sábado, 7 de maio de 2016

Eredivisie 2006/07: o final que eletrizou a Holanda

Cocu levantou a taça como jogador, em 2006/07, com o PSV superando desvantagem no saldo de gols. O mesmo ocorrerá com Cocu treinador? (ANP)
O Campeonato Holandês desta temporada está a algumas horas de ter o seu título decidido. Como se sabe, Ajax e PSV estão iguais na pontuação (81), mas os Ajacieden lideram a Eredivisie 2006/07 pelo primeiro critério de desempate, o saldo de gols - e a diferença está em seguros seis gols (60 para o Ajax, com 80 gols pró e 20 contra; 54 para o PSV, com 85 pró e 31 contra). Ou seja, ver o clube de Amsterdã trazer para a sala de troféus a 34ª Eredivisieschaal de sua história é um cenário bem possível, até provável. Mas a igualdade de pontos - e a virtual decisão do título holandês pelo saldo de gols - motivou uma lembrança unânime na imprensa futebolística holandesa, durante esta semana: a decisão eletrizante da Eredivisie na temporada 2006/07. 

Antes da última rodada, o empate na pontuação era tríplice, mas havia uma vantagem também segura (e também de seis gols) no saldo. Mas foi justamente o detentor desta vantagem que fraquejou na partida derradeira da temporada. E os outros dois adversários jogaram suas partidas com o olho na quantidade de gols do rival. Até que um deles foi mais competente, conseguiu a goleada e garantiu o título - após elenco e torcida esperarem minutos intermináveis pelo fim do jogo do outro contendente. Tudo isso, em apenas uma tarde, no dia 29 de abril de 2007. E quais eram esses times? Desde a metade do campeonato, já estava claro que a briga pela salva de prata era coisa entre PSV, Ajax e AZ.

Já bicampeão, o time de Eindhoven buscava o terceiro título seguido com alguns remanescentes da semifinal da Liga dos Campeões, havia dois anos: o goleiro Gomes e o zagueiro Alex impunham respeito na zaga (eram, até, os dois melhores da equipe, para muitos). No meio-campo, o veterano Phillip Cocu segurava a responsabilidade na marcação,  junto ao belga Timmy Simons, tranquilizando um jovem (e já titular) Ibrahim Afellay. E cabia ao equatoriano Edison Méndez ajudar na chegada da bola ao ataque, onde estavam o marfinense Arouna Koné e o peruano Jefferson Farfán, atacantes no 4-4-2 usado pelo técnico Ronald Koeman. No banco, o nível seguia razoável: Michael Reiziger, Jason Culina, Diego Tardelli, Patrick Kluivert... Era um bom time, entrosado, que ainda fazia papel honroso na Liga dos Campeões (os Boeren alcançaram as quartas de final naquela temporada, sendo eliminados pelo futuro vice-campeão Liverpool). 

Mas ficava até humilde, diante de um Ajax muito promissor. Jaap Stam representava a experiência na zaga, em seu último ano como jogador profissional, e Edgar Davids vivia o último bom momento de sua carreira, ainda elogiável no meio-campo. Mas já eram os mais jovens daquele time que assumiam o destaque total, e já eram cobiçados Europa afora. No gol, Maarten Stekelenburg; na zaga, Thomas Vermaelen; jogando adiantado como volante, John Heitinga; Wesley Sneijder, principal armador da equipe; e no ataque, Klaas-Jan Huntelaar prometendo o sucesso completo, junto do jovem Ryan Babel. Todos eles, titulares na base escalada pelo treinador Henk ten Cate.

E o AZ continuava sendo montado detalhada e pacientemente por Louis van Gaal. Na segunda temporada do treinador à frente dos Alkmaarders, o time já estava com alguns dos jogadores que se destacariam no histórico título holandês de 2008/09. Já estavam lá os volantes David Mendes da Silva, Demy de Zeeuw e Stijn Schaars; já estava no ataque Moussa Dembélé; já armava as jogadas o meio-campista belga Maarten Martens; Kew Jaliens já era o lateral direito. Some-se a isso algumas presenças úteis no time, como o zagueiro Barry Opdam, o atacante Shota Arveladze (sucesso na Eredivisie em seus tempos de Ajax) e, principalmente, outro atacante, Danny Koevermans, compensando com os gols marcados (22 ao todo) a falta de habilidade técnica. Só o gol sofria com a inconstância dos arqueiros; Khalid Sinouh e o jovem Boy Waterman se revezavam debaixo das traves.

E os três seguiam próximos na tabela. Na 23ª rodada, no primeiro encontro do returno entre dois candidatos ao título, o AZ derrotou o PSV em Eindhoven (3 a 2); na rodada seguinte, todos estavam separados por apenas dois pontos (PSV líder, com 55 pontos; Ajax com 54; AZ com 53). Aí, aparentemente, o PSV começou a disparar: abriu cinco pontos de vantagem na 26ª rodada, quando superaram o Groningen (1 a 0), enquanto Ajax e AZ ficaram num empate em um gol, no jogo direto. Com a derrota dos Ajacieden, vice-líderes, na rodada seguinte (0 a 1 para o Heerenveen, em Amsterdã), o PSV abria oito pontos. Tricampeonato garantido?

Não, porque a situação começou a mudar na 29ª rodada, a cinco do fim. Em 18 de março, ocorreu um jogo quase fundamental nos destinos daquela Eredivisie: no clássico entre PSV e Ajax, em Eindhoven, os Amsterdammers não tomaram conhecimento dos rivais, impondo 5 a 1 em pleno Philips Stadion - Huntelaar foi o destaque, com dois gols, e Sneijder ajudou com mais um na goleada, junto do espanhol Gabri e do dinamarquês Kenneth Perez. A vantagem dos Eindhovenaren na pontuação ainda estava em seguros cinco pontos (67 a 62, contra 60 do AZ), mas o espírito tinha virado. Tanto é que o PSV passou as duas rodadas seguintes sem vencer: empatou com o NAC Breda na 30ª rodada (1 a 1), e caiu para o NEC na 31ª (2 a 1). Essa derrota fez a vantagem que chegara a ser de oito pontos cair para dois. E a goleada do Ajax em Eindhoven colocara o saldo de gols na disputa do título.


Finalmente, a 33ª rodada (penúltima) construiu o cenário empolgante para a decisão sobre o campeão holandês. Enquanto vinham as vitórias de AZ (3 a 1 no Heerenveen, quarta vitória seguida) e Ajax (5 a 2 no Sparta Rotterdam), o PSV tropeçava de novo contra o Utrecht (1 a 1, em Utrecht). E as três equipes chegariam à última rodada com 72 pontos. Mais impressionante: o saldo de gols, primeiro critério de desempate, favorecia o AZ (saldo de 53, contra 47 do Ajax e 46 do PSV). Bastava vencer o desesperado Excelsior, na antepenúltima colocação, já condenado aos play-offs de acesso/descenso, e o AZ encerraria uma sequência de 26 anos só com o Trio de Ferro holandês se revezando no posto de campeão holandês.

E aí chegou o incrível 29 de abril de 2007 da última rodada, com os jogos sendo simultaneamente disputados. Nos primeiros sete minutos, o pêndulo do título ia para o AZ. Até que, no oitavo minuto do primeiro tempo, o atacante Andwelé Slory foi derrubado na área por Waterman; pênalti e cartão vermelho para o goleiro do AZ, substituído por Sinouh, que levou o gol no penal cobrado por Luigi Bruins. Ali começava uma via-crúcis para o time de Alkmaar: visivelmente nervoso, ainda foi buscar o empate duas vezes, mas não conseguiu conter a pressão dos Kralingers. O Excelsior venceu por 3 a 2, e conseguiria na Nacompetitie a manutenção na primeira divisão; o AZ teria de esperar mais uma temporada até a conquista sonhada e merecida em 2008/09.


Com o AZ "eliminado", Ajax e PSV passavam a se olhar. Enquanto o Ajax tinha de golear o Willem II, fora de casa, cabia ao então bicampeão holandês também marcar contra o Vitesse, num Philips Stadion apinhado de gente. E os Boeren começaram fazendo a parte deles: em dez minutos no primeiro tempo, já faziam 2 a 0 no Vites, com Alex (mais um gol de cabeça do zagueiro brasileiro) e Farfán. Aumentavam o saldo para 48, contra 47 do Ajax. Aí vieram duas duchas de água geladíssima nos Eindhovenaren. Primeiro, em seu próprio jogo: aos 13 minutos, Theo Janssen cobrou escanteio, Gomes tentou cortar e empurrou a bola para o próprio gol, numa falha incrível. O saldo de gols ficava igual ao do Ajax - 47 -, mas os Amsterdammers tinham mais gols (82 contra 72, àquela altura). E prontamente marcariam mais: aos 19 minutos da etapa inicial, um jovem Urby Emanuelson fez 1 a 0 para os Godenzonen contra o Willem II. No resto dos primeiros tempos dos jogos, o Ajax mantinha o maior saldo (48 contra 47), e ia conquistando mais um título holandês.


O cenário seguiu assim até os 14 minutos do segundo tempo de ambos os jogos: Farfán marcou o terceiro do PSV contra o Vitesse. Mais seis minutos, e Afellay fez 4 a 1 para os Boeren. Ali o título mudava de mãos: com 49 a 48 no saldo de gols, a Eredivisieschaal ia para Eindhoven. Assim ficou a situação por meros dois minutos: aos 22 minutos da etapa complementar, Huntelaar fez 2 a 0 para o Ajax. Saldo de gols igual de novo, Ajax campeão no número de gols pró, mais momentos de tensão no Philips Stadion. Até que, aos 32 minutos, em cobrança de escanteio, Phillip John William Cocu, já aos 36 anos, chuta para as redes e comemora. Era o quinto gol, a goleada sobre o Vitesse, o gol que recolocava o PSV à frente no saldo de gols (50 a 49).


O Ajax era o clube necessitado de um gol nos treze minutos finais. E aí partiu ao ataque. Num escanteio nos acréscimos, até Stekelenburg foi para a área. Mas a bola não entrou. E o PSV respirou, para explodir simultaneamente, com o tricampeonato holandês. A prova é a reação no Philips Stadion, acompanhando os minutos finais de Willem II x Ajax (terminou depois de PSV x Vitesse), no vídeo abaixo:

O tempo passou. Autor do "gol do título" em 2006/07, hoje Phillip Cocu está novamente no PSV, como treinador. E na entrevista coletiva antes do jogo deste domingo, lembrou que já viu coisas malucas acontecerem num campo de futebol. Poderia até acrescentar: por experiência própria. O Ajax, com a diferença controlada no saldo de gols, só precisa trabalhar para evitar a repetição de um filme triste. Que para o PSV, foi alegre. E essa mesma alegria é desejada ao final da rodada deste domingo, com a comemoração de um eventual bicampeonato.

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