorno à seleção, o de Erik Pieters. E finalmente, nesta quinta Davy Klaassen deixou o elenco, também por causa do joelho. Tendo saído de Feyenoord x Ajax com dores musculares, Bazoer quase engrossou a lista, mas se recuperou aos poucos. E se já tem jogado após a distensão na virilha que o tirou da fase final das eliminatórias da Euro, Arjen Robben ainda prefere jogar num ritmo um pouco menor, e por isso só estará em campo contra País de Gales.

Com tantos incidentes, a seleção da Holanda poderia estar em séria turbulência. Nada disso. O ambiente é calmo, mas melancólico. A lembrança da ausência da Euro ainda incomoda, mas é uma realidade inescapável. E Danny Blind está tentando inserir algumas mudanças no grupo de jogadores. Contudo, nem mesmo vencer os dois amistosos vai tirar o clima macambúzio e as desconfianças que ainda cercam a Oranje após o vexame. 

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