sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Grama sintética: como rola a bola?

Eis a "grama" do Mac³Park Stadion, a casa do Zwolle: um dos alvos de polêmica na discussão dos gramados (peczwolle.nl)

Neste mês que já vai se encerrando, por mais de uma vez se ouviram discussões a respeito da adoção da grama sintética em estádios brasileiros de futebol. Motivadas, principalmente, a partir dos problemas que o Palmeiras vive para reabilitar a relva de sua Allianz Parque, após os shows realizados ali. O presidente palestrino, Paulo Nobre, já descartou a medida, por mais que a WTorre, construtora, analise a possibilidade. Por sinal, já adotada desde fevereiro pelo Atlético Paranaense. Que enfrenta contestações sobre ela – em setembro, Sallim Emed, presidente do rubro-negro paranaense, alfinetou os queixosos: “Eles tem que jogar melhor aqui para poder ganhar”.

Se no Brasil a opção do gramado artificial ainda engatinha, na Holanda ela já está bem avançada. O signatário deste blog até escreveu, em sua coluna na Trivela, sobre o uso cada vez mais frequente dela nos estádios, principalmente por parte dos clubes pequenos. Até pelas condições bem mais adversas do clima holandês para o crescimento da grama natural, equipes como Heracles Almelo, Zwolle e Excelsior passaram a apostar em tal medida, até para baixarem os custos de manutenção do estádio. O que causou protestos dos clubes maiores, reclamando da desigualdade de condições de jogo – sempre levando em conta que é bem mais fácil manter o gramado de um De Kuip, ou de uma Amsterdam Arena (que até sofreu com problemas semelhantes aos da Allianz Parque, em seu início).

Já no ano passado, as discussões sobre o gramado sintético – e sua influência no jogo propriamente dito – foram potencializadas pelo ótimo início de temporada que o Heracles fez nos jogos em casa, vencendo as quatro primeiras partidas disputadas no estádio Polman. Pois bem: no meio da crise generalizada que explodira com o fracasso da seleção nas eliminatórias da Euro, entre várias reuniões, a federação holandesa tornou essa questão o tema de um dos encontros, em dezembro de 2015. 

Ali ficou clara a cisão existente. De um lado, Marcel Brands, diretor técnico do PSV, deu de ombros para a diferença: “Pesquisas mostraram que os resultados têm pouca ou nenhuma dependência do jogo em grama artificial. A ideia de desnivelamento da competição não é cientificamente comprovada”. Do outro, Gijs de Jong, então diretor de competições (e hoje diretor de futebol profissional) da KNVB, desejava a extinção da alternativa encontrada pelos clubes pequenos, mesmo sendo realista: “A preferência é que todos os estádios tenham uma ótima grama natural, como De Kuip, mas ao mesmo tempo precisamos levar em conta as realidades econômicas e financeiras”.

O encontro realizado em Papendal, o centro de treinamentos do Vitesse, pensou em alternativas (um formato híbrido, unindo as gramas natural e artificial), mas não chegou a muitas conclusões. E nem se deu valor a outra queixa costumeira dos partidários da relva original: gramado sintético costuma causar mais contusões. Tal opinião foi contestada por Michel Brands: “Não houve grandes mudanças. Por um lado, houve mais lesões de tornozelo; por outro, menos lesões de joelho”.

Pensou-se, então, numa pesquisa da própria federação, coordenada por Marcel Brands, cujos resultados levariam à meta pretendida: até 2020, todos os clubes holandeses deveriam adotar o mesmo gramado, fosse natural, fosse artificial. E assim a situação estava, até o início desta temporada, quando começaram novas queixas. Vindas justamente de quem mais tem contato com o relvado: os jogadores. Começou com Daniel Schwaab. Em agosto, pouco tempo após chegar ao PSV, o zagueiro alemão estranhou a alternância, conforme comentou em entrevista: “Haver grama artificial em alguns estádios é esquisito, preciso admitir. É artificial. Acho que, num estádio, o que cabe é a grama natural”. 

Depois, Davy Klaassen também reclamou: após a vitória do Ajax sobre o Heracles, fora de casa, o camisa 10 do time de Amsterdã opinou: “Não deu para trocar passes rápidos [no jogo]. Mas é quase impossível um passe assim, num gramado como esse. Não é bom”. E a onda de lesões no joelho ocorridas no estádio do Zwolle piorou as coisas. Entre 2014 e 2016, seis jogadores tiveram problemas que foram de torções a rompimentos de ligamento nos domínios dos Zwollenaren. Mas mesmo tendo perdido quatro jogadores do grupo, o técnico Ron Jans minimizou: “Não podemos entrar em pânico. Embora a grama natural seja melhor, eu e o clube estamos contentes ao treinar e jogar no tapete artificial”.

E a situação estava assim, até o início do mês passado. O programa jornalístico Zembla, exibido pela emissora holandesa de tevê VARA, exibiu um especial somente sobre a cizânia. E revelou: as borrachas existentes no gramado artificial, feitas de pneus velhos, possuem substâncias cancerígenas. Além do mais, o programa contestava o relatório divulgado em 2006, feito pelo RIVM (Instituto Rijks de Saúde Pública e Meio Ambiente), liberando os jogos em grama sintética, dizendo que os testes então haviam sido feitos somente com jogadores adultos.

Bastou para que mais de 30 jogos em campeonatos amadores fossem cancelados. E para que a federação tivesse novamente de passar uma posição sobre o assunto. Dois dias depois da exibição do programa, em nota, a KNVB lembrou novamente o relatório do RIVM que liberava a prática, mas prometeu pesquisas adicionais. Ministra holandesa da Saúde, do Bem Estar e do Esporte, Edith Schippers também quis um novo relatório. Que logo foi prometido pelas duas partes, federação e poder público, até o fim do ano.

Enquanto isso, o futebol holandês segue em compasso de espera sobre a discussão. Porque se ela apenas começa aqui no Brasil, país ainda se acostumando a novos estádios e custos de manutenção, na Holanda a situação é avançada a ponto de pensar no caminho de volta, para fazer a bola continuar rolando.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 25 de novembro de 2016)

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