Promessa em 2003, Sneijder agora lidera jovens holandeses na última cartada por vaga na Euro (VI Images) |
19 de novembro de 2003. Na repescagem das eliminatórias para a Euro 2004, jogando contra a Escócia por uma das últimas vagas no torneio continental, a seleção da Holanda chega para a partida decisiva em sérias dificuldades: perdeu o jogo de ida em Glasgow, por 1 a 0, e o técnico Dick Advocaat está sob uma torrente de críticas, que pedem por um jogo mais ofensivo.
Advocaat decide apostar alto: escala a seleção num 3-4-3, colocando pela primeira vez como titular um meio-campista promissor: Wesley Sneijder, 19 anos, em sua terceira partida na Laranja. O resultado? 6 a 0, com Sneijder como grande destaque: abriu o placar e deu quatro passes para outros gols. Ali o jovem mostrava: poderia marcar época na história da seleção holandesa.
O tempo passou. Hoje, 9 de outubro de 2015, Sneijder se estabeleceu há muito tempo como um dos melhores jogadores holandeses de futebol em todos os tempos. Tem 117 jogos pela Oranje, número só inferior aos 130 jogos de Edwin van der Sar. E se era a aposta em 2003, agora o meio-campista será um dos líderes de uma Oranje que teve de se renovar, à força, para as duas últimas partidas nas eliminatórias da Euro 2016.
Partidas que são duas “decisões”, contra Cazaquistão, neste sábado, e República Tcheca, na próxima terça. Atrás da Turquia no grupo A, a Holanda não pode mais tropeçar – e espera que os turcos falhem. Ou seis pontos mais um mau resultado dos turcos (contra os tchecos ou contra a Islândia) para ir à repescagem, ou o vexame da ausência na Euro será real.
Está certo que, originalmente, nem era a intenção de Danny Blind apostar tanto em garotos para conseguir o que a imprensa do país chama de “Houdini-act” – um milagre, uma mágica, algo digno de Houdini. Mas as circunstâncias forçaram-no a isso. A começar pela defesa. Van der Wiel e Martins Indi estão suspensos, e De Vrij lesionou o joelho. Resultado: Blind repetiu a aposta em Jaïro Riedewald, do Ajax; promoveu o retorno de Karim Rekik (agora está no Olympique de Marselha, mas poderia repetir dupla com Jeffrey Bruma, parceiro no PSV); deu nova chance a Virgil van Dijk, pedido há muito na Oranje e começando bem no Southampton; e chamou para a lateral direita Kenny Tete, 19 anos, do Ajax.
Na entrevista coletiva que deu na segunda-feira passada, Blind reconheceu as poucas opções defensivas, mas voltou a criticar Van der Wiel e Martins Indi, negando-se a chamá-los apenas para o jogo contra a República Tcheca: “Eles não foram convocados porque estão suspensos. Mas não se pode dizer que eles não falharam nas partidas anteriores. Principalmente Martins Indi, mas também Van der Wiel, que errou no pênalti [contra a Islândia]. E a diferença para os outros jogadores não é tão grande a ponto de eu convocá-los só para jogarem a segunda partida”.
Mas desgraça pouca era bobagem: Daryl Janmaat, o substituto de Van der Wiel e titular quase certo, chegou à concentração em Hoenderloo com problemas no joelho. Resultado: foi cortado na terça-feira. O técnico até informou que ligou para Van der Wiel e pediu “que ficasse alerta”, mas é altamente provável que Tete será jogado aos leões contra o Cazaquistão. Até que o lateral está motivado (“Jogar por meu país é um grande sonho. As condições estão difíceis, mas darei tudo o que puder se eu jogar”), mas é de se pensar o impacto que as ausências terão na já frágil defesa da Oranje.
E como uma praga, as ausências se espalharam por outros setores. No meio-campo, Davy Klaassen saiu do clássico entre Ajax e PSV com uma leve concussão. Mais um corte, com outro novato como substituto: o volante Riechedly Bazoer, 18 anos (faz 19 na próxima segunda), companheiro de Klaassen no Ajax. Pior: até Sneijder pode se ausentar. Sua esposa, Yolanthe, espera o nascimento do primeiro filho do casal para qualquer momento. E o camisa 10 já anunciou: caso o bebê venha durante a semana de jogos, larga a seleção para acompanhar o novo rebento.
No ataque, o novato nem chegou por uma convocação de última hora, mas por merecimento: decidido a jogar pela seleção holandesa adulta (não sem um “empurrão” da opinião alheia, é verdade), Anwar El Ghazi mereceu sua primeira convocação, como um dos melhores jogadores do Campeonato Holandês atual. O que não significa que as lesões deixaram em paz os atacantes. Outro destaque da Eredivisie, Luuk de Jong, lesionou o tornozelo há duas semanas e perdeu uma chamada quase certa.
Outro atacante cortado foi Quincy Promes, que poderia ser usado pela ponta esquerda, mas também se machucou defendendo o Dynamo Moscou. Seu substituto, por sinal, foi uma surpresa: bastou um começo relativamente bom pelo Feyenoord para Eljero Elia voltar à Oranje, após três anos de ausência. Elia, claro, comemorou: “Foi por isso que voltei ao futebol holandês”.Mas nem mesmo todas essas adversidades tiraram Danny Blind da mira das críticas. Por duas razões. A primeira, frequência demasiada de jogadores do Ajax na convocação (além de Tete, Riedewald, Bazoer e El Ghazi, Cillessen está na lista), o que talvez indique certa parcialidade do técnico, que atuou pelos Amsterdammers dentro e fora de campo. Além de ser inegável exagero, para um time cujas atuações têm sido medianas. Claro, Blind negou: “Acho que isso é besteira, eu não me importo com o time em que jogam”.
Outra razão para reclamações é a insistência do treinador no 4-3-3, considerado uma das razões para a derrota contra a Turquia, pela desorganização extrema da defesa e pelo excesso de espaço entre os setores do time. Blind foi definitivo: “Vamos jogar no 4-3-3. Se nos classificarmos para a Euro, aí se olha para as outras possibilidades dentro do elenco que permitam outro sistema. Mas ainda há equipes que jogam com três atacantes. São melhores do que nós, mas eu acho que somos melhores do que o Cazaquistão”.
Se era apenas uma promessa naquela repescagem em 2003, Sneijder agora é o veterano que ditará os rumos, junto de Van Persie. E suas declarações são otimistas: “Espero que tenhamos outro final feliz”. De fato, deu certo há 12 anos. Assim como já deu certo depender de uma vitória da República Tcheca, na fase de grupos da Euro 2004 (fato mencionado no fim deste texto aqui).
Mas agora é outra história, com outro time, em circunstâncias mais difíceis. Além disso, o Cazaquistão trouxe sérias dificuldades ao ser enfrentado em Amsterdã (a derrota por 3 a 1 só veio após os cazaques ficarem com dez). Sem contar o gramado artificial da Astana Arena, com que a Oranje está desacostumada. Se der certo, e a Turquia “colaborar”, a Holanda segue em busca da Euro. Caso contrário, pelo menos as novas caras já começarão a aparecer. Seja como for, a última cartada foi dada. A partir deste sábado, a sorte está lançada.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 9 de outubro de 2015)
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