quinta-feira, 15 de outubro de 2015

As razões do vexame (II): futebol totalmente antiquado

Danny Blind e Guus Hiddink pensaram poder manter o 4-3-3 como esquema na seleção. Pensaram errado (Hans van Tilburg)
Terça-feira, 9 de setembro de 2014. 47 minutos do segundo tempo de República Tcheca x Holanda, pelas eliminatórias da Euro 2016, na Generali Arena de Praga. Cruzamento para a área de defesa da Holanda, e da direita, Daryl Janmaat tenta recuar de cabeça para Jasper Cillessen. A bola quica, engana o goleiro da Oranje, bate na trave, e sobra para Vaclav Pilar fazer 2 a 1 e decretar a vitória tcheca na estreia pela qualificação do torneio europeu.

Terça-feira, 13 de outubro de 2014. 21 minutos do segundo tempo de Holanda x República Tcheca, pelas eliminatórias da Euro 2016, na Amsterdam Arena, Escanteio cobrado para a área de defesa da Holanda. Robin van Persie está postado na direita. Ele nem precisa subir: a bola bate em sua cabeça, e sai direto para o gol de Jeroen Zoet, vendido no lance. É o 3 a 0 da República Tcheca, praticamente liquidando o jogo e decretando que a seleção holandesa não estaria na Euro.

Entre essas duas jogadas semelhantes, há uma ligação: a insegurança e a desorganização defensiva exibida pelos batavos durante todas as partidas da qualificação. Frutos do apego a um 4-3-3 antiquado, lembrança do Futebol Total, mas que não cabe mais nos dias atuais. E que prejudicou decisivamente o que os jogadores mostraram em campo, na campanha fracassada por um lugar no torneio a ser disputado na França.

A bem da verdade, defesa nunca foi o forte da seleção holandesa. São poucos os zagueiros do país que se tornaram respeitados mundial e simultaneamente pela habilidade e pela capacidade de marcação: só Ruud Krol, Ronald Koeman, Frank Rijkaard e Frank de Boer. Justamente por isso, o auxílio dos outros jogadores, a sabedoria tática de todos e medidas como a linha de impedimento bem adiantada ajudavam a equipe da Copa de 1974 a se sustentar defensivamente.

O problema é que o tempo passou. Os conceitos de "todos atacam e todos defendem" e "o jogador mais próximo ocupa o lugar daquele que saiu para o apoio" já foram deglutidos, digeridos e regurgitados nos 41 anos passados entre 1974 e hoje. Só a Holanda que ainda não percebeu. Ainda segue acreditando no 4-3-3 à moda antiga, com dois pontas velozes e troca de passes constante, para manter a posse de bola.

Não que faltassem tentativas de fazer a Holanda jogar tomando mais cuidados defensivos. O próprio Espreme a Laranja já comentou a mudança, na Euro 2008 - e a sequência, com o trabalho excelente (e polêmico) de Bert van Marwijk. Ainda assim, sua demissão, após a Euro 2012, foi tratada como se a Holanda estivesse expurgando alguém que tentou sufocar suas características naturalmente ofensivas. E a chegada de Louis van Gaal visava trazer isso de volta.

Deu certo nas eliminatórias. Mas no último teste sério antes da Copa de 2014, quando já se sabia do grupo dificílimo no mundial, a Oranje enfrentou a França. E foi trucidada: com uma atuação pavorosa da defesa, desprotegida após a lesão de Kevin Strootman, a vitória dos Bleus por 2 a 0 ficou muito pequena para o tamanho da superioridade francesa. Com o definitivo rompimento do ligamento cruzado anterior do joelho direito, no domingo seguinte, num jogo da Roma, Strootman ficaria fora da Copa. Foi definitivo para Van Gaal, forçado a conter sua preferência por esquemas ofensivos. Ou ele deixava o 4-3-3 de lado, ou a Holanda "cumpriria as expectativas" na Copa: seria superado pelo entrosamento espanhol e pela intensidade chilena.

Van Gaal escolheu o 5-3-2, protegendo a defesa ao máximo. Ron Vlaar seria o líbero, com Bruno Martins Indi e Stefan de Vrij como "stoppers" - e ainda colocou Daryl Janmaat e Daley Blind nas laterais. Com o "muro erguido", ligações diretas para o ataque e Arjen Robben tendo vivido alguns dos melhores momentos de sua carreira (fora a "sorte" das boas atuações imprevistas de Vlaar, Blind e Memphis Depay), a Oranje alcançou um surpreendente e honroso terceiro lugar na Copa.

Ao assumir o comando da seleção após o mundial, Guus Hiddink até elogiou o trabalho de Van Gaal. Mas preferiu escalar o time no bom (menos) e velho (bem mais) 4-3-3. Desprotegeu de novo a defesa. Pior: sob seu comando, a equipe abusava da posse inútil de bola. Tinha a pelota por bem mais tempo nos jogos. Mas de nada adiantava, se raramente havia criação de jogadas e aceleração do ataque com a bola dominada.

Logo Hiddink foi demitido. Mas Danny Blind persistiu no erro. E nas duas partidas que praticamente "definiram" a eliminação holandesa nas eliminatórias da Euro 2016, alguns erros foram repetidos. Contra a Islândia, a insegurança da defesa e a posse de bola estéril; contra a Turquia, a desorganização da linha defensiva, o excessivo espaçamento entre os setores do campo e o individualismo do ataque.

Com a Holanda fora da Euro, muito se tem lido que o futebol holandês acabou. Ele não acabou, claro. Mas o Futebol Total de 1974? Pode nem estar morto, mas que está desatualizado, está. Voltar a defender é preciso.

Um comentário:

  1. Não é estranho que tendo treinado outras equipes ao longo de sua carreira o Hiddink tenha novamente apostado no 4-3-3 a antiga...

    e não é estranho os técnicos holandeses não estarem se atualizando com outros métodos de treinamento e táticas, como os que os times alemães tem feito... e é alí do lado... dá para aprender tanta coisa... ou até adaptar ao estilo ofensivo Holandês sem deixar de proteger a defesa...

    Fazer algo como Sampaoli fez na seleçãao chilena... Ao juntar um futebol vistoso de se ver mas também competitivo

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