segunda-feira, 16 de maio de 2016

PSV conseguiu duas coisas com o bi holandês

PSV teve ambição para contratar, usou bem a base e formou time entrosado. Merece a festa do bicampeonato (Jeroen Putmans/VI Images)

Em fevereiro passado, logo após o fechamento da janela de transferências, o técnico Fred Rutten comentou uma aquisição de última hora que o PSV fizera: o empréstimo de Marco van Ginkel, junto ao Chelsea. E o agora treinador do Al-Shabab, da Arábia Saudita, usou muitos elogios: “Acima de tudo, o PSV merece muitos cumprimentos. Isso é ambição, mostra que você realmente quer vencer. E mostra não só ao mundo, mas também internamente. É um recado aos jogadores, para que fiquem ligados”. De fato, trazer um jogador com certo espaço em centros mais competitivos era (mais um) sinal de ambição do clube de Eindhoven, que não parou de trabalhar para alcançar os objetivos. 

Resultado: a sorte sorriu para os Boeren da maneira mais agradável que podia ser imaginada. Na última rodada do Campeonato Holandês, domingo passado, o Ajax tropeçou. A equipe de Eindhoven cumpriu o seu papel. E conquistou o bicampeonato sonhado na Eredivisie. O título foi inesperado: afinal de contas, empatados em pontos, a diferença do Ajax no saldo de gols era bastante segura. Mas a sorte que permitiu ao PSV chegar ao 23º título holandês de sua história foi muito merecida. Afinal de contas, os Eindhovenaren mostraram duas coisas fundamentais, que andaram (e andam) em falta no futebol holandês: regularidade e ambição.

A regularidade começou com Phillip Cocu. O técnico tem um plano de jogo bem definido: o 4-3-3 muito forte nos contragolpes, e com muita ajuda dos pontas. Mas ao contrário de seus pares, costumeiramente muda o esquema tático em função do adversário. Isso ajudou muito o PSV na Liga dos Campeões. Basta lembrar o jogo de volta contra o Atlético de Madrid, nas oitavas de final: sabendo da inferioridade técnica em relação aos Colchoneros, Cocu fortaleceu a defesa no 5-3-2, deixando o Atleti com o domínio da bola. Pois jogando assim, como franco-atirador, o time holandês deixou o espanhol em maus lençóis: os Colchoneros precisaram dos pênaltis para avançar às quartas de final.

Só que de nada adiantaria a regularidade pretendida por Cocu se não fossem, obviamente, os jogadores. E eles corresponderam muito na temporada. Embora ainda precise melhorar na saída de bola, Jeroen Zoet se credenciou como goleiro cada vez mais promissor; se antes era um “xerifão”, com muito porte físico e pouca técnica, Jeffrey Bruma tornou-se um zagueiro elogiável, com tempo de bola quase perfeito; Héctor Moreno começou violento a temporada, mas foi se aprumando, e agora até de lateral esquerdo atua às vezes; e por falar em lateral esquerdo, Jetro Willems melhorou um pouco seus defeitos crônicos na marcação, e está cada vez melhor nos cruzamentos.

Do meio-campo em diante é que começa a ser notada a outra característica responsável pelo novo êxito do PSV na Holanda: a ambição. Ela pode ser traduzida em contratações importantes e precisas. Por exemplo: no meio, eram necessários jogadores que soubessem marcar, mas dessem velocidade na saída de bola, como fazia Georginio Wijnaldum. Se Andrés Guardado já fazia isso muito bem, ganhou em Davy Pröpper o companheiro perfeito. Não raro, Pröpper participa do jogo até mais do que o mexicano, avançando ao ataque e chutando bem de fora da área – até por sua participação, é figura certa nas seleções do campeonato que começam a pulular na imprensa holandesa. No caso de Van Ginkel, a aposta no seu empréstimo foi paga com oito gols em 12 jogos, todos apenas em 2016 – e uma ajuda a mais no ataque, atuando quase como ponta-de-lança.

Como se fosse necessário. Após um período de irregularidade, Luciano Narsingh recuperou-se no time titular, tomando a posição de Gastón Pereiro (que, justiça seja feita, foi razoável nas chances que teve e merece apostas). Pela esquerda, com os problemas pessoais de Maxime Lestienne, Jürgen Locadia foi experimentado ali: e o que era apenas um atacante corpulento e finalizador virou um ponta que preencheu bem a lacuna deixada por Memphis Depay. E o que dizer de Luuk de Jong? 26 gols, um comando claro sobre o elenco do qual é capitão, o retorno à seleção e à boa fase... sem dúvida, o irmão mais novo de Siem é o craque do campeonato.

Todas essas presenças no time-base mostram o equilíbrio do PSV entre comprar gente mais experiente (Guardado, Van Ginkel, De Jong) e apostar na base (Zoet, Willems, o volante Jorrit Hendrix, Locadia). Eis o grande trunfo a que levou a ambição da diretoria: um time regular, com opções para mudar o jogo, que sempre parecia ter a capacidade de reagir e manter a pressão psicológica sob controle. 

Exatamente o que o Ajax não teve. Claro que o De Graafschap não deve ser desprezado: o time de Doetinchem deixou a última posição que parecia inevitável rumo aos play-offs, e tem jogadores com algum talento (sem contar a famigerada “promessa do iPhone 7” – que provavelmente ficará na promessa, já que o aparelho seria dado só em caso de vitória do De Graafschap). Mas os Ajacieden, que pareciam certos da vitória, sentiram imensamente o golpe do empate. 

E prova disso foi a alteração estranha que Frank de Boer fez no jogo: embora o técnico tenha justificado (“Ele não estava no clima do jogo”), tirar Arkadiusz Milik deixou o time sem referência no ataque. Resultado: o time de Amsterdã terminou a última rodada num esquisito 3-3-4, com Anwar El Ghazi e o zagueiro (!) Mike van der Hoorn tentando mandar a bola para as redes. Não só não deu certo, como deixou claro algo que vinha sendo mostrado já havia algumas temporadas (talvez, já no título de 2013/14): faltava um “plano B” ao Ajax. Faltava maior flexibilidade, maior variedade de jogo, mais opções no elenco, mais... ambição. 

Até por isso, antes mesmo do final da Eredivisie, Frank de Boer já decidira o que anunciou na quarta-feira passada: deixaria o clube em que começou as carreiras de jogador e treinador, após cinco anos e meio e quatro títulos holandeses. Um ciclo de inegável sucesso, mas que estava no fim, também inegavelmente. E a melhor explicação disso foi dada pelo próprio Frank: “Nos últimos dois anos, achei que estava ficando difícil para mim. A vontade ainda estava lá, mas eu precisava me esforçar mais. Treinar uma equipe não pode ser algo automático, e eu sentia que estava me repetindo”.

A separação deverá fazer bem. Para Frank de Boer, que tem tudo para fazer carreira elogiável em campeonatos de nível mais alto. E para o Ajax, que poderá avaliar melhor o que fazer. O exemplo, ele já tem: o adversário PSV, que hoje inegavelmente domina o futebol holandês, com flexibilidade e vontade. Resta à torcida esperar que se cumpram as palavras alvissareiras do diretor geral, Toon Gerbrands: “Nunca estamos satisfeitos, sempre é possível melhorar e se desenvolver. Sem medo de errar, vem aí uma nova fase na história do PSV”. O futebol holandês agradeceria.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 13 de maio de 2016)

Nenhum comentário:

Postar um comentário