domingo, 18 de outubro de 2015

As razões do vexame (III): vácuo entre o ontem e o hoje

Memphis Depay está cada vez mais pressionado, mas ainda é o único novato holandês confiável na seleção (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)
Uma das razões mais faladas para a eliminação holandesa na qualificação da Euro 2016 é a falta de renovação da equipe. Afinal de contas, quando se fala nos destaques da Oranje dentro de campo, as primeiras lembranças ainda são Wesley Sneijder, Arjen Robben e Robin van Persie - sem contar Klaas-Jan Huntelaar, que segue no banco de reservas. Só que tratar a razão assim deixa a questão um pouco incompleta. A falta de caras novas existe, de fato. Mas ela só está aí porque nem há gente pronta para entrar e tomar rapidamente a vaga de titular, e porque há um claro vácuo, típico de entressafras.

Antes da derrota para a República Tcheca, Danny Blind reconheceu o vácuo entre os novatos e os veteranos: "Temos poucos jogadores entre os 24 e os 28 anos. Jogadores nessa faixa estão no melhor da forma e ajudam os outros. Eles olham tudo durante uma partida, não se preocupam só como eles. Gini (apelido de Georginio Wijnaldum) é um desses jogadores, Kevin Strootman pode fazer algo assim. Daley Blind também. De fato, temos muitos talentos jovens e muitos bons veteranos. O pessoal do meio é que não tem gente suficiente".

A partir daí, só piora. Porque sabe-se que Strootman tem sido perturbado pelas sérias lesões em seu joelho direito, há quase dois anos. Além disso, Wijnaldum e Blind não desenvolveram um espírito suficiente de liderança para conseguirem auxiliar os veteranos (se é que têm essa qualidade). E outros jogadores que poderiam ajudar nisso já sofrem com outros fatores, como Jasper Cillessen (com 26 anos, o goleiro segue sendo questionado) e Stefan de Vrij (23 anos, titular absoluto da zaga nas eliminatórias da Euro, mas as dores no joelho lhe impediram de jogar as duas últimas partidas).

E desse vácuo entre veteranos e novatos, pouco preenchido, chega-se ao fator principal: a dificuldade na geração de novos talentos. Ou, no mínimo, a dificuldade de jogadores medianos crescerem de nível e se destacarem para terem presença garantida entre os titulares. Basta ver o ataque: fora Van Persie e Huntelaar, há apenas Bas Dost e Luuk de Jong como finalizadores preferenciais. E nenhum deles trouxe razões para animação usando a camiseta laranja. Além disso, não são mais novatos: o irmão de Siem tem 25 anos, e Dost, 26 anos. Poderiam já estar ocupando o meio do ataque. E não o fazem. 

A mesma coisa com Luciano Narsingh: aos 25 anos, já tendo até a Euro 2012 no currículo, tem capacidade para atuar pelas duas pontas, num 4-3-3. Mas não ameaça a posição de Arjen Robben e Memphis Depay como titulares. Memphis, por sua vez, é o símbolo de um drama: aos 21 anos, o único talento holandês confiável da atualidade sofre com os vícios típicos da idade em campo, como o excessivo individualismo nas jogadas. Pior: ainda paga por falhas minúsculas, que só ganham importância num cenário de crise, como o atual na seleção holandesa. Por exemplo, o erro ao vestir uma camisa personalizada do jogo entre Holanda e Islândia, na partida contra a... República Tcheca. Sem dúvida, o atacante do Manchester United merece mais paciência. Até porque outros novatos, como Anwar El Ghazi, ainda não receberam muitas chances.

Se no ataque, o problema é a falta de gente confiável para substituir Van Persie (e/ou Huntelaar) e Robben, no meio-campo e na defesa há substitutos "prontos". Os problemas são diferentes: para armarem o jogo, Davy Klaassen e Jordy Clasie já mostraram talento. Klaassen, por exemplo, foi o melhor da Oranje na vitória contra a Espanha, num amistoso em março. Ainda assim, Sneijder deverá continuar atuando pela seleção nas eliminatórias para a Copa de 2018. E cada partida que ele faz, será uma partida a menos para Klaassen e Clasie terem a sequência de que precisam. Até porque, com seus 118 jogos, não falta experiência a Wesley. Nem capacidade técnica: foi o destaque no título turco do Galatasaray, na temporada passada.

Na defesa, a questão é mais complicada. A média de idade do setor é relativamente baixa. Porém, dos convocados frequentes, o único a trazer mais segurança tem sido De Vrij, titular absoluto na Lazio. Na lateral direita, Gregory van der Wiel não só voltou à má fase no Paris Saint-Germain, mas também segue com sua insegurança defensiva - mas tem sido o titular, em detrimento do razoável Daryl Janmaat. Pela esquerda, há a indecisão: Daley Blind fica no meio-campo ou vai para lá? E se o volante do Manchester United for efetivado como volante, como confiar em Jetro Willems, que ainda sofre com as falhas na marcação?

Além disso, na zaga, ainda não há um parceiro que traga segurança a De Vrij. Bruno Martins Indi, que foi razoável na Copa do Mundo, tem ficado mais no banco de reservas do Porto - e ainda é marcante sua expulsão contra a Islândia, que prejudicou sobremaneira a Oranje naquela partida. Jeffrey Bruma tem ritmo de jogo, titular absoluto que é no PSV; mas não é o defensor que um dia prometia ser (fracassou em Chelsea e Hamburgo), nem traz segurança. Virgil van Dijk apenas agora começou a ter chances, após começar bem no Southampton, e ainda mostra irregularidades (foi bem contra o Cazaquistão, e péssimo contra a República Tcheca).

Pior: a seleção sub-21 também não mostra gente pronta para assumir imediatamente a titularidade. Em campanha que começou até bem nas eliminatórias para o Europeu da categoria, em 2017, a Jong Oranje tem o zagueiro Wesley Hoedt, ainda aposta na Lazio; o volante Jorrit Hendrix, só agora trazendo confiança no PSV; os atacantes Mimoun Mahi (Groningen) e Ricardo Kishna (Lazio), promissores, mas que cometem falhas semelhantes às de Memphis Depay. E ainda há gente com certa experiência, mas que começa a bordejar a fronteira entre ser "promessa" e "foguete molhado", como o zagueiro Nathan Aké e o volante Tonny Trindade de Vilhena.

Enfim, a transição holandesa segue em dificuldades, com entressafras e decepções. Obviamente, a situação pode mudar daqui a alguns anos. Afinal, tratam-se de novatos. No entanto, o trabalho até ali exigirá paciência, talvez até com a ausência da Copa de 2018. Com uma federação hesitante e confusa, técnicos que apostam num estilo tático antiquado e um vácuo entre os veteranos de ontem e as promessas de hoje (com esparsas decepções no meio), surpresa seria ver imediatamente outra ótima atuação como a da Copa de 2014.


Um comentário:

  1. Excelente Texto... interessante que nessa ficou meio claro também que os Zagueiros e Volantes também não tem conseguido espaço nas grandes ligas, salvo algumas bem raras exceções...

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