quarta-feira, 18 de maio de 2016

Novela à vista


A tristeza do Twente no rosto do diretor Onno Jacobs: e agora, o que será dos Tukkers? (Vincent Jannink/ANP)

Após a rodada final do Campeonato Brasileiro de 2013, esperava-se que a Portuguesa (48 pontos) permanecesse na Série A e que o Fluminense, com 46 pontos, estivesse rebaixado à Série B, por estar na 17ª posição. Esperava-se, não fosse a descoberta da entrada irregular do volante Héverton (suspenso) no jogo derradeiro da Lusa no campeonato, contra o Grêmio. O clube das Laranjeiras aproveitou a chicana que se abrira, entrou com recurso no STJD, a agremiação paulistana foi punida com a perda de quatro pontos, foi a rebaixada, até hoje não se sabe qual a razão do erro da Portuguesa (ou até se sabe, mas não há como provar por enquanto)... e tudo isso foi seguido por uma gigantesca onda de críticas de imprensa e torcida, pela supressão sumária do que se decidira dentro de campo.

Pois bem: críticas semelhantes estão ocorrendo na Holanda. Porque o Twente, 13º colocado ao final das 34 rodadas do Campeonato Holandês 2015/16, conseguiu permanecer na divisão de elite... mas teve seu rebaixamento "sugerido" pela KNVB, a federação holandesa, nesta quinta. Não é uma decisão definitiva: a federação indicou tal solução, e o Central Spelersraad (Conselho Central de Atletas, órgão vinculado à entidade) poderá confirmá-la ou recusá-la. Ainda assim, o processo que levou ao virtual rebaixamento do clube de Enschede teve um final tão desastrado que quase ninguém o está aceitando. Nem beneficiados, nem prejudicados.

Cabe lembrar: a situação financeira do Twente foi aflitiva durante boa parte da temporada. Com uma dívida de 32 milhões de euros, e mais sanções da FIFA e da KNVB pela cessão irregular dos direitos de jogadores ao fundo de investimentos maltês Doyen (processo semelhante ao ocorrido com o Santos, no Brasil), o clube de Enschede viveu toda a temporada sob o fantasma de mais punições - e o Espreme a Laranja já até comentara sobre isso. O pior é que o rebaixamento à Eerste Divisie (segunda divisão) ameaçava vir sem punição: os Tukkers terminaram o primeiro turno da liga na zona de repescagem/rebaixamento.

O tempo passou, a equipe se recuperou no returno, conseguiu chegar à 13ª posição, teve no meio-campista Hakim Ziyech um dos grandes destaques do campeonato... mas não se livrou das punições. Em abril, a KNVB anunciou que o Twente perdera três pontos, por descumprir etapas do plano de reestruturação financeira apresentado à entidade. Era a terceira vez que tal sanção era aplicada ao clube - que já perdera seis pontos na temporada passada. Pelas regras da federação, o passo seguinte era a perda da licença profissional - o que forçaria o Twente a ter de recomeçar sua história na Topklasse, a quarta divisão holandesa.

Mas era necessário reconhecer: a nova direção ia atrás das soluções. Fez acordo com empresários da região do Twenthe (daí o nome do clube), onde fica a cidade de Enschede, para que ajudassem no pagamento da dívida. Conseguiu renegociar as dívidas com os ex-presidentes Joop Munsterman e Aldo van der Laan. Resultado: teve mantida a licença profissional. E a federação reconheceu o esforço. Mas premiou-o do pior jeito possível: nesta quarta, em nota oficial, a KNVB anunciou a decisão tomada pela comissão de licenças com relação ao caso dos Tukkers. Que começava explicando: "Durante a reunião, a comissão concluiu que o passado do Twente dava a ela o direito de tirar a licença. Por outro lado, a comissão acha que os esforços feitos para 'limpar a casa' davam o direito de manter a licença".

Seguiam-se as alternativas: "Com base no regulamento de licenças, a comissão tinha duas opções. A primeira era uma multa de 45.250 euros. Aos olhos da comissão, isso parecia uma pena desproporcionalmente leve. A segunda opção era a retirada da licença, que seria justificada pelo passado do clube. Com base no bom trabalho [para diminuir a dívida] feito neste meio ano, a comissão acha uma pena desproporcionalmente dura." Qual foi a decisão, então? "A comissão, então, cede ao Twente uma nova licença, já que o clube está 'limpando a casa'. Com essa nova licença, o clube tem o direito de começar na mais baixa divisão profissional, que é a Jupiler League [nome patrocinado da segunda divisão]".

Bert van Oostveen, da KNVB, comemorou a punição indicada ao Twente. Foi o único (Gerrit van Keulen/VI Images)
A recepção à decisão da KNVB foi unânime: nenhuma das partes gostou. Até porque ela interfere no play-off contra o rebaixamento, cuja decisão começa na quinta. Com a sugestão do rebaixamento do Twente, o Willem II (antepenúltimo colocado da Eredivisie) estaria garantido na primeira divisão, qualquer que fosse o resultado de seu jogo contra o NAC Breda - que, se ganhar no placar agregado, obviamente voltaria à elite do futebol holandês. Enquanto isso, De Graafschap e Go Ahead Eagles decidirão a outra vaga. E em caso de vitória dos Superboeren (penúltimos colocados na liga), junto de triunfo do Willem II - ambos vindos da Eredivisie -, quem ficaria na divisão principal do futebol holandês seria... o Cambuur, lanterna do torneio, rebaixado diretamente.

O pior é que a perda da licença profissional (punição prevista no regulamento) causaria mudanças até no título holandês. Afinal, assim o Twente teria seus resultados anulados. Com duas vitórias sobre os Tukkers nesta temporada do Holandês, o PSV perderia seis pontos - de 84, iria a 78; com uma vitória e um empate, a pontuação do Ajax cairia de 82 a 78. E com a pontuação igual, o saldo de gols maior daria o título aos Ajacieden. Talvez o temor das reações a essa "leve" mudança nos destinos da Eredivisieschaal tenha motivado a KNVB a decidir-se por essa via de punição branda-mas-nem-tanto, comemorada pelo diretor de futebol Bert van Oostveen: "O Twente é um grande clube, com um grande passado, e a KNVB acha ótimo que o clube tenha uma segunda chance".

Mas só Van Oostveen comemorou. De resto, só críticas. Obviamente, o Twente foi o primeiro a lamentar. Em declaração pública à imprensa, o diretor Onno Jacobs opinou: "Estamos tristes, perplexos e incrédulos. É um duro golpe. Pensávamos que poderíamos participar da próxima temporada [do Campeonato Holandês], não contávamos com essa variante". Diretor da segunda divisão, Marc Boele foi até mais longe, lembrando a Nacompetitie de acesso/descenso: "Ninguém ouviu a Jupiler League [antes de tomar a decisão], não sabíamos de nada. Amanhã traremos uma posição mais concreta, mas não estamos felizes. E os play-offs? Por qual objetivo os clubes jogarão?".

O repúdio veio até mesmo de clubes eventualmente favorecidos que disputam a promoção ou a manutenção na primeira divisão. Às vésperas de deixar o Willem II, o técnico Jurgen Streppel mostrou-se incerto: "Enquanto não houver definição [sobre o rebaixamento do Twente], para nós é uma situação desumana". Diretor geral do Go Ahead Eagles, Edwin Lugt criticou a federação em seu perfil pessoal no Twitter: "A KNVB rasgou o próprio regulamento. Estamos avaliando medidas jurídicas. A comissão de licenças tinha duas opções: tirar definitivamente a licença ou manter o Twente na Eredivisie. E essa segunda opção é que tinha de acontecer". Finalmente, nem o Cambuur, rebaixado que pode ser içado de volta, comemorou a eventualidade que pode lhe favorecer: "Desportivamente falando, não temos o direito à salvação, isso tem de ficar bem claro".

Agora, é esperar pela decisão do Central Spelersraad, que terá um mês para confirmar ou revogar o rebaixamento do Twente. E essa decisão deverá levar o clube de Enschede aos tribunais - briga jurídica já encampada pela torcida. Ou seja: há uma novela arrastada à vista no futebol holandês. Bem disse o jornalista Michel Abbink, do site nu.nl: "Neste verão europeu, todos os outros países assistirão a um torneio entre seleções. Nós assistiremos a uma incompreensível novela sobre o Twente". Como se não bastasse a ausência da Oranje na Euro 2016... 

Um comentário:

  1. Gisuis... eu também achava que o Twente tinha conseguido se salvar das punições depois de perder seus pontos e tudo mais...

    As confusões na Europa não são tão diferentes das daqui

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