quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Apostando em tudo que pode

Holanda se prepara com toda a concentração. Afinal, as datas FIFA praticamente definirão o destino nas eliminatórias da Copa (ANP)

Após tantas decepções, principalmente nos últimos dois anos, a seleção da Holanda não recebe muita confiança – e nem a merece, aliás. Todavia, na rodada passada do grupo A das eliminatórias europeias para a Copa de 2018, a vitória sobre Luxemburgo (e a derrota da França para a Suécia) devolveu um pouco a esperança à Laranja. Enfim, chegou a hora de confirmar tal esperança – ou de afundar no desânimo. Porque, a partir destas datas FIFA, todas as partidas serão “decisões”. A primeira, nesta quinta-feira, já é a mais importante de todas: contra a França, em pleno Stade de France. E a Holanda precisa ganhar.

Pode parecer exagero, mas é a única alternativa para a equipe, se ainda quiser depender só de si para ter uma das duas vagas - direta ou na repescagem – e tentar estar na Rússia a partir de 14 de junho de 2018. Além de ser o resultado mais esperado pela maioria, uma derrota para os Bleus (na segunda colocação do grupo, com 13 pontos) seria naturalmente desastrosa para a Oranje (3ª colocada, com 10): a diferença dentro do grupo poderia ir a seis pontos, tanto para os franceses quanto para os suecos (líderes, com 16 pontos), caso estes vençam o jogo direto e simultâneo contra a Bulgária, em Sófia. Ou seja, a Holanda ficaria praticamente fora da Copa, se ausentando de outro torneio grande em sequência, pela primeira vez em 32 anos - não esteve nem na Euro 1984, nem na Copa de 1986. 

Nem mesmo um empate ajudaria: se por um lado, viria um ponto, pelo outro seguiria até o risco de cair para a quarta posição, em caso de vitória búlgara. Vencer seria triplamente importante. Primeiro, porque devolveria a Holanda definitivamente à disputa por uma vaga na Copa, podendo ficar a apenas um ponto da liderança, caso Suécia e Bulgária empatem. Segundo, porque colocaria a equipe laranja numa posição insuspeita de vantagem para as “decisões” seguintes: jogaria em casa contra Bulgária (já no próximo domingo, em Roterdã, às 13h) e Suécia (fechando a campanha nas eliminatórias, às 15h45 de 10 de outubro). Terceiro, e talvez mais importante: daria motivos para confiança na equipe holandesa. 

Para tentar alcançar tal façanha, Dick Advocaat fez uma convocação na qual decidiu apostar em todos os recursos à disposição. Jovens com potencial? Estão lá: apostou-se em Kenny Tete, de ótimo começo pelo Lyon na temporada. Donny van de Beek, que tem mostrado personalidade ao substituir Davy Klaassen no meio-campo do Ajax, foi chamado pela primeira vez - ainda que tenha falhado num dos gols do Rosenborg, na partida que eliminou o Ajax da Liga Europa. Wesley Hoedt, de atuação promissora contra Luxemburgo, também figurou entre os 23 - como Tonny Vilhena, que segue fundamental no Feyenoord, e Matthijs de Ligt, ainda badalado no Ajax. Até mesmo Timothy Fosu-Mensah, chamado para a seleção holandesa sub-21 que também jogará, foi incluído às pressas no elenco principal, caso Tete seja cortado (sente dores no joelho).

As surpresas começaram com alguns retornos. Quase três anos e meio após sua primeira e única partida pela Oranje adulta (justamente contra a França – um amistoso, em março de 2014, também em Saint-Denis), o zagueiro Karim Rekik foi chamado, mesmo ainda iniciando sua passagem pelo Hertha Berlim. Ao chegar à apresentação, no hotel Huis ter Duin, na cidade de Noordwijk, Rekik assumiu: “Eu não contava com isto [a convocação], mas só torna ainda melhor”. Porém, Rekik claramente será reserva. A maior surpresa veio no ataque.

Claro, a convocação de Advocaat não ousaria prescindir de Wesley Sneijder e Arjen Robben – mesmo ainda voltando de lesão lombar sofrida nas férias, bastou Robben jogar confiavelmente pelo Bayern de Munique para estar na lista. O inesperado veio com a presença de Robin van Persie. Que estivesse na lista preliminar, tudo bem – nela estava até mesmo Ryan Babel, presença também surpreendente. Mas pouco se previa que Van Persie ficaria entre os 23 finais. E as evasivas declarações de Dick Advocaat para justificá-la (“Ele ainda é um dos melhores atacantes holandeses, por isso foi convocado. Havia dúvidas sobre sua forma, mas ele tem jogado pelo Fenerbahçe”) não esclareceram a surpresa. Ficou na conta do tempo juntos, no clube turco.

Volta de Van Persie surpreendeu. Seja como for, é a grande chance do atacante ter um novo final em sua trajetória na seleção (ANP)
De todo modo, se há uma ocasião para Van Persie reescrever o final de sua história com a camisa laranja, aos 34 anos recém-completos, é essa. Até porque sua última partida – há quase dois anos, em 13 de outubro de 2015 -, foi justamente a vexatória derrota por 3 a 2 para a República Tcheca, em plena Amsterdam Arena, confirmando a ausência holandesa da Euro 2016, com direito a gol contra “à la Oséas” do próprio atacante. Que, mesmo do alto da fama de maior goleador da história da seleção (50 gols), se apresentou com humildade: “Nem sempre eu estive bem o suficiente para ser convocado, a vida no futebol é assim, eu entendo, não tenho rancor de ninguém [pela ausência]. Estou apenas feliz. Não é a situação ideal para voltar, mas se temos uma chance, temos de buscá-la com tudo”. 

Uma lesão no ombro sofrida contra o Vardar-MCD, pela Liga Europa, quase causou seu corte, mas ter se apresentado e participado dos treinos desde segunda-feira passada faz crer que, se necessário, Van Persie pode até começar jogando. Não é provável, já que Dick Advocaat ainda aposta em Vincent Janssen ou Bas Dost como opções principais. Mas convém pensar que ele possa ser uma surpresa (jogaria junto de Sneijder e Robben pela primeira vez desde novembro de 2014), diante da grande experiência do retornado e das decepcionantes atuações de Janssen e Dost vestindo laranja - ainda mais no caso de Dost, que segue bem no Sporting. Assim como também surpreenderá o retorno do 5-3-2 visto na Copa do Mundo passada, opção experimentada num treino sem a imprensa, em Amsterdã, nesta terça.

De resto, o discurso foi o previsível: cheio de otimismo e vontade. Às vezes com mais introspecção, no caso do estreante Van de Beek, que apenas se disse “lisonjeado” pela confiança de Advocaat. Com mais ousadia, no caso do próprio técnico da seleção: “Por que não podemos vencer? Não devemos ter medo, também temos bons jogadores”. Com reconhecimento dos próprios erros, no caso de Kevin Strootman: "A pressão é grande, mas permitimos que isso acontecesse". E com a confiança digna do capitão que Robben é: “Não podemos pensar que somos menores. Podemos dizer que será difícil, e que a França tem um melhor time. Mas se é para pensar assim, é melhor ficar em casa”.

E chegou a hora da Holanda tentar evitar o destino pessimista que se prevê para ela nas eliminatórias da Copa. Por mais que também tenha muito o que melhorar, a França parece melhor e mais capacitada tecnicamente para deixar a Oranje definitivamente afastada do Mundial. Uma derrota no Stade de France teria até consequências futuras: representaria o fim da geração de Robben, Sneijder e Van Persie, além de transformar as três partidas restantes da qualificação em amistosos potencialmente melancólicos. Mas a Holanda irá a campo apostando em tudo o que pode apostar para tentar surpreender. Se serve de ânimo, também era assim antes de pegar o Brasil, na Copa de 2010, ou a Espanha, na Copa de 2014...

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 30 de agosto de 2017)

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