sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O sonho acabou

A derrota para o Rosenborg escancarou as razões de preocupação para o Ajax de Veltman (Pim Ras)

Saber olhar as coisas em perspectiva é uma característica valiosa no jornalismo. Característica que esta coluna, definitivamente, não possui. Pela terceira vez numa temporada recém-começada, ela falará do Ajax, mostrando certa irregularidade de opiniões. Porque, em junho, o assunto foi a saída de Peter Bosz – e a forte impressão de que tal fato acabava com a fase “iluminada” do clube da estação Bijlmer Arena. Em julho, acontecidas todas as turbulências da pré-temporada, o empate fora de casa, no jogo de ida contra o Nice, pela terceira fase preliminar da Liga dos Campeões, mostrara uma equipe dedicada, capaz de se recuperar dos baques. E este texto voltará ao começo. Porque o sonho acabou: aparentemente, o Ajax voltou à fase ruim que sonhava deixar para trás.

A volta contra o Nice, em 2 de agosto, já deixara uma decepção incômoda. Na Amsterdam Arena (Johan Cruyff Arena a partir de 25 de outubro), os Amsterdammers repetiram uma história vista há muitos e muitos anos. Engoliram ofensivamente o adversário, criaram chances, jogaram bem, até colocaram a bola na rede... mas os descuidos com a defesa custaram caro: no final do jogo – 34 minutos do segundo tempo -, um contra-ataque rápido dos visitantes do Mediterrâneo rendeu belo passe de calcanhar de Jéan Michaël Séri, o gol de Vincent Marcel, o empate em 2 a 2 e a classificação dos Aiglons, pelos gols fora de casa.

Era duro não poder contar, novamente, com o dinheiro da Liga dos Campeões. Ainda assim, voltar à Liga Europa mantinha as coisas no lugar – sem contar que o início do Campeonato Holandês já estava no horizonte. Pois bem: o que se vê hoje é um Ajax preocupadíssimo, que se atrapalhou no planejamento para a temporada. Resultado fora de campo: as ofertas de transferência vêm, e o clube não tem nem alternativas para as posições, que dirá reforços contratados. Resultado dentro de campo: estreia com vexame na Eredivisie (2 a 1 para o Heracles Almelo – primeira vitória dos Heraclieden sobre o Ajax na liga desde 1965!), e a queda para o Rosenborg em casa, na ida dos play-offs da Liga Europa (1 a 0), aumentando o temor de que, assim como o PSV, os Amsterdammers também passarão a temporada fora de competições continentais.

Até parece curiosa tal situação muito próxima da crise, apenas 86 dias após o Ajax ter sonhado com um título continental, na final da Liga Europa. Todavia, as situações se avolumaram – e até o momento, foram pessimamente conduzidas pelo triunvirato formado por Edwin van der Sar (diretor geral), Marc Overmars (diretor de futebol) e Dennis Bergkamp (espécie de diretor técnico). Para começar, vale lembrar rapidamente: Peter Bosz só saiu porque seus métodos iam de encontro ao pensamento da comissão técnica do clube, liderada por Bergkamp e sempre ciosa de manter as tradições do Ajax: 4-3-3, troca de passes, o estilo quase suicida de tão ofensivo. Antes que a diferença de ideias se aprofundasse, Bosz preferiu aceitar a proposta do Borussia Dortmund.

Marcel Keizer foi promovido do Jong Ajax (equipe B), para comandar um grupo com vários membros conhecidos: André Onana, Matthijs de Ligt, David Neres, Justin Kluivert. Além do mais, dos titulares na temporada passada, haviam saído apenas Davy Klaassen e Bertrand Traoré. Situação tranquila, certo? Errado. Porque, no planejamento para a temporada, o Ajax se desfez com excessiva facilidade de jogadores que poderiam ser úteis, mesmo sem a titularidade. Casos claros são Kenny Tete e Jaïro Riedewald: o lateral direito e o zagueiro haviam perdido espaço sob Peter Bosz, mas poderiam retomá-lo. Que nada: foram respectivamente despachados para Lyon e Crystal Palace, deixando os titulares Joël Veltman e De Ligt sem reservas imediatos.

Habituado aos cânones táticos do Ajax, Marcel Keizer foi promovido do time B - mas peleja para arrumar o time (Louis van de Vuurst/Ajax.nl)

O erro ficou ainda mais sério e claro a partir da semana passada, quando foi revelado o interesse concreto do Tottenham na contratação de Davinson Sánchez. Inicialmente, o Ajax nem quis conversa. Mas o zagueiro colombiano ficou a fim de se transferir, após conversas com Mauricio Pochettino. E se era dinheiro que os Godenzonen queriam, os Spurs colocaram na mesa: 40 milhões de euros, no que foi a maior venda da história da Eredivisie. Sánchez foi afastado do jogo contra o Heracles Almelo, sábado passado. A solução foi deslocar Nick Viergever da lateral esquerda para a zaga – e na canhota, à força, reabilitar Mitchell Dijks, que voltara de empréstimo do Norwich City e sequer era considerado como nome para ficar no grupo, durante a pré-temporada.

Com a falta de preparação, não podia dar certo. E não deu. A virada do Heracles no sábado passado começou a mostrar isso. E a indecisão ficou ainda mais clara na derrota para o Rosenborg pela Liga Europa, com a repetição da velha rotina. O Ajax teve mais posse de bola, buscou mais o ataque (principalmente com Amin Younes, pela esquerda), esbarrou numa defesa bem postada... e a defesa deixou espaços mortais atrás. Um contra-ataque, mau posicionamento – e erro de Veltman, no tempo de bola, após tiro de meta do goleiro André Hansen -, e a bola ficou à feição para Samuel Adegbenro chutar e fazer o gol da vitória da equipe norueguesa, no final do jogo (32 minutos do segundo tempo). Quatro jogos oficiais do Ajax na temporada: dois empates, duas derrotas.

Claro, as críticas vieram tão logo Craig Thomson apitou o fim do jogo. Em seu perfil no Twitter, o jornalista Willem Vissers tascou: “Típico caso de relaxo: deixar um técnico inexperiente com um grupo incompleto. Vergonhoso”. Torcedor do Ajax e ex-colaborador da Opta, Martijn Hillhorst foi ainda mais virulento: “Jogo importante, e no banco você tem [o meia Carel] Eiting, [o zagueiro Deyovaisio] Zeefuik e [o zagueiro Damil] Dankerlui. Nenhum deles jogou sequer pela Eredivisie. Sabe-se que agosto é um mês crucial na temporada, e esse é seu grupo”. 

À emissora de tevê Ziggo Sport, Hakim Ziyech alfinetou: “Sim, acho [necessárias contratações]. Um defensor, um meio-campista e um atacante. É melhor começar a temporada com um elenco o mais completo possível. É duro ver que eles [os diretores] não aprenderam com seus erros”. Para piorar, a mudança de cenário pode levar à saída de mais gente que prometera a Peter Bosz não deixar Amsterdã. Sánchez foi o primeiro. E há riscos de defecções de Onana, Dolberg e do próprio Ziyech, por mais que Marc Overmars prometa que "ninguém mais sai".

O Ajax até ganha muito dinheiro com suas vendas, agora. Mas continua ficando para trás do mesmo jeito.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 18 de agosto de 2017)

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