Nem o empate no fim apaga a sensação de decepção que a seleção traz à torcida atualmente (Joep Leenen/ANP) |
Ordinário. Na edição de 1986 do dicionário Aurélio, uma das definições da palavra indica: "Habitual, useiro, comum". Outra definição: "De má qualidade; inferior". Pois bem: esses significados indicam perfeitamente o que foi a seleção holandesa e sua atuação no empate por 1 a 1 contra a Irlanda, nesta sexta, no Aviva Stadium de Dublin. Novamente, a Laranja mostrou o que tem sido "habitual" e "comum" nela, nos últimos meses: um jogo "de má qualidade, inferior". A falta de criatividade foi o principal defeito da equipe renovada que foi a campo.
Claro, no começo houve até a aceleração do jogo - principalmente pelas pontas, com Memphis Depay (menos) e Quincy Promes (mais). Mas aos poucos, um velho erro da Oranje foi novamente cometido: a transição lenta entre a defesa e o ataque. Na transmissão da FOX Sports holandesa para o jogo, o ex-jogador Ronald de Boer apontou uma jogada ocorrida ainda nos primeiros minutos: após um escanteio cuja bola foi tirada da área por Jeffrey Bruma, Georginio Wijnaldum tentou acelerar a saída para o ataque... e não havia opção. Resultado: o passe do meio-campista do Newcastle foi para trás, e logo a Irlanda retomou a bola.
Aos poucos, essa falha crônica foi expondo os outros sérios problemas da seleção holandesa. Sem opções, o meio-campo não podia criar jogadas. Sem criação de jogadas, restava o avanço infrutífero dos laterais (pela direita, Jöel Veltman; pela esquerda, Jetro Willems), que quase sempre rendia apenas cruzamentos inócuos e facilmente defendidos pelo goleiro irlandês, Darren Randolph. E sem jogadas saindo do meio e com a bola passando apenas pelo alto, Vincent Janssen mal apareceu na partida para finalizar. Pior: em todos os primeiros 45 minutos, apenas dois chutes foram dados pela Oranje. Nenhum deles a gol. Índice baixo assim não era visto desde o amistoso contra a Itália, em setembro de 2014.
No meio do deserto de ideias, havia apenas um oásis: Kevin Strootman. No seu retorno à Oranje, o volante da Roma diminuiu o temor de uma contusão: entrou em divididas, foi atingido em faltas, mas seguiu bem nos 68 minutos em que esteve no campo do Aviva Stadium. Mais do que isso: sempre que recebia a bola, mostrava a precisão que o fazia nome certo e habitual nas escalações da Laranja, antes das lesões que atravancaram e atrapalharam seu caminho. Também comentando para a FOX Sports holandesa, o ex-jogador dinamarquês Kenneth Perez esclareceu: "Veja os passes de Strootman: não são só para o lado, são para a frente, ampliam as opções de jogada". Enfim: no que foi possível, o camisa 8 cumpriu seu papel e justificou o apelido de "Lavadora". A tal ponto que, dos 73 passes que deu na partida, Strootman completou 88% deles, de acordo com o site OptaJohan. Mal jogou, e já se credenciou como um nome fundamental para o futuro da equipe, se continuar em forma, sem lesões.
Strootman: volta promissora (Maurice van Steen/VI Images) |
Mas Strootman era só um, de onze jogadores. E não só os atletas ofensivos desaceleraram, como a defesa continuou exibindo erros gritantes de posicionamento e de ações. Dois desses causaram o gol de Shane Long que abriu o placar para os irlandeses, aos 19 minutos do primeiro tempo: o zagueiro Virgil van Dijk cedeu escanteio de graça, a uma equipe que tem na bola aérea uma de suas qualidades. E na cobrança do córner, Van Dijk (1,93m) perdeu a disputa do rebote para Long (1,80). Isso, sem contar a primeira entrada, em que John O'Shea apareceu livre no meio para testar, forçando a defesa de Jasper Cillessen, o consequente rebote e o gol.
O pior é que tudo isso seguiu durante boa parte do segundo tempo. A falta de alguém que realmente pensasse o jogo, criasse alternativas (Strootman, apesar de bom volante, não é um criador), aumentou a força do ponto de interrogação sobre um futuro sem Wesley Sneijder - e sem o fortalecimento de Davy Klaassen ou Jordy Clasie, opções imediatas para a posição. E aí, sem a criação, não havia como os da frente atuarem. E se eles ficavam com a bola, tentavam infrutíferas jogadas individuais. Principalmente Memphis Depay, cuja atuação foi merecidamente criticada e recebeu conselhos de Danny Blind, após o jogo: "O potencial dele segue presente, mas nota-se que a temporada não foi boa e isso o afetou. Assim, é melhor jogar o mais simples possível". De quebra, nas bolas aéreas irlandesas (e elas eram muitas), seguia o "quem é que sobe?": a tal ponto que Bruma quase cometeu gol contra, aos nove minutos.
A situação só melhorou levemente para a Holanda com a entrada de Steven Berghuis, em lugar de Memphis. Estreando pela Laranja, o atacante do Watford (atuando 27 anos após seu pai, Frank Berghuis, fazer um jogo pela seleção, contra o Brasil, em amistoso) acelerou mais as coisas. E após ter ocupado melhor o campo, mais compactada e sabendo o que fazer com a bola nos pés no 4-4-2 pensado por Martin O'Neill, a Irlanda desacelerou - natural, já que ela pensa na Euro que está próxima. As entradas de Bas Dost e Luuk de Jong, levando a Holanda do 4-3-3 para o 4-4-2, deram mais referências na frente, ainda que tenham transformado o jogo num festival de "chuveirinhos". E Marco van Ginkel, entrando no meio-campo, pôde armar um pouco mais o jogo e chegar ao ataque.
A leve evolução foi clara: aos 31 minutos da etapa final, enfim a Holanda mandou um arremate ao gol (um cabeceio de Dost mandou a bola perto da meta defendida por Randolph). E aos 40, uma jogada muito vista no returno desta Eredivisie resultou no empate: Willems cruzou da esquerda, e Luuk de Jong cabeceou para as redes. Só que este gol salvador não apagou as pesadas e corretas críticas sobre mais uma atuação apática, apagada, ordinária da seleção holandesa. Danny Blind reconheceu, falando após o jogo: "No intervalo, minha primeira frase [aos jogadores] foi: 'Como pode?!' É difícil explicar. Tivemos uma boa semana de treinos, e de novo saímos atrás, como pode ser assim?".
Blind não sabe. Mas é sua obrigação achar uma resposta. A melhora rápida da Oranje depende disso.
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