Kuyt, o líder do Feyenoord em campo - e o alvo principal da confiança do torcedor (fr-fans.nl) |
O Feyenoord teve ídolos nos últimos anos? Teve. Bem, talvez não teve ídolos, mas teve destaques. Precisamente dois jogadores se encaixaram neste papel: John Guidetti, protagonista no vice-campeonato holandês da temporada 2011/12, ponto inicial da “ressurreição” do clube de Roterdã. E Graziano Pellè, que não só foi figura central de outras boas campanhas do Stadionclub – com ênfase para outro vice no Holandês, em 2013/14 -, mas também soube erguer a própria carreira a partir das boas atuações, para virar o que é hoje: jogador fundamental tanto no Southampton quanto na seleção italiana.
Mas Guidetti e Pellè eram jogadores oriundos de outros clubes, que foram para outros clubes. Ou seja: embora ambos tenham tido importantes momentos de suas carreiras nos Rotterdammers, a equipe foi “apenas” o cenário para uma boa fase. Por isso, volte-se ao trecho inicial: foram, provavelmente, mais destaques do que ídolos. Para reafirmar que o Feyenoord é, sim, um clube grande da Holanda, faltava um personagem com identificação e com história inquestionáveis para turbinar a confiança do elenco e da torcida. Não falta mais: Dirk Kuyt foi contratado exatamente para isso. E é exatamente o que está fazendo.
Se havia dúvidas sobre a importância do nativo de Katwijk nesta temporada, elas foram dissipadas nas últimas semanas. Na 9ª rodada do Campeonato Holandês, há quase três semanas, o Feyenoord visitou o Heerenveen. Num primeiro tempo primoroso, fez 5 a 0 (o jogo terminaria 5 a 2): três gols de Kuyt. No domingo passado, um jogo até mais difícil, pela 10ª rodada, contra o AZ, em casa. 3 a 1. Outro hat-trick de Kuyt. Mas o grande desafio era na última quarta, pela terceira fase da Copa da Holanda: De Klassieker, o mais tradicional clássico do país, contra o Ajax.
O jogo foi tenso, truncado, nervoso. E os Ajacieden até jogaram melhor. Mas sabe-se: se falta alguma habilidade a Kuyt, sobra a ele espírito de luta. E este se espalhou por toda a equipe, que batalhou até os acréscimos. Teve o prêmio mais delicioso que podia imaginar: aos 49 minutos do segundo tempo, último dos descontos, falta à esquerda da área. Eljero Elia cobrou, e Joël Veltman desviou acidentalmente para as redes defendidas por Jasper Cillessen, fazendo gol contra no último lance do jogo. Loucura na Het Legioen, como a ensandecida (para o bem e o mal) torcida é conhecida: desde janeiro de 2012, o Feyenoord não vencia um Klassieker. Tratou-se de uma poderosa injeção de ânimo, menos de duas semanas antes de novo duelo contra os arquirrivais, pela 12ª rodada da Eredivisie, em 8 de novembro. A comemoração no estádio seguiu ainda por vários minutos depois do fim do jogo (confira a prova aqui).
Então, o Feyenoord é Kuyt e mais dez? Nem tanto. Há coadjuvantes valiosos na equipe. Um deles está no meio-campo: campeão europeu sub-21, o sueco Simon Gustafson mal chegou e recebeu a aposta do técnico Giovanni van Bronckhorst. E corresponde à confiança: colocou Jens Toornstra e Lex Immers no banco, acelera as jogadas de ataque, mostra sabedoria para definir a melhor hora do passe e já é o líder de assistências da equipe na temporada (4).
No ataque, os outros titulares ajudam Kuyt. Pela ponta-esquerda, Eljero Elia parece entrar num momento já vivido por outros jogadores holandeses: após rodar pelo futebol europeu, volta ao país natal, e lá reencontra-se com a boa fase. Elia impressionou com a boa atuação no difícil 3 a 2, fora de casa, contra o De Graafschap. E até já foi convocado por Danny Blind para os dois jogos finais da seleção da Holanda nas eliminatórias da Euro 2016. Convém não descartá-lo para o trabalho com vistas à qualificação para a Copa de 2018.
Já o centroavante Michiel Kramer ocupou o lugar de Colin Kazim-Richards, como se pedia. Produz menos do que prometia no início da temporada, mas pelo menos é o segundo maior goleador do Stadionclub na Eredivisie (4 gols). E mostra, digamos, a “malícia” que os atacantes precisam ter: não são raras as confusões que arruma com zagueiros adversários. A tal ponto que quase pegou quatro jogos de suspensão, por suposta cotovelada num zagueiro do De Graafschap – foi absolvido.
Ainda assim, o destaque inegável do Feyenoord é Kuyt. Primeiramente, claro, pelas boas atuações que fizeram dele o goleador do campeonato: em dez rodadas, dez gols. Mais do que os oito gols pelo Fenerbahçe, em 32 jogos, na temporada 2014/15; exatamente a mesma quantidade de tentos anotados em 2012/13, também em 32 jogos; enfim, desde os 13 gols marcados pelo Liverpool em todo o Campeonato Inglês 2010/11 o atacante não prometia enfiar tantas bolas nas redes.
Mas é razoável supor que a facilidade se dê pelo próprio nível técnico baixo da Eredivisie, que permite a um veterano de 35 anos, como Kuyt, fazer tantos gols e conseguir ser titular, o que ele já não era nem seus últimos tempos no Liverpool, nem no Fener. Então, por que tamanha importância? Pela dedicação e raça inesgotáveis. Tanto nos gols, quanto nas comemorações: invariavelmente, o camisa 7 vai celebrar próximo à placa de publicidade, punhos cerrados, braços levantados e gritos de júbilo junto à torcida.
Sem contar que quase sempre é Kuyt quem dá a cara para bater nas declarações à imprensa. Nas horas más, como após a derrota para o PSV, no primeiro clássico da temporada, quando falhou no gol de Santiago Arias, lateral dos Eindhovenaren: “Foi um momento crucial. Estou muito chateado, isso não me acontece sempre”. E também nas horas boas, como após a vitória recente no Klassieker: “É gostoso demais. Queríamos vencer a qualquer custo. Nesse tipo de jogo não importa quem joga melhor, vimos isso na temporada passada. Ganhar é o mais importante, e mostramos isso. Essa vitória é legal para os jogadores, e mais legal ainda para Het Legioen”.
Já tendo sido goleador máximo da Eredivisie na temporada 2004/05, e eleito melhor jogador do campeonato por duas vezes (2002/03 e 2005/06) nem parece que Kuyt passou tanto tempo longe de De Kuip, após sua primeira passagem (entre 2003 e 2006). E sua identificação com o clube é tamanha que as negociações para a renovação do contrato atual já preveem sua transformação em técnico, começando nas categorias de base – como ocorreu com Van Bronckhorst, outro ídolo que retornou a Roterdã no fim da carreira. Só fortalece a ideia de que o atacante está cumprindo sua tarefa de ser o líder do Feyenoord, transformando-se num dos grandes ídolos da história do clube. E que a equipe, enfim, está motivada como nunca para encerrar o jejum de 16 anos sem conquistar a Eredivisie.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 30 de outubro de 2015)
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