domingo, 25 de outubro de 2015

Heerenveen: crise dentro e fora de campo

Foppe de Haan coloca histórico respeitável à prova em volta imprevista ao Heerenveen (Nic Bothma/ANP)

Sabe-se que Ajax, PSV e Feyenoord são os grandes clubes do futebol holandês. Mas não é o caso de se dizer que há três grandes e vários pequenos. Há certa gradação no país: abaixo do trio, há AZ e Twente, que já tiveram boas atuações em torneios continentais e conquistaram títulos na fase moderna do Campeonato Holandês. E finalmente, antes dos pequenos, há aqueles clubes médios. Que não aspiram a títulos na liga, mas fazem boas campanhas, periodicamente aparecem na Liga Europa, ganham uma copa nacional aqui e outra ali...

E um dos principais representantes desta casta está em crise aberta. É o Heerenveen. Tendo disputado uma vaga na Liga Europa desta temporada, via play-offs (perdeu-a para o Vitesse), o clube da Frísia continua sob crise interna, já deflagrada há algumas temporadas. Mas só agora esses problemas estão sendo seguidos pela má sequência dentro de campo: passadas nove rodadas da Eredivisie, a equipe está no 15º lugar, só tendo vencido a primeira partida no campeonato, contra o lanterna De Graafschap. De resto, quatro empates e quatro derrotas.

A última delas foi o verdadeiro estopim da crise esportiva: um 5 a 2 sofrido em casa para o Feyenoord. Com uma atuação pavorosa no primeiro tempo, vendo a rapidez do meio-campo do Stadionclub criar jogadas a granel, e vendo a eficiência de Dirk Kuyt, autor de três gols. A equipe saiu do primeiro tempo já com um 5 a 0 para os visitantes, e uma torcida irritadíssima. Mesmo com os dois gols de Henk Veerman, estava claro: algo teria de mudar.

E o técnico Dwight Lodeweges decidiu se sacrificar, anunciando a demissão voluntária na última terça, no site do clube: “A coisa não está saindo do jeito que eu quero, agora. Os resultados estão muito ruins, e o futebol [da equipe] também. Decidi sair, para que outra pessoa consiga salvar as coisas”. O interino já foi escolhido: num caso extremo, voltou ao cargo Foppe de Haan, técnico mítico em Heerenveen. Treinou a equipe duas vezes (entre 1985 e 1988, e entre 1992 e 2004), e mesmo quando ficou fora, era o diretor técnico. De Haan organizou o clube interna e tecnicamente a ponto de levá-lo à fase de grupos da Liga dos Campeões, na temporada 1999/2000. E o trabalho impressionou a ponto de levá-lo a treinar a seleção holandesa sub-21, que foi bicampeã europeia com ele no cargo, em 2006 e 2007.

Então Foppe é o salvador da pátria? Dentro de campo, pode ajudar. Fora, nem tanto. Fazendo parte da vida interna do clube desde seu trabalho com a equipe, o técnico foi um dos principais apoiadores da gestão que agora naufraga no comando. Mas como ela chegou ao poder? Hora de descrever a “Fean revolutie”, que agora encara sua derrocada. (Para constar: “Fean” é o apelido do clube, corruptela de “Hearrenfean”, como o clube se chama no dialeto frísio).

Tudo começou em 2013, quando Robert Veenstra era o presidente do Heerenveen. Ao final da temporada 2012/13, os resultados do time foram decepcionantes, para o padrão esperado: embora Alfred Finnbogason tenha sido o goleador da Eredivisie, a equipe ficou na 8ª posição, ficou pelo caminho nos play-offs por vaga na Liga Europa e foi apenas às oitavas de final na Copa da Holanda. Nada que perturbasse os clubes maiores, como o Fean costuma fazer às vezes.

Bastou para que começasse uma tremenda pressão, de vários setores dentro do clube. Vinda principalmente de empregados do clube, de patrocinadores e dos dois maiores grupos de torcedores do Heerenveen (não confundir com torcidas organizadas – na Holanda os grupos de torcedores servem mais para mediar relações entre torcida e clube), ela levou à organização de um relatório de apuração do que ocorria na gestão de Robert Veenstra. Feito por Jos Vaessen, dirigente experiente no futebol holandês, e Lense Koopmans, economista, o relatório encontrou más condutas suficientes para forçarem a destituição de Veenstra, de sua direção e do Conselho Deliberativo.

Após um período de transição, com o interino Gaston Sporre dirigindo o clube, enfim consumou-se a mudança pretendida com a “revolução Fean”. Jelko van der Wiel (nenhum parentesco com o lateral direito) tornou-se presidente. E favoreceu o fortalecimento de seu “padrinho político”: Riemer van der Velde, dirigente histórico no clube da Frísia, que presidiu entre 1983 e 2006.

Van der Wiel, então, prometeu uma gestão democrática, com dez diretores a lhe auxiliarem. Mas a boa intenção resultou numa troca incessante de “fogos amigos”. De um lado, Van der Wiel e o diretor comercial Wim van Dijk; do outro, os supervisores Egon Diekstra, Geert-Pieter Vermeulen, o diretor de patrocínio Anne Hettinga e Joost Jetten, antecessor de Van Dijk.

E os incidentes só se avolumam com essa divisão: Hettinga e Jetten indicaram a proposta de uma empresa chinesa, a Beijing Succesful International Management, para controlar o clube; Van Dijk e Van der Wiel negaram, com o presidente dizendo que a oferta era “conversa mole”. Restou à torcida agir. Primeiro, com uma faixa agressiva: “A todos os dirigentes e patrocinadores: coloquem o interesse do clube acima de tudo! O Heerenveen não é uma prostituta!”. Depois, indo à frente da casa de Anne Hettinga e pressionando-o com gritos, a ponto do diretor de patrocínio se demitir.

Não bastasse Hettinga, fala-se que é iminente a renúncia de Van der Wiel e de todo o seu gabinete, exatamente pela desunião que minou o ambiente interno. E que influi em campo, ao contrário do que ocorria em temporadas anteriores. Fica a pressão para que Foppe de Haan consiga reanimar uma equipe que tem nível técnico mais do que aceitável para os padrões do Campeonato Holandês (o goleiro Erwin Mulder, o meio-campista Joey van den Berg e os atacantes Luciano Slagveer e Sam Larsson são os destaques). Até porque há o clássico da Frísia contra o Cambuur, daqui a duas rodadas.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 23 de outubro de 2015)

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