sábado, 19 de novembro de 2016

A temporada “começou”

Começo de temporada do Ajax foi preocupante. Mas time se aprumou, e reage a olhos vistos (Matty van Wijnbergen)
Certo, a temporada 2016/17 começara oficialmente para o Ajax em 7 de agosto, quando a equipe de Amsterdã fizera 3 a 1 no Sparta Rotterdam, pela primeira rodada do Campeonato Holandês. Contudo, após apenas dezessete dias, a temporada já parecia perdida para os Ajacieden. A razão? Claro, a humilhação passada em Rostov-do-Don, no jogo de volta dos play-offs por um lugar na fase de grupos da Liga dos Campeões. O empate por 1 a 1 em casa já fora mau resultado. Mas nem nos piores sonhos podia supor que sofreria um revés tão duro: vexaminosos 4 a 1 sofridos para o Rostov, que garantiu a vaga na fase de grupos.

Não bastasse isso, os Godenzonen vinham de outro incômodo, ocorrido na Eredivisie: quatro dias antes, haviam perdido para o Willem II, pela terceira rodada, em plena Amsterdam Arena. Sem contar a pré-temporada bem preocupante: somente uma vitória. E em meio ao começo turbulento, houve a perda de dois destaques do grupo de jogadores: Arkadiusz Milik foi vendido ao Napoli por uma oferta que parecia extravagante (mas que vinha sendo plenamente justificada até a grave lesão do atacante polonês), e Jasper Cillessen foi surpreendentemente buscado pelo Barcelona para ser o goleiro reserva – surpreendentemente até para o próprio, diga-se de passagem.

Mas se todos achavam que ele estava derrotado, deviam saber que ainda estavam rolando os dados. Três meses depois, é possível dizer que os Ajacieden renasceram. Já são os vice-líderes da liga, dois pontos atrás do Feyenoord (que, enfim, encara tropeços: nas duas últimas partidas, um empate e uma derrota). Na Liga Europa, então, o contraste com a temporada passada é notável: o time já está garantido na segunda fase, após quatro rodadas. E principalmente, o estilo técnico da equipe é bem mais elogiado do que o visto em campo nos últimos momentos da temporada passada.

É possível creditar a demissão de Frank de Boer a um desgaste natural, pelos quase seis anos de trabalho. E uma das principais provas desse desgaste era o modo cada vez mais repetitivo com que a equipe jogava sob o comando do ex-zagueiro: o 4-3-3 velho de guerra, com lenta troca de passes para manutenção da posse de bola, com raros avanços ao ataque. A prova de que algo precisava mudar veio exatamente na rodada final da Eredivisie passada: ao ver o De Graafschap empatar um jogo que parecia controlado, Frank de Boer tirou de campo Milik, colocando Anwar El Ghazi e o zagueiro Mike van der Hoorn, apostando nas jogadas pelas pontas e na bola aérea. O abafa fracassou, e o Ajax colocou um título que parecia ganho nas mãos no PSV.

Se era necessário reaproximar o clube de seu estilo técnico (ainda mais em tempos onde a lembrança de Johan Cruyff é gigantesca), foi exatamente isso que o Ajax tentou fazer, ao apostar na contratação de Peter Bosz. E após o necessário tempo de adaptação, Bosz enfim parece conseguir fazer isso. Onde havia o estático 4-3-3, agora há... bem, continua havendo o 4-3-3, mas agora com variação constante para o 4-1-4-1, possibilitada por medidas como a escalação de um meio-campo recuado (pode ser Lasse Schöne, para um estilo mais ofensivo, ou Jaïro Riedewald, quando se quer proteger mais a defesa). E mais importante: mostrando uma velocidade tremenda.

Se havia dúvidas disso, elas acabaram na rodada passada da Liga Europa, há cerca de duas semanas. Contra o Celta de Vigo, o Ajax fez um ótimo jogo. Atuou como a torcida gosta – e como faz prever o estereótipo (várias vezes falso, como todo estereótipo) que se tem até hoje da equipe: toques rápidos, postura massivamente ofensiva, pressão constante. Tudo, graças principalmente a três reforços que chegaram ao clube nesta temporada: Hakim Ziyech, Kasper Dolberg e Bertrand Traoré.

Ziyech já foi citado aqui várias vezes, desde os tempos em que era o protagonista supremo no Twente. Pelo que anda jogando, merece cada citação: não só arma o jogo, mas chega para finalizar e também dá passes rápidos, acelerando as jogadas. O meio-campo marroquino já era desejado pela torcida antes do vexame na Liga dos Campeões, e justifica plenamente esse desejo dentro de campo: nos primeiros 11 jogos pelo Ajax, já foram cinco gols e sete assistências.

Se a torcida tinha em Ziyech o sonho que se realizou, Peter Bosz contava com Bertrand Traoré, figura em quem confiava desde os tempos em que ambos estiveram juntos no Vitesse. Empréstimo conseguido com o Chelsea, o atacante burquinense tem surpreendido positivamente: ao invés de jogar mais na área, volta para a direita, onde mostra velocidade até insuspeita para o que se conhecia dele. E mesmo quando finaliza, o faz com calma, como no belo gol marcado no empate contra o AZ, pela rodada passada da Eredivisie.

Porém, a grande surpresa do Ajax é mesmo Kasper Dolberg. Jovem dinamarquês de 18 anos, comprado junto ao Silkeborg, Dolberg foi entrando aos poucos. Recebia menos atenção até do que outro jovem atacante, o colombiano Mateo Cassierra. Pouco a pouco, foi recebendo as chances de Bosz. E tem se revelado um atacante com notável capacidade de finalizar e driblar com classe. Mostras disso foram dois golaços – um no clássico contra o Feyenoord, outro contra o Celta de Vigo. Um começo tão impressionante que já lhe rendeu a primeira convocação para a Dinamarca, nestas datas Fifa recém-ocorridas.

Significa que o Ajax virou um supertime? Claro que não. Até porque a defesa segue correndo riscos: as laterais são frágeis na marcação, tanto com Joël Veltman, na direita, quanto com o improvisado Daley Sinkgraven, na esquerda. Ainda assim, o impacto é minorado pelas atuações muito promissoras do colombiano Davinson Sánchez, muito rápido no retorno (como provam esses desarmes contra Utrecht e ADO Den Haag). No gol, o camaronês André Onana agrada, até tendo defendido pênaltis na Eredivisie. E faz pensar: como escalar Tim Krul, enfim recuperado de lesão, e já ganhando ritmo de jogo com a equipe B?

Armar uma equipe veloz assim tem seu preço. Metafórica e literalmente falando. No primeiro sentido, Bosz já entrou em rota de colisão com três jogadores, que haviam sido colocados no banco de reservas. Ainda antes do jogo contra o Feyenoord, El Ghazi brigou com Peter Bosz (fala-se até em troca de empurrões), e foi barrado do time titular, indo passar uma temporada na equipe B, que disputa a segunda divisão holandesa. Há duas semanas, Nemanja Gudelj se disse desmotivado por estar no banco de reservas: bastou para também ser afastado do elenco. E Riechedly Bazoer já conversa com a direção do clube para arrumar uma transferência em janeiro. 

Overmars e Van der Sar sabem o caminho que querem para o Ajax. Mas será difícil alcançá-lo no futebol atual (Orange Pictures)

No sentido literal, a razão é a ambição da direção. Diretor de futebol, Marc Overmars prometeu mais movimentação nas transferências: “Naturalmente, cometeremos erros, faremos maus negócios. Mas quem não arrisca, não petisca”. E pensou alto até demais: “Eu ainda tenho um sonho: realizar como diretor no Ajax tudo que consegui aqui como jogador”. Enfim isolado como diretor geral do clube, concretizando projeto traçado para ele desde 2012, Edwin van der Sar lembrou do vexame de agosto para prometer falar grosso: “Pelo meu papel como membro do conselho da Associação Europeia de Clubes, eu precisava estar numa reunião, e no dia de Rostov x Ajax havia um churrasco com todos os clubes presentes, mais representantes da Uefa. Depois do jogo, conversaram comigo, me perguntaram o porquê daquilo, e também me demonstraram apoio. Essas demonstrações foram o que mais doeu: como esportista de alto nível, você quer que sintam tudo de você, menos pena”. 

Dificilmente o Ajax conseguirá ser muito respeitado a curto e a médio prazo. Mas por todas as mudanças vistas dentro e fora de campo, dá para dizer: a temporada começou para o Ajax. A ver como termina. Será interessante.

(Coluna publicada na Trivela, em 18 de novembro de 2016)

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