sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O lado bom do futebol holandês

Dessers mostra condições de virar goleador no Utrecht, ajudando na boa campanha que se avizinha (ANP)

O leitor talvez queira um texto sobre a crise no Ajax. Pois ficará querendo, pelo menos nesta semana. Porque talvez o vexame dos Ajacieden (já se sabe, fora de competições continentais pela primeira vez desde 1990/91, eliminado que foi pelo Rosenborg nos play-offs da Liga Europa) seja apenas o primeiro capítulo daquela que pode ser a pior semana do futebol holandês em muito tempo. Afinal, começou com as eliminações de Ajax e Utrecht na Liga Europa, e pode terminar na próxima quinta, caso a seleção holandesa perca para a França na sétima rodada do grupo A das eliminatórias da Copa de 2018 – o que deixaria a Laranja seis pontos atrás da segunda posição, virtualmente fora do Mundial. 

De mais a mais, já se falou muito aqui dos motivos que fizeram o otimismo do clube de Amsterdã decair velozmente, nestes 93 dias passados desde a final da Liga Europa contra o Manchester United: os desacertos da diretoria, o apego excessivo ao “estilo Ajax” que rendeu a saída de Peter Bosz, o planejamento desorganizado para a temporada etc. Então, ao invés de chover no molhado, é melhor começar citando outro clube holandês que, embora também eliminado da Liga Europa, deixou boa impressão, além de fazer bom começo de Campeonato Holandês: o Utrecht.

Poucas situações no futebol podem ser mais honrosas do que um time derrotado que recebe os parabéns do vitorioso. Foi exatamente o que ocorreu nesta quinta, via Twitter: o perfil oficial do Utrecht lamentou a queda (“Demos tudo, mas infelizmente não foi o bastante”), e o perfil do Zenit não só retuitou, mas também consolou (“Obrigado pelo grande jogo, vocês não poderiam ter deixado as coisas mais difíceis para nós”). De fato: para um clube atuando na frágil Eredivisie, os Utregs fizeram jogo duríssimo para o time de São Petersburgo nos play-offs. Ganharam o primeiro jogo (1 a 0), e na volta só se renderam na prorrogação (2 a 0, após 1 a 0 em 90 minutos). Chegaram até a ameaçar o Zenit, com chutes de fora da área.

Como se não bastasse, o início de Eredivisie do Utrecht mostra a sequência da boa temporada 2016/17: dois jogos, duas vitórias, sem gols sofridos (3 a 0 no NAC Breda, 2 a 0 no Willem II). Um estilo de jogo que segue mais moderno do que o envelhecido padrão tático do futebol holandês: um 4-2-3-1 relativamente forte na defesa, pelas boas atuações do goleiro David Jensen e do esforçado zagueiro/volante Willem Janssen, capitão da equipe. E que tem força e talento no meio e no ataque. A chegada de Urby Emanuelson turbinou os avanços pela esquerda (Edson Braafheid fica na lateral), enquanto Sander van de Streek, outro reforço, tem cuidado bem da marcação.

Na armação das jogadas, Zakaria Labyad, que já ganhava espaço paulatinamente na temporada passada, virou titular absoluto após a saída de Nacer Barazite – e emplacou, com a ajuda de Yassin Ayoub. Assim como outra aposta, Cyriel Dessers. O atacante belga de ascendência nigeriana chamara a atenção na repescagem de acesso/descenso, ao marcar seis gols em quatro jogos e ser o destaque na promoção do NAC Breda. Foi prontamente contratado para substituir Sébastien Haller, e não tem decepcionado: dois jogos, três gols de Dessers pelo Utrecht. A comandar isso tudo, um Erik ten Hag já sendo considerado o melhor técnico da Eredivisie, há algum tempo – e que merecerá atenção, numa eventual reformulação da seleção holandesa. Mostra modernidade e sabe impor um estilo ofensivo, tão ao gosto de torcida e imprensa, sem descuidar da defesa.

Matavz foi contratado para ser o goleador do Vitesse, líder temporário do Holandês. Está cumprindo a tarefa (vitesse.nl)

Mas se o Utrecht começou tão bem assim, porque não lidera o Campeonato Holandês? Porque outro time acertou ainda mais nas contratações, e se mostra ainda mais ofensivo: o Vitesse. Entre os reforços para a temporada, já se esperava bastante do atacante Tim Matavz e do meio-campista Thomas Bruns. Pois estão trazendo: nos dois jogos, cada um marcou o seu gol. O que ajudou o time da cidade de Arnhem a conseguir bons resultados – como na goleada da estreia, 4 a 1 sobre o NAC Breda.

Outro importante reforço foi mais útil para o esquema tático do técnico Henk Fräser: com sua velocidade e vitalidade, Thulani Serero consegue se desdobrar na marcação, para liberar Thomas Bruns e Navarone Foor, dentro do 4-3-3 típico com que o Utrecht joga. Some-se a isso o bom começo de gente que já estava vestindo aurinegro na temporada passada, como o atacante albanês Milot Rashica e o zagueiro Guram Kashia - capitão e ídolo da torcida -, e o Vitesse mostra capacidade para voltar a ser um clube médio logo abaixo do topo. Nem mesmo a saída do goleiro Eloy Room, agora reserva de Jeroen Zoet no PSV (pelo menos se Zoet não sair), perturba.

Sim, ainda é o começo. Sim, por piores que estejam, os três grandes devem monopolizar a disputa do título – e estar pior nem é o caso do Feyenoord, que também venceu os dois jogos e garantiu grande contratação (para o nível do futebol holandês, claro) com Sam Larsson, atacante do Heerenveen. Ainda assim, pelo começo e pelo que têm, Utrecht e Vitesse podem sonhar em desafiar os graúdos e fazerem boas campanhas. Claro, boas campanhas para o padrão técnico cada vez mais baixo do futebol holandês.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 25 de agosto de 2017)

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