quarta-feira, 14 de outubro de 2015

As razões do vexame (I): (in)decisão na federação

Hesitante e dúbio com relação a técnicos, Van Oostveen também é responsável pelo fracasso da Oranje (Bas Czerwinski/ANP)

Por mais que estivesse fazendo um trabalho razoável à frente da seleção holandesa, Louis van Gaal logo deixou claro: após a Copa de 2014, deixaria a Oranje, por desejar voltar ao futebol de clubes, devido ao fastio de comandar uma seleção, com tudo que isso acarreta (pressões de vários lados, trabalho espaçado demais com os atletas, impossibilidade de treinar constantemente etc.). A partir daí, a KNVB (Koninklijke Nederland Voetbalbond, a federação holandesa) iniciou a procura por um um novo técnico. E agora está claro: este processo, vindo desde o início de 2014, mal conduzido e hesitante, foi uma das principais razões pela ausência da seleção batava na Euro 2016.

Porque o técnico previsto para comandar a seleção holandesa após a Copa não era Danny Blind. A rigor, nem era Guus Hiddink. A princípio, Ronald Koeman era o nome. Tanto por seu histórico como jogador - líbero, titular absoluto da equipe entre 1983 e 1994, 78 jogos e 14 gols, capitão esporádico da Oranje, campeão europeu em 1988, duas Euros e duas Copas no currículo, carreira vitoriosa em clubes, principalmente em PSV e Barcelona... -, como pelo desejo em treinar a seleção. A tal ponto que, no meio de 2013, após uma conversa com Bert van Oostveen, diretor de futebol profissional da federação, Koeman renovou seu contrato por apenas uma temporada, ao contrário do que o clube pretendia. Tudo para ficar livre ao final do mundial, para assumir a Oranje.

Era isso. Até o final de 2013, quando Guus Hiddink deixou o Anzhi, da Rússia. Rumo à saída do futebol, supunha-se, até por suas palavras. Isso até escrever algumas colunas, ao diário "De Telegraaf", comentando que só uma coisa impediria o fim de sua carreira: comandar a seleção holandesa. Paralelamente, o agente de Guus, Cees van Nieuwenhuizen, confirmou: era só a federação se interessar e conversar. Van Oostveen se interessou. Conversou com Hiddink. Em janeiro de 2014, definiu-se. E em fevereiro, anunciou-se: Hiddink seria o técnico até a Euro 2016. Depois, se tornaria o diretor técnico da federação, cedendo o lugar a Danny Blind, já então auxiliar técnico.

Pior: não só Koeman fora deixado de lado sem mais nem menos, mas também foi procurado posteriormente para... ser auxiliar de Hiddink, como já fora na Copa de 1998. Mas naquele torneio, ele havia acabado de deixar os campos. No início de 2014, Koeman já era um técnico, com uma carreira desenvolvida. Era até desrespeitoso tentar fazê-lo de novo um auxiliar. E ele deixou implícita certa mágoa com a falta de clareza e consideração da federação (leia-se Van Oostveen): "Sou capaz de fazer as coisas sozinho. Todos ficariam felizes se Hiddink e Koeman estivessem juntos, mas isso não é uma opção para mim".

Terminado a Copa, Hiddink assumiu o lugar de Van Gaal, com Blind como auxiliar. O que soava como "exemplo de organização e de visão" ocorria apenas por causa do interesse de Hiddink, correspondido por Van Oostveen. Que, além de ter hesitado entre o escolhido e Ronald Koeman, adotou postura dúbia posteriormente. Explica-se: segundo a revista holandesa "Voetbal International",  o preferido do diretor da federação para treinar a Oranje era e sempre foi Danny Blind. A tal ponto dele ter sido escolhido auxiliar para que não aceitasse uma proposta do... Manchester United, que o convidou para acompanhar Louis van Gaal em Old Trafford. Blind reconheceu isso, em entrevista ao diário "Algemeen Dagblad": "Falou-se nisso, mas afastei logo a hipótese. Se você tem ambição, o que pode ser melhor do que treinar a seleção de seu país?". Van Oostveen dava a chance a ele, para depois da Euro.

Aí, foi a vez do trabalho de Hiddink ser minado pouco a pouco. Começou após a derrota por 2 a 0 para a Islândia, em outubro de 2014, quando o sinal de alerta foi aceso: Van Oostveen disse que se reuniria com o técnico para a "avaliação" e para um "plano de desenvolvimento". E Hiddink desmentiu tal plano: "Eu li isso de 'plano de desenvolvimento' aqui e ali, mas não faz parte da minha terminologia".

Aos poucos, não só Hiddink foi errando e fazendo crescer sua parcela de culpa na derrocada holandesa, por fatores como a insistência no 4-3-3 e a falta de detalhismo na preparação do time (a grande qualidade de Van Gaal em sua segunda passagem), mas Van Oostveen também fez pouco para ajudar o trabalho. Já após a vitória contra a Letônia, em junho, Hiddink pensava em antecipar a mudança para diretor técnico, deixando Blind como treinador. Até que veio a gota d'água: em 22 de junho, Van Oostveen contratou como novo técnico da seleção sub-21 Fred Grim. Colega de Danny Blind como jogador, no Ajax campeão dos anos 1990 (Grim era o reserva de Van der Sar no gol). Sem avisar a Hiddink.

Não deu outra: no fim de junho, Guus pediu demissão. E deixou a federação em definitivo, abandonando o plano de ser diretor técnico, desenvolver um plano tático para as seleções holandesas etc. Com uma equipe desorganizada e mal definida taticamente, Blind assumiu às pressas. Só teve tempo de indicar a volta de Marco van Basten à Oranje, desta vez como auxiliar. E nem assim as coisas deram certo, culminando no primeiro vexame: a ausência da Euro 2016.

Pior: Danny Blind e Van Oostveen não dão muitos sinais de reconhecimento do vexame. O "bobo" (apelido derivado de "bondsbonzen", "chefe da federação" - termo holandês equivalente a "cartola" no Brasil) comunicou que o técnico segue; e o próprio Danny relembrou: "Eu aceitei a proposta de auxiliar Hiddink e depois comandar a seleção. Foi o que fiz, e é o que farei". E, de fato, não há nada que indique mudança. Frank Rijkaard deixou a carreira de técnico; Frank de Boer já informou que não será técnico - e de qualquer forma, também está sendo questionado no Ajax; e Ronald Koeman, ainda magoado, anunciou: "Não serei técnico da seleção, nem agora, nem no ano que vem". E Danny Blind provavelmente terá de continuar um trabalho já irremediavelmente manchado. Por causa dos erros de Guus Hiddink. E por causa da hesitação - e pela ambiguidade - de Bert van Oostveen.

Um comentário:

  1. Caraca véio! E eu achava que exportávamos só os jogadores... também exportamos o amadorismo nas decisões dos "bobos"

    Vai longe as coisas na Orange em?

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