sexta-feira, 31 de março de 2017

A última fronteira

Incentivado por Kuyt, remanescente da última vitória em Amsterdã, o Feyenoord parte para aquela que pode ser a batalha final no caminho do título (Gerrit van Keulen/VI Images)
Quem já jogou determinados games, homem e/ou mulher, sabe como é difícil chegar às fases finais de alguns deles. E sabe como é ainda mais difícil vencer os adversários mais fortes e exigentes. Por fim, sabe como também é mais leve, prazerosa e alegre a sensação de superar esses adversários e conseguir, enfim, “zerar o jogo”, após tanto tempo aprendendo truques. Para citar dois exemplos: é inigualável o alívio que se sentia quando se vencia a temível dupla Goro-Shang Tsung, em Mortal Kombat. Assim como era merecedor de respeito a(o) cidadão(ã) que conseguisse superar os exigentes (popularmente falando, “apelões”) Balrog, Vega, Sagat e M. Bison, no final de Street Fighter II.

Eis a situação do Feyenoord, neste final de semana que marca a retomada do Campeonato Holandês, com a 28ª rodada. Afinal, o líder da Eredivisie tem seis pontos de vantagem para o Ajax, seu arquirrival. Uma vantagem que parece segura. Todavia, esta rodada trará a mais esperada edição do Klassieker, como são conhecidos os clássicos entre as duas equipes, em muito tempo. Naturalmente, já seria um desafio para o primeiro colocado da liga – até porque a Amsterdam Arena será o local do dérbi. Só que as circunstâncias tornam ainda mais difíceis e tensas as perspectivas para a equipe de Roterdã.

Em primeiro lugar, por causa de um fato estatístico. Há quase 12 anos o Stadionclub não ganha do Ajax em Amsterdã – mais precisamente, desde 28 de agosto de 2005, quando fez 2 a 1, pela terceira rodada do Holandês da temporada 2005/06 (Dirk Kuyt e Salomon Kalou marcaram para os visitantes, enquanto Angelos Charisteas diminuiu para o Ajax). Houve momentos em que uma nova vitória ficou próxima – por exemplo, ela ficou perto na 10ª rodada da temporada 2011/12, quando os Feyenoorders abriram o placar, mas os Ajacieden foram buscar o empate por 1 a 1. Contudo, segue a espera.

Em segundo lugar, porque determinadas circunstâncias prometem tornar ainda mais difícil a preparação do grupo, para o técnico Giovanni van Bronckhorst. Uma delas, inclusive, tirará do jogo aquele que talvez seja o melhor jogador desta Eredivisie: Tonny Vilhena. O meio-campista foi suspenso por três jogos, graças a um artifício constantemente visto no futebol brasileiro. Começou graças a um lance flagrado pelas câmeras, durante a segunda derrota do Feyenoord na temporada (1 a 0 para o Sparta Rotterdam, na 25ª rodada): com o cotovelo, Vilhena atingiu a cabeça de Mathias Pogba, do Sparta.

Juiz daquela partida, Danny Makkelie nada flagrou, e nem punição deu. Só que a “tuchtscommissie” da federação holandesa (“tuchtscommissie”, ao pé da letra, é “comissão de disciplina” – algo semelhante ao que é o STJD no Brasil) reviu as imagens, flagrou o cotovelaço e não teve dó: a pena inicial foi de quatro jogos de suspensão para Vilhena. Obviamente, o Feyenoord entrou com recurso, e até conseguiu o efeito suspensivo, que liberou o meio-campista para os jogos contra AZ e Heerenveen (neste, aliás, Vilhena marcou o gol da vitória Feyenoorder: 2 a 1, de virada). Mas na quarta passada, a comissão de recursos da federação julgou em última instância. Mesmo com Danny Makkelie dizendo que não viu a cotovelada – e se tivesse visto, daria apenas o amarelo a Vilhena -, a comissão de disciplina aliviou pouco: três jogos para Vilhena, um dos quais retroativo. 

Trocando em miúdos: o camisa 10 do Feyenoord, centro de quase todas as jogadas da equipe, não estará em campo, justamente no que pode ser a partida mais importante de uma campanha que pode ser histórica para o clube. Assim como dois jogadores de relativa experiência no grupo que está à disposição de Van Bronckhorst: Terence Kongolo (com lesão muscular na coxa) e Eljero Elia (inchaço no tornozelo) também são duas fortes dúvidas para o jogo.

No julgamento, Vilhena perdeu o direito de estar no Klassieker (ANP)
Para piorar, o Ajax parece um time forte o suficiente para aproveitar esses problemas. Quando nada, porque trata-se de um quadrifinalista de Liga Europa – não é nada, não é nada, mas já fazia tempo que os Godenzonen não viviam uma fase promissora como a atual. Certo, na rodada anterior, o empate por 1 a 1 contra o Excelsior foi um tropeço inesperado e lamentado. Ainda assim, para o nível técnico da Eredivisie, o meio-campo do Ajax pode ser considerado tão capacitado quanto o do Feyenoord para decidir um jogo. Davy Klaassen tem clara ascendência sobre a equipe; Lasse Schöne sempre é perigoso nas cobranças de falta; Hakim Ziyech tem habilidade para criar jogadas – assim como Amin Younes, no ataque. E se a defesa do Feyenoord parece mais firme, com Brad Jones seguro no gol e Eric Botteghin sendo o melhor zagueiro desta Eredivisie, a defesa Ajacied cresce de produção, com Davinson Sánchez se destacando mais e mais. O único senão para os anfitriões deste Klassieker é a provável ausência do lesionado Kasper Dolberg.

Dolberg é a maior dúvida para o Ajax antes da partida decisiva (Sander Chamid/VI Images)
Ao Feyenoord, visitante, resta confiar em outros destaques da temporada, como Nicolai Jorgensen (não só goleador, mas também o jogador que mais passes para gol deu neste Campeonato Holandês) e Karim El Ahmadi. Resta confiar em Dirk Kuyt, sempre fonte de fôlego e luta inesgotáveis – presente na vitória de 2005, Kuyt falou grosso: “Quero ser campeão a qualquer custo”. Resta lembrar que o sonho do desfile com a Eredivisieschaal pela avenida Coolsingel está cada vez mais presente e vivo na cabeça da fanática torcida. Finalmente, resta pensar: para uma equipe que deseja fazer história, não há desafios insuperáveis, apenas vitórias sucessivas. E nesta temporada, o Feyenoord já provou que quer fazer história e lavar a alma. Precisa superar a última fronteira, se quiser eliminar as desconfianças e entrar definitivamente na rota do título aguardado há 18 anos. Vencer o Klassieker, contra todas as circunstâncias adversas, seria a melhor das provas de que chegou a hora. 

Para relembrar (e brincar)

Esqueçam o que o colunista escreveu sobre as boas perspectivas da seleção holandesa, na semana passada, certo? Claro que um técnico com pouca experiência, como Danny Blind, não ajudava. Mas a geração de jogadores é medíocre, também.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 31 de março de 2017)

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