Ronaldo encarou desafios já no PSV. Superou-os com sobras, impondo respeito (ANP) |
Ronaldo não é o maior ídolo da história do PSV. Nem o brasileiro que melhores recordações traz aos torcedores do principal clube de Eindhoven. Como se sabe, Romário é o dono desses dois postos, até por ter passado mais tempo no futebol holandês (cinco anos, contra dois de Ronaldo). Ainda assim, e até por não ter jogado em arquirrivais holandeses como fez em Itália e Espanha, há maior orgulho dos Boeren em terem sido o primeiro time europeu onde atuou o carioca do bairro de Bento Ribeiro.
Por isso, o PSV celebra sem traumas os 40 anos de Ronaldo. E relembra a passagem entre 1994 e 1996, em que o atacante teve uma espécie de introdução a tudo o que o esperava em sua carreira turbulenta e próspera. Houve problemas com treinador, houve lesões, mas na Holanda Ronaldo também começou a mostrar do que era capaz em campo. Teve um ótimo companheiro de ataque – o belga Luc Nilis, considerado pelo próprio um dos melhores colegas com quem atuou.
E teve, principalmente, um grande rival na função de marcar gols, protagonizando uma daquelas disputas que fazem ambos crescerem de produção, para alegria das torcidas: Patrick Kluivert. O mais curioso é saber que ambos poderiam ter sido colegas de clube. Afinal, ainda nos tempos de Cruzeiro, o Ajax interessou-se concretamente em buscar o brasileiro que impressionava na Toca da Raposa, cavando uma vaga sem direito a contestações no grupo de jogadores convocados para a Seleção Brasileira na Copa de 1994 – e já recebendo chances de Carlos Alberto Parreira, vez por outra.
Para sorte dos Eindhovenaren, os olheiros Piet de Visser e Frank Arnesen (dois dos mais famosos da Europa na função – não à toa, viraram diretores depois) moveram-se mais rapidamente do que a direção rival. Por 6 milhões de dólares, em agosto de 1994, a nova revelação ia para Eindhoven. Onde já começou fulgurante: logo na primeira rodada do Campeonato Holandês 1994/95, na vitória do PSV sobre o Vitesse (4 a 2, fora de casa), em 28 de agosto de 1994, Ronaldo precisou de apenas nove minutos em campo para marcar seu primeiro gol com a camisa alvirrubra listrada. Na segunda rodada, em 31 de agosto, o PSV recebeu o Go Ahead Eagles, e pespegou 4 a 1 no time de Deventer – com mais dois gols de Ronaldo.
Depois, uma pausa para competições continentais: no caso, a Copa Uefa, em que o time de Eindhoven pegou o Bayer Leverkusen. Levou 5 a 4... com três gols de Ronaldo. O novo reforço havia marcado seis gols em suas primeiras três partidas pelo PSV. Já era suficiente para se ver o quanto Piet de Visser e Frank Arnesen haviam acertado na mosca ao apostarem em Ronaldo. Que por sua vez, já ganhava confiança no seu nível técnico a ponto de ser titular no último amistoso da Seleção Brasileira em 1994: um 2 a 0 sobre a Iugoslávia, em 23 de dezembro, no antigo Olímpico (Porto Alegre), com o clima de celebração pelo tetracampeonato ainda em relativa alta.
Por sinal, também no fim daquele ano, Patrick Kluivert já ganhara sua primeira chance pela seleção holandesa: em 16 de novembro, substituiu Youri Mulder aos 25 minutos do segundo tempo na partida contra a República Tcheca, empatada sem gols, pelas eliminatórias da Euro 1996. Curiosamente, a chance foi dada por Dick Advocaat, que logo treinaria Ronaldo no PSV. Todavia, o técnico mais importante na carreira daquele jovem nascido em 1º de julho de 1976 era, sem dúvida, Louis van Gaal. Foi quem bancou as várias oportunidades do novato naquele time, que já contava com Ronald de Boer, Finidi George e Nwankwo Kanu para o ataque.
Assim como Ronaldo, Kluivert também não demorou a mostrar que seria atacante elogiável. Na primeira rodada daquela Eredivisie, em 28 de agosto, Ajax 3x1 RKC Waalwijk – com um gol do surinamês de 18 anos. 11 de setembro de 1994, segunda rodada, contra o Vitesse: 5 a 0 Ajax, e mais um gol de Kluivert. E se Ronaldo, seu adversário pela artilharia da Eredivisie 1994/95 passou em branco na terceira rodada (PSV 4 a 0 no Dordrecht ‘90), Kluivert não perdeu a chance: marcou o gol no 1 a 1 contra o Roda JC.
Curiosamente, no encontro entre as duas equipes (sétima rodada da Eredivisie 1994/95, em 23 de outubro de 1994), nenhum dos dois brilhou. Coube ao Ajax como um todo ganhar o destaque: mesmo em Eindhoven, goleou o PSV por 4 a 1, começando a se credenciar como a equipe que assombraria o futebol holandês naquela temporada, ganhando a Eredivisie de maneira invicta. Porém, se o Ajax decolava, Kluivert começou a se alternar na titularidade com os colegas. Até brilhou nos 5 a 1 contra o Heerenveen (oitava rodada, 26 de outubro, dois gols), e nos 3 a 1 contra o Groningen, pela 10ª rodada, em 9 de novembro (dois dele). Todavia, estes foram os últimos jogos de Kluivert em 1994.
Ele só voltou a jogar em 13 de janeiro de 1995, pela 16ª rodada – por sinal, já marcando, no 1 a 1 contra o RKC. Finalmente, Ajax e PSV se reencontraram, na rodada seguinte do Campeonato Holandês. Aí, sim, Kluivert se destacou: marcou o único gol da vitória Ajacied (1 a 0). E se não atuou muito mais pela liga (terminou com 18 gols em 25 jogos), o novato começou a consolidar sua reputação num cenário bem mais importante: a Liga dos Campeões. Basta lembrar que foi de Kluivert, com a camisa 15, saindo do banco, o gol do título europeu do Ajax naquela competição. A partir daquele impulso, o hoje diretor técnico do Paris Saint-Germain ganhou espaço na seleção para não mais sair: seguiu sendo convocado em 1995, e esteve na Euro 1996, abrindo caminho para uma trajetória que por muito tempo lhe rendeu o posto de maior goleador da história da Oranje.
O momento em que Kluivert explodiu: o chute para decidir a Liga dos Campeões 1994/95, contra o Milan (Clive Brunskill/Getty Images) |
Porém, se Kluivert vencia a disputa em uma frente (maior aparição na Europa), Ronaldo vencia em outra. Com o Ajax pouco a pouco mais concentrado na Liga dos Campeões, o atacante do PSV já se estabelecia definitivamente como titular absoluto na equipe, e um dos únicos destaques de um time esquecível dos Boeren (esquecível a ponto de cair nas oitavas de final da Copa da Holanda, e perder o vice-campeonato holandês para o Roda JC). O forte era a regularidade: quase sempre, Ronaldo deixava o dele nas redes – chegou a marcar por quatro rodadas seguidas, entre a 16ª e a 19ª. Assim, foi fácil abrir vantagem para Kluivert na lista de goleadores da Eredivisie, chegando a uma média espantosa: 30 gols em 33 jogos. Simplesmente o mais jovem atleta da história do PSV a alcançar a marca das três dezenas de gols, até hoje. Com tal desempenho, Ronaldo também aproveitava as chances na Seleção Brasileira: já tinha atuações marcantes em 1995, como no 2 a 0 sobre o Uruguai, em amistoso na Fonte Nova, quando fez os dois gols.
E assim as coisas continuaram em 1995/96. Kluivert também seguiu elogiável no Ajax, mais firme como titular (28 jogos, 15 gols), além de já ser nome certo na seleção holandesa. Ronaldo não pôde atuar em toda a temporada: os joelhos o perturbaram pela primeira vez. Com tendinite em ambos e falta de calcificação no joelho direito, uma operação em fevereiro de 1996 o tirou de campo por dois meses. Àquela altura, já tinha 12 gols em 13 jogos pelo Campeonato Holandês 1995/96, desempenho que chamou a atenção do Barcelona. Ao voltar das lesões, Ronaldo era colocado esporadicamente em campo por Dick Advocaat – às vezes, até no banco ficava. Irritou-se, e o Barcelona aproveitou para levá-lo de Eindhoven tão logo terminou o torneio olímpico de futebol, em Atlanta. Kluivert ficou mais um ano no Ajax: em 1997/98, teve passagem turbulenta e decepcionante no Milan, antes do bom momento que teve pelo Barcelona.
Os caminhos de ambos seguiram paralelamente. Só reencontravam-se em momentos fortuitos, como a inesquecível semifinal da Copa de 1998. Hoje, com as carreiras terminadas e ambos quarentões, é possível dizer: Patrick Kluivert também surgia bem naquele Ajax campeoníssimo de 1994/95. Só não chamou mais atenção na Holanda porque Ronaldo era de uma qualidade superior, como o resto da carreira mostrou. E poucas vezes ele foi tão preciso ao concretizar esse dom (isto é, ao marcar gols) quanto nos tempos de Eredivisie, quando já superava Kluivert, com sobras.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 22 de setembro de 2016)
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