segunda-feira, 9 de maio de 2016

A análise do campeão: a sorte ajudou quem merecia

Entrosado, o PSV não se perturbou em nenhum momento da temporada. Foi premiado com o bi (Pieter Stam de Jonge/VI Images)
Terça-feira, 11 de agosto de 2015. Na primeira rodada do Campeonato Holandês 2015/16, o PSV ia vencendo o ADO Den Haag por 2 a 1, fora de casa, confirmando seu habitual favoritismo - e iniciando bem uma campanha que, muito provavelmente, o levaria a ser um dos candidatos ao título nacional. Só que, aos 48 minutos do segundo tempo, indo para a área tentar o empate, o goleiro dinamarquês Martin Hansen foi o herói: desviou de calcanhar a bola vinda de falta, decretando o 2 a 2 final e ganhando (justamente) seus quinze minutos de fama na imprensa esportiva mundo afora.

O azar dos Boeren naquela estreia pela Eredivisie poderia indicar uma temporada turbulenta, daquelas em que o time demoraria para conseguir engrenar rumo à disputa do título, em que quase sempre está. Não foi assim. Na verdade, o entrosamento dos novos reforços foi tão rápido que permitiu ao time de Phillip Cocu manter seu estilo de jogo habitual. Com um pouco de aplicação extra (e sorte), foi possível fazer o que nenhum time holandês conseguia desde a temporada 2006/07: passar da fase de grupos da Liga dos Campeões. E, finalmente, a sorte que faltara naquela longínqua partida em Haia chegou na última rodada, deste domingo passado, trazendo um bicampeonato holandês muito merecido.

E foi merecido porque o PSV trabalhou. Além disso, como já se disse aqui, os jogadores trazidos nesta temporada foram buscados com eficiência, permitindo rápido entrosamento. Há dois claros exemplos. O maior deles é Davy Pröpper: ao vir para De Herdgang (centro de treinamento do PSV), o meio-campista potencializou as qualidades que já mostrara no Vitesse, em 2014/15. Capaz de roubar a bola (menos) e sair com velocidade para o ataque (bem mais), Pröpper tinha qualidades semelhantes às de Andrés Guardado - e chegava até melhor ao ataque do que o mexicano, arriscando chutes para o gol (assim marcou contra Roda JC e Vitesse). Com as lesões que perturbaram Guardado no returno, a importância de Pröpper no time aumentou. Não à toa, está presente constantemente nas seleções do campeonato, feitas pela imprensa holandesa.

Outro é Héctor Moreno. É verdade que o zagueiro mexicano começou a temporada exagerando em algumas jogadas violentas - Luke Shaw sabe bem disso, mas também cabe lembrar a entrada em Oussama Tannane, ainda no Heracles Almelo, em partida da Eredivisie ocorrida dias depois da estreia dos Boeren pela Liga dos Campeões, onde Moreno causara a fratura na perna do lateral esquerdo do Manchester United. Mas aos poucos o zagueiro foi se assentando, e não só foi para Jeffrey Bruma um companheiro de zaga tão valioso quanto Karim Rekik já fora em 2014/15, mas também oferecia a opção de atuar esporadicamente na lateral esquerda. O que abria vaga para o reserva Nicolas Isimat-Mirin entrar na zaga, formando um 5-3-2 quando a situação exigia (foi assim, por exemplo, no jogo de volta das oitavas de final da Champions League, quando o time holandês chegou a deixar o Atlético de Madrid em maus lençóis).

Maxime Lestienne até poderia estar na lista. Suas primeiras atuações pela ponta-esquerda foram promissoras. Só que o falecimento repentino e seguido de seus pais o forçou a passar algumas semanas na Bélgica, seu país natal, amparando e reorganizando a família, liberado pelo clube. Quando Lestienne voltou, já era tarde: perdera espaço para Jürgen Locadia. E embora tenha tido algumas boas atuações vindo do banco (bom exemplo foi o 3 a 2 no Zwolle, na última partida do turno), termina a temporada com papel secundário no elenco. E sem possibilidades de recuperar espaço: afinal, o alto preço cobrado pelo Al Arabi-QAT para sua compra em definitivo inviabiliza a manutenção do empréstimo, e ele provavelmente deixará o PSV. Aliás, por falar em empréstimo: como esquecer Marco van Ginkel? Chegou apenas para o returno e fez oito gols em treze jogos, assumindo com merecido destaque o lugar que Guardado deixava.

De contratações acertadas, ainda houve Gastón Pereiro. Entrando numa situação difícil (substituiu justamente Lestienne, ausente pela morte da mãe), em clássico contra o Ajax, na 8ª rodada, o atacante uruguaio precisaria provar ali seu valor. Provou: fez os dois gols da vitória por 2 a 1, em plena Amsterdam Arena, e trouxe força física pelo lado esquerdo do ataque, além de habilidade. Até caiu na irregularidade no decorrer da temporada, e perdeu espaço para Luciano Narsingh, recuperado de lesão (e mais experiente). Ainda assim, até pela idade (20 anos, a fazer 21 em 11 de junho), e pela constante presença nos jogos - no banco ou nos titulares, esteve em 29 jogos pelo Campeonato Holandês -, Pereiro merece observação e oportunidades no PSV, nas próximas temporadas.

Como merecem mais chances Jürgen Locadia e Jorrit Hendrix. Se era apenas um corpulento finalizador antes, Locadia aprendeu a jogar pelos lados (pela esquerda, para ser mais preciso), desenvolvendo sua técnica, e parou de reclamar pelos cantos à espera de uma transferência, como ocorreu com seu amigo de base Memphis Depay. Viveu a melhor temporada de sua curta carreira - mesmo caso de Hendrix, que até permitiu que Guardado e Pröpper saíssem mais para o ataque, dando segurança na marcação, dentro do 4-3-3.

Houve ainda Jeroen Zoet, único presente nos 34 jogos do PSV, consolidado como goleiro promissor na Holanda - até em termos de seleção, assumindo o posto de reserva imediato de Jasper Cillessen na Oranje após a lesão de Tim Krul. Houve Jeffrey Bruma, surpreendente: o antes "xerifão" deu lugar a um zagueiro seguro, com tempo de bola impecável, esbanjando confiança para a torcida. Houve Jetro Willems, cada vez melhor nos cruzamentos - e um pouco melhor na marcação (o que o ajudou a recuperar a posição do discreto Joshua Brenet). Houve Guardado, sempre presente na criação das jogadas enquanto as lesões não o perturbavam. E acima de tudo, houve Luuk de Jong, que teve em Eindhoven o porto seguro para atuar num campeonato mais alcançável a seu nível técnico após fracassos em Alemanha e Inglaterra. De Jong só não foi o goleador do Holandês porque havia Vincent Janssen, mas merece o posto de melhor jogador do campeonato. Até por mostrar um insuspeito espírito de liderança, como não mostrara ainda na carreira.

Com um elenco entrosado, que dava espaço a jogadores da base, e as contratações acertadíssimas, Phillip Cocu pôde trabalhar para minorar ao extremo o possível impacto das saídas de Memphis Depay e Georginio Wijnaldum. Mostrou, ainda, capacidade rara no futebol holandês: saber mudar o esquema do time em função dos jogos que teria pela frente. O que muito o ajudou na campanha pela Liga dos Campeões - além da "fortaleza" que o Philips Stadion segue sendo: os Boeren não perderam nenhum jogo ali pela Champions, e só caíram uma vez pela Eredivisie, contra o Ajax, na mesma semana da eliminação traumática (porque a classificação foi possível) no torneio continental.

Mesmo com o revés contra os Ajacieden, que o fez perder a liderança da liga, o PSV continuou trabalhando. Não se desviou de seu estilo de jogo, calcado nos contragolpes e na rápida saída de bola ("transição", como se diz atualmente). Continuou sendo mais constante e seguro em campo do que o Ajax, que tinha ataque bom e defesa insegura. E a sorte ajudou quem merecia, na última rodada. Pelas circunstâncias, o bicampeonato holandês foi surpreendente. Mas repita-se: foi muito merecido.

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