Fischer ressurge e ajuda o Ajax no lado bom. Mas há a parte ruim... (fcupdate.nl) |
Com relação ao Campeonato Holandês, tudo bem até o momento. A equipe já ensaia abrir vantagem na liderança da Eredivisie: 19 pontos em sete rodadas, três à frente do Feyenoord, segundo colocado. A melhor defesa da liga (dois gols sofridos) e o ataque mais goleador (18 gols). Retrospecto elogiável: seis vitórias e um empate. E isso, sofrendo em pouquíssimos momentos dentro dos jogos. Início promissor, que será colocado à prova no primeiro clássico da temporada, contra o PSV, neste domingo.
E o que Frank de Boer prometeu, está cumprindo: a proteção à defesa está bem mais clara. Ao invés de jogar no 4-3-3 quase dogmático no Ajax (e no futebol holandês como um todo), o que se vê é um 4-2-3-1. E os cuidados já começam na linha de quatro defensores: mesmo que tenham técnica na saída de jogo, Joël Veltman e Jaïro Riedewald só saem com a bola quando a cobertura está formada. Nas laterais, embora Kenny Tete seja promissor no apoio, segue titular principalmente porque não compromete na marcação (ao contrário de Van Rhijn, “efetivado” na reserva). E Mitchell Dijks, pela esquerda, já sabe equilibrar melhor defesa e ataque.
Mas é o meio-campo que prova a mudança fundamental no Ajax. Com três jogadores (na maioria das vezes, ofensivos), a contenção do adversário só era eficiente caso houvesse espaço para troca incessante de passes. Uma bola perdida, e tudo estourava na defesa. A principal “vítima” foi Daley Sinkgraven: na Liga dos Campeões, um dos gols do Rapid Viena saiu após o ponta-de-lança perder uma bola perto da defesa. Isso se repetiu no 2 a 2 contra o Celtic, estreia dos Godenzonen pela Liga Europa: bola perdida, e os Bhoys abriram o placar. Frank de Boer não teve dúvidas: Sinkgraven foi para o banco de reservas.
Enquanto isso, Riechedly Bazoer e Nemanja Gudelj cuidam da proteção à defesa – e têm se saído bem. Ambos dão qualidade à saída de bola, por mais que o sérvio não seja um volante de formação. Aí, é hora do ataque ser fortalecido. Com Klaassen, atuando em seu papel habitual de ponta-de-lança; com El Ghazi, principal jogador do começo de temporada na Eredivisie; com o alemão Amin Younes, que mostra impetuosidade suficiente para torná-lo titular cada vez mais confiável na ponta direita; e com Arkadiusz Milik, talvez o mais deficiente dos atacantes nas últimas partidas (nos 2 a 0 contra o Groningen, sábado passado, o polonês perdeu pelo menos três chances de gol).
E se El Ghazi e Younes já são jogadores notáveis pelas pontas, cada vez mais Viktor Fischer demonstra capacidade de voltar a ser destaque. Recuperado da grave lesão muscular que o tirou de campo por quase um ano, o dinamarquês ainda está na reserva. Mas tem mudado os jogos toda vez que entra. Contra o Twente, na quinta rodada do Holandês, o Ajax perdia, ele entrou em campo, e seu gol empolgou o time até o empate por 2 a 2; contra o Groningen, fez um belo gol para definir a vitória por 2 a 0; finalmente, marcou o gol de empate contra o Molde-NOR, nesta quinta, pela Liga Europa.
Então, o Ajax está pronto para retomar seu papel de gigante europeu? Não. Porque toda essa proteção só dá certo, convenhamos, devido ao nível técnico deficiente da maioria dos times do Campeonato Holandês. As atuações nos dois empates pela Liga Europa mostraram isso. Principalmente no 2 a 2 contra o Celtic, que causou críticas acerbas a Frank de Boer: nem mesmo ter dois volantes protegendo a defesa impediu que o time escocês mostrasse mais força ofensiva. Só quando estiveram atrás no placar (ou com a entrada de Lasse Schöne, que tem sido injustamente colocado na reserva) é que os Ajacieden buscaram os gols. De resto, o que se vê é um time ainda inseguro na defesa. E infrutífero no ataque, por mais chances que crie.
E exatamente este é o problema, talvez insolúvel. Ainda que os cuidados maiores com a defesa sejam claros, o time tem inspiração claramente ofensiva, e barrar isso é até contraditório com a história do clube. Aliás, chegar ao topo da Europa jogando ofensivamente é tudo o que o Ajax quer, desde a metade final de 2010, quando Johan Cruyff pediu e comandou a chamada “revolução de veludo” que mudou o clube da estação Bijlmer Arena dentro de campo (com mais jogadores vindos da base) e também fora dele (com mais ex-jogadores ocupando cargos diretivos).
Só que se passaram exatamente cinco anos, e nada aconteceu. Pior: o Ajax continua sendo apenas exportador de novos talentos. E continua empilhando títulos nacionais para chegar à fase de grupos da Liga dos Campeões e ser recolocado em seu lugar periférico. O que já começa a fazer pensar se a “revolução” pensada por Cruyff não estourou o prazo de validade. Foi o que escreveu Marco van Basten, em sua coluna na revista “Voetbal International”: “O plano de Cruyff é uma grande comédia”. Além do mais, há dúvidas até sobre os destinos do elenco: contratar mais medalhões (como querem Frank de Boer e o diretor de futebol Marc Overmars) ou seguir respaldando a base (como deseja Wim Jonk, diretor das categorias inferiores)?
Seja como for, o plano continua. Fora de campo, com o projeto de ampliação da Amsterdam Arena e com o ex-goleiro Edwin van der Sar tornando-se diretor técnico do clube a partir de novembro – e com sua promoção para diretor geral já programada para 2016. Dentro de campo, Frank de Boer continua tentando conciliar ofensividade e pragmatismo, com a torcida pressionando. Por isso, dá para dizer que o Ajax está bom (afinal, é líder da Eredivisie), mas está ruim (tropeça na Liga Europa, e não agrada à torcida). Ou dá para dizer que o Ajax está ruim, mas está bom. Fica a gosto do freguês.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 2 de outubro de 2015)
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