quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O gol e os golpes

A expressão de Janssen reflete bem a decepção com a seleção holandesa. Pelo empate e pelas lesões (Gerrit van Keulen/VI Images)

Em geral, é preciso tomar muito cuidado com certas estatísticas. Afinal de contas, se jogadas a esmo dentro da análise de um jogo, não significam coisa alguma - aliás, só servem para chatear. Ainda assim, fica impossível não citar o que aconteceu com a seleção da Holanda no amistoso contra a Bélgica, nesta quarta, em Amsterdã. Na sua história de 111 anos, jamais a Laranja perdera três jogadores por lesão numa mesma partida. E isso, de certa forma, colaborou para o estilo de jogo altamente defensivo que se viu na Amsterdam Arena, por parte do time holandês - que quase deu certo, não fosse o gol fortuito de Yannick Ferreira-Carrasco que decretou o 1 a 1 final.

Quando a partida começou, estava tudo mais ou menos delineado. Joël Veltman novamente escalado na lateral direita, como atua no Ajax, e Stijn Schaars recebendo a chance de começar jogando no meio-campo - liberando Wesley Sneijder para atuar na esquerda do ataque, como tem acontecido nas partidas mais recentes das eliminatórias para a Copa. Na direita, com Arjen Robben poupado, Jeremain Lens teve a esperada titularidade. E assim, no 4-3-3 básico, os holandeses receberam uma Bélgica que ainda tenta escolher o melhor esquema - seja o 4-3-3, seja o 3-4-2-1 com que Roberto Martínez escalou os Diabos Vermelhos nesta quarta.

Bastaram apenas 15 minutos para esses planos irem por água abaixo: sentindo dores na panturrilha, Schaars viu fracassada sua volta à seleção, precisando dar lugar a Jordy Clasie - o que deixava o meio-campo com menor poder de marcação, já que nenhum dos três jogadores - além de Clasie, Davy Klaassen e Georginio Wijnaldum - era especialista em desarmes. As dores na panturrilha de Schaars nem eram tão graves assim, mas visando os jogos seguintes do Heerenveen, o volante foi cortado do grupo a ser relacionado para o jogo contra Luxemburgo, no próximo domingo, pelas eliminatórias da Copa de 2018.

Vincent Janssen teve o mesmo azarado destino do corte: pouco antes de Schaars ser substituído, subindo para disputa aérea num cruzamento, o atacante se chocou involuntariamente com o goleiro da Bélgica, Simon Mignolet. A pancada na cabeça foi forte, mas Janssen ainda tentou atuar mais doze minutos antes de sucumbir à leve concussão: também precisou sair de campo, dando lugar a Bas Dost. Sem Janssen, a Holanda, que já vinha sendo bem apagada ofensivamente, rareou ainda mais nas investidas em busca do gol. Para piorar, a Laranja mostrava seu principal pecado: a falta crônica de compactação e organização entre os setores. 

Trocando passes e tocando a bola com rapidez, a Bélgica ia chegando perto do gol - só faltava finalizar, já que Maarten Stekelenburg nem precisou fazer defesas difíceis no primeiro tempo. Somente uma bola chegou perto do gol, em cabeceio de Dries Mertens, aos 28'. Além do mais, os belgas também tinham atuações irregulares, individualmente: se Eden Hazard chamava o jogo para si, Kevin de Bruyne atuava muito discretamente. Assim, num dos raros avanços, Jeremain Lens conseguiu a jogada tão desejada: aos 38', entrou na área e foi derrubado por Jan Vertonghen. Pênalti caído do céu para a Laranja, que Klaassen converteu com segurança para dar à equipe anfitriã uma vantagem de 1 a 0 tão imerecida quanto bem vinda.

Se uma alteração tática para o 5-3-2 já era visível no primeiro tempo, ela ficou escancarada na etapa final - até pela estreia de Joshua Brenet na Oranje, entrando no intervalo, indo para a lateral direita e empurrando Veltman de vez para a zaga. Curiosamente, foi aí que a seleção se revelou mais segura. Não atacava muito (só em dois lançamentos em profundidade para Bas Dost, aos 49' e 53'), mas a falta de eficiência da Bélgica para criar chances mantinha o 1 a 0 seguro. Ainda assim, a postura sempre mais ofensiva dos rivais surpreendia e até assustava, como reconheceu Danny Blind após o jogo, à SBS6, emissora holandesa de tevê: "Eles jogaram diferente do que costumam fazer, foram muito ofensivos. Tivemos de nos adaptar a isso".

De fato, a Bélgica já procurava mais o empate - num chute de Axel Witsel aos 54', e numa falta de De Bruyne que Stekelenburg espalmou para a linha de fundo aos 60'. Essa postura ofensiva foi ainda mais fortalecida com as entradas de Romelu Lukaku e Thorgan Hazard. E a adaptação defensiva da Holanda ficou ainda mais necessária depois da terceira lesão na equipe, aos 67'. Outro problema grave: Jeremain Lens distendeu o músculo da coxa direita, precisou dar lugar a Memphis Depay, e também foi desligado da delegação para domingo. Aí, sim, a Holanda abdicou completamente de tentar o gol. Até houve uma jogada que podia ter coroado a estreia de Brenet na Laranja com um lindo gol: aos 74', o lateral partiu do campo de defesa em velocidade, driblou Laurent Ciman, chegou perto da área e arrematou para fora.

Mas a despeito desse lance isolado de Brenet, a hora era de ataques da Bélgica. O gol dos visitantes até demorou: poderia ter vindo nas chances de Lukaku, quase seguidas, aos 78' (primeiro, num chute cruzado que resvalou em Veltman; depois, chance incrivelmente perdida na pequena área, com o atacante tocando de canela por cima do gol). Depois, Ciman até colocou a bola nas redes aos 80', mas estava impedido. Só no minuto seguinte os belgas conseguiram o gol merecido, com Carrasco chutando, a bola desviando em Veltman e encobrindo Stekelenburg, deixando-o sem ação. Foi até sorte não ter saído a virada belga após a defesa de Stekelenburg em chute de Thorgan Hazard, aos 86', após tabelar com Lukaku.

Com uma Amsterdam Arena com lotação atipicamente abaixo do esperado e os golpes do destino que foram as lesões, o empate foi a "cereja do bolo" em mais um dia decepcionante para a seleção holandesa. Sneijder lamentou: "Deixamos a vitória escapar entre os dedos, não estávamos dando chances após o gol". Na Bélgica (que completou seis jogos sem perder para a Holanda, desde 1997), Mertens se impressionou: "Eles foram defensivos demais". A atuação foi criticada sem dó pelo diário Volkskrant: "Mais do que heróis esforçados em campo, a Holanda precisa de gente talentosa com a bola nos pés. Jogadores tecnicamente capacitados, com visão de jogo, que possam trabalhar bem a bola com os dois pés". Eis, talvez, o grande motivo de lamentação: talvez a Holanda só precise jogar assim, tão defensivamente, apenas no erro do adversário... porque seu talento no ataque, momentaneamente, não é o mesmo. É preciso reconhecer. Se é que já não foi reconhecido, tendo em vista que a Bélgica foi melhor tecnicamente.

Amistoso

Holanda 1x1 Bélgica
Data: 9 de novembro de 2016
Local: Amsterdam Arena
Juiz: Szymon Marciniak (Polônia)
Gols: Davy Klaassen, aos 38'; Yannick Ferreira-Carrasco, aos 82'

Holanda
Maarten Stekelenburg; Joël Veltman, Jeffrey Bruma, Virgil van Dijk e Daley Blind; Davy Klaassen (Joshua Brenet, no intervalo), Stijn Schaars (Jordy Clasie, aos 15') e Georginio Wijnaldum (Bart Ramselaar, aos 89'); Jeremain Lens (Memphis Depay, aos 67'), Vincent Janssen (Bas Dost, aos 27') e Wesley Sneijder (Tonny Vilhena, aos 75'). Técnico: Danny Blind

Bélgica
Simon Mignolet; Christian Kabasele, Laurent Ciman e Jan Vertonghen; Thomas Meunier (Thomas Foket, no intervalo), Steven Defour (Youri Tielemans, aos 83'), Axel Witsel e Yannick Ferreira-Carrasco; Kevin de Bruyne (Thorgan Hazard, aos 64') e Dries Mertens (Romelu Lukaku, aos 64'); Eden Hazard. Técnico: Roberto Martínez.

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