O experiente Schaars reapareceu no Heerenveen - que por sua vez, também reaparece com boa campanha (sc-heerenveen.nl) |
O leitor sabe bem que o Trio de Ferro (e, cá entre nós, as chances de título
nacional) na Holanda resume-se a Ajax, PSV e Feyenoord. São inegavelmente os
únicos clubes grandes que o país tem. “Mas e o resto?”, há de perguntar o
leitor mais curioso. Não, o resto não é feito só de clubes pequenos que são
surrados rodada após rodada da Eredivisie. Olhando com carinho as trajetórias
históricas, é possível fazer uma pirâmide de grandeza no futebol holandês.
Nessa
pirâmide, abaixo do topo onde estão os três gigantes, vêm AZ e Twente: são os
únicos campeões holandeses fora do triunvirato nas últimas 35 temporadas, já
decidiram torneios continentais em tempos idos (o AZ fez a final da Copa da
Uefa 1980/81 contra o Ipswich Town-ING; o Twente encarou o Borussia
Mönchengladbach na decisão do mesmo torneio, em 1974/75)... enfim, os clubes de
Alkmaar e Enschede têm lá uma tradição para chamarem de sua.
Então,
há o Trio de Ferro, abaixo dele estão AZ e Twente... e logo depois há uma casta
de clubes que podem ser considerados “médios”. Nunca conquistaram a Eredivisie
na época moderna do futebol holandês – se o fizeram, ou foi na fase amadora,
até 1955/56, ou foi antes das fusões que formaram alguns clubes da atualidade. Eles
também não sonham com título, mas vez por outra fazem boas temporadas, aparecem
numa competição europeia aqui e ali, e esse destaque momentâneo geralmente se
alterna entre quatro clubes. Esporadicamente, ficam na ribalta ou Vitesse, ou
Groningen, ou Utrecht... ou o Heerenveen.
Pois
é: nesta temporada 2015/16, o clube da província da Frísia está no posto de “melhor
do resto” dentro do Campeonato Holandês. Apresentando um estilo de jogo sólido,
e livre dos problemas internos na diretoria (em outubro do ano passado, o Espreme a Laranja comentou sobre eles),
o Fean ocupa atualmente a quarta posição na tabela da Eredivisie, apenas dois
pontos após do PSV.
E
se havia alguma dúvida a respeito das capacidades da equipe dentro da Holanda,
elas foram dissipadas na rodada passada. Domingo, em pleno De Kuip, a equipe da
camisa alviazul com folhas de lírio (não são corações, sempre bom lembrar) não
se acovardou contra o líder Feyenoord. Saiu na frente, o anfitrião precisou
virar o jogo, mas o visitante conseguiu o empate em 2 a 2 que reabriu a disputa
pela liderança – afinal, o clube de Roterdã agora está apenas três pontos à
frente do Ajax. Como se não bastasse, há quatro rodadas, jogando em casa, o
Heerenveen também fez o PSV tropeçar (1 a 1).
Para
um time que chegou a ter demissão de técnico na temporada passada, precisando
terminar a liga num incomum e melancólico 12º lugar, com um técnico interino no
comando (mesmo esse interino sendo Foppe de Haan, histórico no Heerenveen –
ficou no clube de 1985 a 2004, levando-o até à Liga dos Campeões, em 1999/2000),
até que as coisas melhoraram. E fica a pergunta: por quê melhoraram? Provavelmente,
por um método típico de clubes médios - na Holanda, no Brasil, em muitos
lugares: manter alguns jogadores fundamentais, contratar de modo mais
criterioso, escolher um técnico que consiga formar um esquema tático bem
organizado com o que tem, e esperar que tudo dê certo. Está dando - pelo menos,
por enquanto.
Tudo
começou com a pacificação do cenário interno. Após a renúncia de toda a
diretoria passada, capitaneada pelo presidente Jelko van der Wiel, assumiu o
comando do clube Luuc Eisenga, escolhendo Gerry Hamstra (com carreira como
treinador por clubes do país) para ser o diretor técnico. Aos poucos, o tumulto
foi se acalmando, e a dupla Eisenga-Hamstra já iniciou o planejamento para a
temporada 2016/17. Primeiro, foi escolhido o treinador. E o nome realmente
merecia uma aposta.
Jurgen
Streppel sofreu demais com a irregularidade no Willem II (em 2012/13, ficou na
lanterna da Eredivisie e caiu para a segunda divisão; em 2013/14, subiu com o
título; em 2014/15, ficou com um 9º lugar mais do que elogiável para o – aí sim
– pequeno clube de Tilburg; e na temporada passada, só se salvou de novo
rebaixamento na repescagem). Ainda assim, elogiava-se a solidez tática dos
times de Streppel no Willem II – que o prestigiava com rebaixamento e tudo. Com
uma maior estrutura, o Heerenveen contratou-o.
Uma
vez na Frísia, Streppel teve um elenco já relativamente formado para trabalhar.
Estavam lá o goleiro Erwin Mulder, vindo do Feyenoord; o zagueiro Jeremiah “Jerry”
St. Juste; o meio-campista Simon Thern; e os atacantes Sam Larsson, Luciano
Slagveer e Arber Zeneli. Era um grupo mais do que aceitável tecnicamente, para
os padrões do futebol holandês. Só eram necessárias algumas contratações. E
elas foram precisas. Uma para o meio-campo: o experiente volante Stijn Schaars,
membro do grupo vice-campeão mundial na Copa de 2010. Outra, para o ataque:
Reza “Gucci” Ghoochannejhad, iraniano que se fez futebolisticamente na Holanda,
com Copa do Mundo no currículo (2014), vindo do Charlton Athletic.
De
quebra, o clube ainda resistiu à cobiça de alguns mercados mais poderosos. Por
exemplo, o italiano: o Sassuolo queria levar Sam Larsson, o atacante sueco até
desejava a transferência para os Neroverdi, mas a diretoria fez valer o
contrato até 2018. Por isso, Larsson se rebelou, e até ficou no banco de
reservas por algumas rodadas. Ânimos serenados, voltou a ser escalado por
Streppel. E tem jogado tão bem que até foi convocado para a seleção da Suécia.
Aos
poucos, a defesa foi se acertando, com St. Juste e Joost van Aken fixos no
miolo de zaga – sem contar o crescimento de Mulder, dos melhores goleiros da
temporada holandesa. No meio, aos 32 anos, Schaars impôs sua experiência e
poder de liderança a ponto de ganhar uma convocação para a seleção holandesa,
após dois anos. Certo, não é o volante que prometeu ser quando surgiu, capitão da Jong Oranje campeã europeia sub-21 em 2006. Mas é a mostra de que o jogador que se destacou no AZ ainda mantém certo nível. Talvez nem precisasse ter sido dispensado distraidamente pelo PSV, onde estava.
E num clube pródigo pelos atacantes que já vestiram sua camisa (de Ruud van Nistelrooy a Bas Dost, passando por Klaas-Jan Huntelaar e Afonso Alves), os gols do Heerenveen têm sido bem divididos entre Zeneli (6), “Gucci” e Larsson (5). Enquanto o iraniano fica no meio da área, como referência, Larsson é um azougue pela esquerda, e Zeneli é a surpresa vinda de trás - como fez no golaço marcado contra o Heerenveen. Em números, isso significa 24 gols - o segundo melhor ataque da Eredivisie, empatado com o Ajax.
Tudo isso mostra: na gangorra que os clubes médios holandeses vivem entre uma temporada e outra, agora é a vez do Heerenveen se destacar.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 4 de novembro de 2016)
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