Strootman olha para a frente. Como a seleção da Holanda precisa olhar (Erwin Spek/ANP/Pro Shots) |
Há tempos a Holanda não tinha de encarar essa dura realidade. Mas o fato é que, nesta sexta, às 15h45, no Aviva Stadium de Dublin, quando a Laranja entrar em campo para mais um amistoso, será sua adversária, a Irlanda, que estará se preparando para a Euro 2016. A mesma coisa com o adversário da próxima quarta, a Polônia, em Gdansk. E também será assim no sábado, 3 de junho, quando o oponente será a Áustria, em Viena. Todas essas equipes nacionais, na reta final rumo ao torneio europeu.
E a Holanda? Resta a ela foco total no próximo estágio: as eliminatórias para a Copa de 2018. Exatamente por isso é que o técnico Danny Blind tem dado tanta importância, mais do que aos amistosos, à temporada de treinos que os 25 jogadores convocados estão fazendo no balneário português de Lagos (cidade conhecida: ali o elenco da Copa de 2014 fez a reta final da preparação para o torneio). Pode-se dizer que ali estão sendo definidos os pontos básicos de uma nova fase no trabalho de Blind pai.
Aliás, tais pontos básicos já podem ser delineados ao se observar os auxiliares do treinador. Se Marco van Basten, um ex-comandante da Oranje, já estava ao lado de Blind no banco de reservas, o novo auxiliar Dick Advocaat traz até mais definição sobre a identidade tática que a seleção pensa em ter para tentar chegar a 2018. Com a inegável experiência de duas passagens como o técnico principal, Advocaat substituirá Ruud van Nistelrooy – e poderá ajudar o treineiro da vez a ter mais cuidados com a defesa.
Dos treinadores holandeses que alcançaram algum êxito em suas carreiras, Advocaat é de longe o mais cuidadoso em questões táticas. Cuidadoso até demais: é famosa sua alteração criticadíssima contra a República Tcheca, na fase de grupos da Euro 2004 (a Oranje vencia por 2 a 0, Advocaat tirou um imparável Robben e colocou o meio-campista Bosvelt, chamou os tchecos para o jogo, e eles viraram para 3 a 2).
No entanto, se sua vinda servir para auxiliar Blind na formação de uma defesa mais compacta e de um jogo acelerado, já será útil. E aos 68 anos, Advocaat parece mais motivado do que esteve em seus últimos trabalhos, até para dar um fim honroso à sua longa carreira no banco: “Eu não esperava o convite, fui surpreendido. Mas significa fechar minha carreira com chave de ouro. Comecei na KNVB como auxiliar [Advocaat era o braço-direito de Rinus Michels na Euro 1992], e terminarei como auxiliar. Tenho plena certeza de que chegaremos à Copa de 2018, e uma Copa na Rússia [cuja seleção ele treinou na Euro 2012] completaria o círculo”.
Só que de nada adianta um triunvirato de experiência comprovada no banco de reservas, com dois ex-técnicos da seleção ajudando um “seminovato”, se os jogadores não corresponderem em campo. Afinal de contas, se a renovação no elenco da Laranja era necessária e até urgente, ela está sendo feita. Basta dizer que apenas sete dos convocados que treinam em Portugal estiveram na Copa passada (Jasper Cillessen, Joël Veltman, Daley Blind, Georginio Wijnaldum, Wesley Sneijder e Memphis Depay).
Advocaat e Daley Blind terão papéis importantes na nova fase da seleção: um fora de campo, o outro dentro (Remko de Waal/ANP) |
E a renovação está cada vez mais profunda: tanto na pré-convocação como na lista definitiva de Blind, não estavam nem estão Robben, Sneijder, Van Persie ou Huntelaar. Ficaram todos de fora, por lesão (Robben) ou opção (Van Persie, Huntelaar). E o pedido de dispensa de Sneijder, por dores nas costelas, logo após ser campeão da Copa da Turquia com o Galatasaray, confirmou: será a primeira vez em que a seleção da Holanda jogará sem nenhum dos quatro veteranos entre os titulares desde 2013, num amistoso contra a Colômbia.
Sem os destaques de sempre, se há um destaque entre os convocados por Danny Blind, ele é Kevin Strootman: depois do sofrimento com as renitentes lesões nos dois joelhos, bastou uma volta ainda leve pela Roma para o meio-campo conseguir seu retorno à Oranje, dois anos após o aziago 5 de março de 2014, em que sofreu uma primeira lesão no joelho em amistoso contra a França (no domingo seguinte, jogando pela Roma, Strootman rompeu pela primeira vez o ligamento cruzado anterior do joelho, no início de sua via-crúcis).
Motivo mais do que suficiente para que o volante volte com cuidado, certo? Errado: Strootman não só voltará, mas deverá ser titular contra a Irlanda. Mais do que isso: será o capitão da seleção. Razões não faltam para as palavras aliviadas, mas ainda reticentes, do jogador: “Foi para isso que trabalhei duro nesses dois anos. Para mim, estar aqui é um bônus. Não estou 100 por cento, mas justamente por isso é que preciso continuar treinando e também preciso atuar nas partidas. Jogar os 90 minutos em todas elas talvez seja demais, mas estou à disposição”.
Outra prova de que a renovação vai se consolidando na seleção holandesa é o fato de que, entre os convocados, o jogador com mais partidas pela Laranja é… Daley Blind (estará fora contra a Irlanda, lesionado), com “apenas” 36 atuações. Seguem-no Ron Vlaar (32), Jasper Cillessen (27), Wijnaldum (27), o próprio Strootman (25), Memphis Depay (23) e Jetro Willems (18). Cabe a eles, jogadores ainda relativamente novos (Vlaar é a exceção que confirma a regra, com 31 anos), começarem a criar um ambiente com novas lideranças a guiar os mais neófitos em seleção: Riechedly Bazoer, Tonny Trindade de Vilhena, Davy Pröpper, Marco van Ginkel... e, principalmente, Quincy Promes e Vincent Janssen: prestigiados pela temporada que fizeram e pelas atuações nas oportunidades que tiveram na seleção, Promes e Janssen devem ser titulares nos amistosos.
E, principalmente, caberá aos jogadores da seleção holandesa vencerem as desconfianças sobre suas capacidades para fazer a Oranje reagir – desconfianças muito justificadas, diga-se de passagem. Por mais que mereça críticas, Danny Blind está trabalhando e se esforçando. Agora, é dentro de campo, no 4-3-3 (provável escalação: Cillessen; Veltman, Bruma, Van Dijk e Willems; Strootman, Wijnaldum e Bazoer; Promes, Janssen e Memphis Depay). O futuro começa com os amistosos.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 27 de maio de 2016)
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