quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Primeiro a obrigação, depois a... obrigação


Pressionada pela vitória nos dois jogos, Holanda conta com Sneijder para liderar (Jerry Lampen/ANP)

Geralmente, há dois modos de se encarar datas FIFA, por parte de uma seleção. Quando o caso é de jogar uma partida oficial valendo algo (na maioria das vezes, por eliminatórias), há uma preocupação bem maior em jogar continuamente com uma base, com um grupo de jogadores que se conheça mais, para que o entrosamento vá aumentando. É justamente a intenção da seleção holandesa para o jogo que terá no próximo domingo, contra Luxemburgo, fora de casa, pela quarta rodada das eliminatórias para a Copa de 2018. Contra o lanterna do grupo A, qualquer outro resultado que não a vitória será considerado um fracasso.

Mas quando o caso é jogar um amistoso, forma-se o cenário ideal para testes: em geral, os titulares atuam no primeiro tempo da partida amigável, e após o intervalo o que se vê é uma miríade de alterações nas equipes, que ficam mais descaracterizadas - isso, sem contar a possibilidade de lesões dos jogadores, algo que sempre sobressalta os torcedores. A Holanda teria a possibilidade de jogar assim, sem obrigações. Se o adversário na Amsterdam Arena fosse outro que não... a vizinha e rival Bélgica, no 126º encontro entre as duas nações fronteiriças (nunca outro adversário foi tão enfrentado pela equipe holandesa). Mais: uma Bélgica que ainda está melhor, a despeito de uma eliminação algo decepcionante na Euro 2016. Até porque lidera sua chave nas eliminatórias da Copa.

Já a Laranja ainda precisa encarar a desconfiança a cada partida que faz, como se sabe. Para piorar, as contusões sofridas nas rodadas passadas dos campeonatos europeus prejudicaram bastante a convocação definitiva feita por Danny Blind. Tome-se a defesa como exemplo: titular de atuação muito elogiada contra a França, o lateral direito Rick Karsdorp sentiu dores na virilha, que bastaram para o seu corte. Com Terence Kongolo, colega de Karsdorp no Feyenoord, a coisa foi mais grave: uma distensão muscular séria o tirará de combate pelos próximos dois meses. No meio-campo, Davy Pröpper teve uma distensão num ligamento do joelho, defendendo o PSV contra o Twente: também foi desligado da delegação. Assim como ocorreu com o atacante Quincy Promes: recuperado de lesão sofrida nas datas FIFA passadas, Promes machucou-se de novo jogando pelo Spartak Moscou, no fim de semana passado.

Zeegelaar foi tocando sua carreira. E foi a surpresa da convocação (Robin Utrecht/ANP)

Mesmo antes dessas defecções forçadas, Danny Blind já trazia algumas novidades na convocação. A maior delas, sem dúvida, foi a inesperada convocação de Marvin Zeegelaar. Estreante na Laranja, o lateral esquerdo do Sporting-POR nunca foi um destaque gigantesco. Surgido no Ajax (na mesma geração do colega de posição e seleção Daley Blind), Zeegelaar fez apenas seis partidas pela equipe principal Ajacied, entre 2008 e 2010. Desde então, foi cuidar da vida: um rápido empréstimo ao Excelsior, equipe B do Espanyol-ESP, Elazigspor-TUR, outro rápido empréstimo ao Blackpool-ING, a chegada ao Rio Ave e, neste ano, a transferência para o Sporting - onde foi escalado na lateral esquerda por Jorge Jesus, rendendo bem.

O próprio Zeegelaar reconheceu que é surpresa: "Eu não esperava. Já atuo fora da Holanda há muito tempo, e nunca tive convocações cogitadas". Na chegada ao hotel em Noordwijk, para a apresentação, o jogador também refletiu: "Não se pode planejar nada na vida. As coisas são como são, e meu sonho de garoto se realizou". Até brincou: "Eu até errei o caminho antes de chegar aqui". A convocação de Zeegelaar também serviu como um alerta a Jetro Willems, habitual reserva da posição. A má fase técnica de Willems foi implicitamente mencionada por Danny Blind: "Eu tenho certeza que há mais capacidade nele, mas ele não está mostrando isso. Espero que Jetro tenha a consciência de que precisa jogar mais. A vontade está lá, mas não é o bastante". Difícil discordar, considerando que Willems também foi colocado no banco do PSV por Phillip Cocu, na rodada passada do Campeonato Holandês.

Por sinal, quem o substituiu na lateral esquerda do time de Eindhoven foi outro estreante inesperado. Mas muito mais previsível do que Zeegelaar. Já titular da seleção holandesa sub-21, Joshua Brenet tem oferecido segurança na marcação e possibilidade de alternâncias na escalação: afinal de contas, joga nas duas laterais. Além do mais, em entrevistas anteriores, Brenet já havia sido claro: "Sou bom o bastante para jogar na seleção". Pois bem: com o corte de Karsdorp, foi convocado pela primeira vez, e ganhará sua chance nestas datas FIFA. A julgar por certa irregularidade do provável titular Joël Veltman nas suas atuações, não seria surpresa imaginar que o ala do PSV pode ser escalado, seja contra a Bélgica, seja contra Luxemburgo.

Outra surpresa veio no meio-campo. Mas é uma surpresa "conhecida". Enfim ganhando ritmo de jogo, como titular absoluto do Heerenveen na boa campanha que o time da Frísia faz nesta Eredivisie, Stijn Schaars voltou a ser convocado, dois anos e oito meses depois de sua última partida pela Oranje (o amistoso contra a França, em março de 2014). Com Kevin Strootman poupado nesta convocação - até para evitar aborrecimentos, já que Luciano Spalletti, técnico da Roma, criticou o desgaste com que Strootman voltou dos jogos contra Belarus e França -, faz todo o sentido apostar novamente em Schaars. Experiência não lhe falta: 32 anos, presente no grupo vice-campeão mundial em 2010, presente na Euro 2012... dá até para imaginá-lo titular no 4-3-3 de Blind, com Sneijder jogando pela ponta esquerda, como tem feito nos últimos jogos. Mesmo assim, Schaars também se impressionou com a volta ao radar da seleção: "Muita coisa mudou. Com a seleção e comigo".

De resto, a seleção holandesa deverá ser o que se espera. No gol, Maarten Stekelenburg ganha a chance de continuar se consolidando como titular, comprovando a recuperação da carreira no Everton; no miolo de zaga, Bruno Martins Indi até voltou (convocado com o corte de Kongolo), mas Jeffrey Bruma e Virgil van Dijk têm tudo para jogar - ainda mais com a boa fase de Van Dijk no Southampton. No meio-campo, há os promissores Bart Ramselaar e Tonny Vilhena. Há Georginio Wijnaldum, um dos destaques do Liverpool líder do Campeonato Inglês. Há Davy Klaassen, capitão e sempre confiável no Ajax. E acima de tudo, há Wesley Sneijder, perto de completar 125 partidas pela Laranja, a caminho de superar os 130 jogos de Edwin van der Sar e tornar-se o atleta com mais partidas vestindo a camisa da seleção. E se ainda é impossível desprezar Sneijder, beira o impensável dispensar Arjen Robben, numa situação irregular como a que a Oranje vive.

Pois é: para alegria de todos e felicidade geral da torcida, Robben está de volta. E é tão importante, mas tão importante... que será poupado no amistoso contra a Bélgica, ficando fora até do banco. Afinal de contas, mais vale tê-lo numa partida que conta três pontos, caso do jogo contra Luxemburgo. Além do mais, sempre que Robben joga, traz a capacidade individual imensa que tem, como provam suas boas aparições pelo Bayern de Munique após voltar de lesão. Por isso, para que sempre esteja disponível, tem sido poupado por Carlo Ancelotti, raramente jogando partidas inteiras. E por isso também será guardado para o domingo, por Blind. Não que Robben queira ser poupado: "Estou bem, com vontade de jogar", comentou, de Munique. Sem Robben nem o reserva Promes, o caminho está aberto para Jeremain Lens coroar a boa temporada no Fenerbahçe com nova chance como titular. Do outro lado, Sneijder deve jogar, abrindo vaga para Schaars no meio. Justo: Steven Berghuis caiu um pouco de produção no Feyenoord, e Memphis Depay é cada vez mais subutilizado no Manchester United. No meio da área, Vincent Janssen como titular - com Bas Dost e Luuk de Jong sempre à espreita.

Talvez essas mudanças, intencionais ou não, pudessem ser experimentadas num amistoso mais tranquilo. Não será o caso, como preconizou o espanhol Roberto Martínez, técnico dos Diabos Vermelhos, em entrevista coletiva ("Entre Holanda e Bélgica não há amistoso"). De volta à Amsterdam Arena que tão bem conhece dos tempos de Ajax, Jan Vertonghen mostrou ansiedade: "Seguramente queremos vencer. Provavelmente nunca fomos tão favoritos contra a Holanda como agora". O longo histórico entre as duas seleções, com dois jogos de Copa do Mundo no currículo, aumenta a necessidade de vitória da Holanda. E depois, mesmo jogando contra os frágeis luxemburgueses, a Oranje precisa vencer ainda mais - afinal, com um jogo direto entre França e Suécia, um triunfo devolveria aos batavos o segundo lugar na tabela do grupo A das eliminatórias para a Copa. Pois é: depois da obrigação, vem... mais obrigação.

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