quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Para acompanhar a Eredivisie: curiosidades

Quem acompanha este Espreme a Laranja habitualmente (e o autor destas linhas obviamente agradece a audiência pouca, mas fiel) sabe que o assunto aqui é futebol holandês - masculino ou feminino, de clubes (menos) ou seleção (mais). Todavia, se o assunto ficasse restrito apenas ao campo, a abordagem seria mais pobre. Afinal de contas, futebol nunca é formado apenas pelo que ocorre dentro das quatro linhas. Há toda uma cultura em torno dele, que às vezes até justifica por que as coisas são como são.

E assim o blog abre a apresentação do Campeonato Holandês para a temporada 2017/18. Antes mesmo de falar dos 18 times que estarão na Eredivisie, é bom dar ao leitor uma apresentação de algumas características importantes (como o modo de transmissão das partidas do campeonato, bem como para onde vai o dinheiro investido pela televisão). E também comentar aquelas curiosidades que parecem inúteis - até são -, mas que agradam a todo amante de futebol. Curiosidades que formam os ambientes com os quais a torcida holandesa está acostumada quando acompanha a Eredivisie. Segue, então, uma abertura antes da análise dos 18 clubes, a partir desta quinta.

A FOX Sports gasta para dominar a transmissão do futebol holandês (TLG)
Televisão - e a divisão do dinheiro da televisão

Quem deseja assistir ao Campeonato Holandês na própria Holanda precisa ter tevê a cabo. A única emissora que exibe todos os jogos da Eredivisie é fechada: a FOX Sports holandesa, detentora exclusiva dos direitos. Entre 2008 e 2013, os direitos de tevê pertenciam aos próprios clubes, e os jogos eram transmitidos pela Eredivisie Live, emissora a cabo da Eredivisie CV (equivalente holandês ao antigo Clube dos 13, no Brasil). Em 2013, a FOX comprou a Eredivisie Live, transformando-a em FOX Sports, exibindo não só o Campeonato Holandês, mas também os jogos da segunda divisão e da Copa da Holanda. Em canal aberto, desde então, somente um compacto noturno das partidas da rodada, exibido às sextas, sábados e domingos, pela NOS, emissora pública de tevê.

Para ter a exclusividade, a FOX paga 70,7 milhões de euros à Eredivisie CV. Tal renda começa a ser dividida em função da classificação final das equipes, na temporada. O campeão leva 18 pontos, enquanto o último colocado ganha apenas um. Essa classificação é feita levando em conta as dez temporadas mais recentes, com o campeonato imediatamente anterior recebendo "peso 10" na divisão, enquanto a edição mais distante da Eredivisie (no caso atual, a de 2007/08) é considerada com "peso 1". O primeiro colocado nessa "classificação" ganha 13% do dinheiro da televisão; o segundo ganha 12%; o terceiro, 11%, e assim gradativamente. Desnecessário dizer quais são os clubes que ficam com a parte maior do dinheiro da televisão... mas para constar, o Ajax ganha atualmente cerca de 9 milhões de euros; o PSV, 8,5 milhões; e o Feyenoord, terceiro nessa tabela, 7,5 milhões.


"DENNIS BERGKAMP! DENNIS BERGKAMP!" Já ouviu esta narração? O dono da voz é o cidadão aí da foto, descrito abaixo (Mark van der Zouw)
Cobertura da imprensa

Em tevê, já foram citadas a FOX Sports (tevê fechada - além do futebol holandês, exibe o Campeonato Alemão e a Liga Europa) e a NOS (emissora pública, detentora dos direitos de transmissão de Copa do Mundo e Eurocopa para a tevê aberta holandesa). Na tevê fechada, a grande desafiante da FOX Sports é a Ziggo Sport, propriedade da Ziggo, empresa de telecomunicações - e sim, a patrocinadora do Ajax. A Ziggo Sport possui os direitos de mais campeonatos prestigiosos: Campeonato Inglês, Campeonato Espanhol e Liga dos Campeões. Com relação à seleção holandesa, na tevê aberta, se a NOS mostra os jogos válidos por torneios importantes, os amistosos da Laranja são o trunfo da SBS 6.

Assim como no Brasil, os jornalistas acabam se popularizando: é possível citar como exemplos o narrador Frank Snoeks, da NOS, o âncora Kees Jansma, da FOX Sports, e Jack van Gelder, âncora da Ziggo Sport (com longo passado no rádio: foi Van Gelder o autor da famosa narração cheia de gritos para o gol de Dennis Bergkamp, contra a Argentina, nas quartas de final da Copa de 1998).

No rádio, não há muitos segredos: as grandes competições futebolísticas holandesas são acompanhadas pela divisão de rádio da NOS. Na imprensa escrita, a popularidade é dividida entre dois grandes diários, o De Telegraaf ("O telégrafo", maior do país, sediado em Amsterdã - e como previsível, mais dedicado às coisas do Ajax) e o Algemeen Dagblad ("Diário Geral", localizado em Roterdã - obviamente focando mais as coisas do Feyenoord). Cada um tem colunistas que denotam bem o clube de destaque: se o Telesport, caderno de esportes do De Telegraaf, tem de vez em quando textos de Edwin van der Sar - e periodicamente, contava com Johan Cruijff -, o AD Sportwereld (caderno do Algemeen Dagblad) conta com as colunas de Willem van Hanegem como seu maior chamariz.

No tocante a revistas, a Voetbal International é dos mais tradicionais veículos esportivos do país: circulando ininterruptamente desde 1965, a revista semanal ainda se mantém. No entanto, nunca sua concorrência esteve tão forte: duas de suas antigas concorrentes, a ELF e a Voetbal Magazine, fundiram-se formando a ELF Voetbal, também conhecida. Além disso, há revistas menores que também têm seu público, como a 90 Minutes. Ainda assim, com as tiragens de todas elas diminuindo, a Voetbal International aposta no fortalecimento de seu site - contando com a supervisão do jovem Pieter Zwart, cujo trabalho jornalístico tem causado discussões (a favor e contra) na Holanda por ser apegado demais a táticas.

Aprenda com o blog: A (de Alkmaar '54) com Z (de FC Zaanstreek) dá AZ

Fusões

Falar em fusões entre clubes não é nada absurdo, no futebol brasileiro. Basta lembrar o exemplo do Paraná Clube. Na Holanda isso é ainda mais disseminado, saiba. Basta citar dois dos médios mais tradicionais. Na cidade de Enschede, havia dois times: o Sportclub Enschede e o Enschedese Boys. Aquele passava por dificuldades, e a partir de 1961 se falava numa fusão, confirmada em 11 de fevereiro de 1965, com os dois clubes se tornando o FC Twente. Quase simultaneamente, em Alkmaar, havia dois clubes profissionais: o Alkmaar '54 (fundado em 1954, como o nome indica) e o FC Zaanstreek (que herdou a licença do antigo Kooger Football Club a partir de 1964). Três anos depois, os clubes se fundiram: com o "A" do Alkmaar '54 e o "Z" do Zaanstreek surgiu o AZ'67 - hoje, o conhecido AZ.

AZ e Twente não foram os únicos a se fundirem para evitarem a decadência. Em 1º de julho de 1970, concluía-se um processo incentivado pela prefeitura de Utrecht: a fusão entre três clubes médios da Eredivisie (DOS, Elinkwijk e Velox). Até havia tradição entre eles - o DOS fora campeão na segunda temporada profissional da Eredivisie, em 1957/58 -, mas nada que resistisse ao passar dos anos: o DOS contentava-se em escapar do rebaixamento, enquanto Elinkwijk e Velox iam e vinham da elite. Assim, na data citada de 1970, uniram forças para fundar o FC Utrecht.

Anos antes, ainda houvera a "fusão de fusões". Volte-se à década de 1950: na cidade de Kerkrade, em 1954, quatro clubes transformaram-se em dois. O SV Bleijerheide (de 1914) uniu-se ao Kerkrade Football Club (de 1926), dando origem ao Roda Sport, enquanto o Juliana SV (primeiro clube de Kerkrade, fundado em 1910) juntou-se ao então recém-fundado Rapid 54 para juntos formarem o Rapid JC (Rapid Juliana Combinatie - "combinação Rapid e Juliana"). Não demorou muito, e, em 1962, dois viraram um: Rapid JC e Roda Sport consolidaram a fusão final em 27 de junho, para começarem o Roda JC (Roda Juliana Combinatie). Combinação maluca? Isso porque não falou-se aqui do...
Faltaria espaço no distintivo do NAC Breda, se as siglas dos clubes fundidos fossem citadas... (Wikipédia)

"O maior nome do mundo"

Este é um apelido que poderia ser dado ao NAC Breda, sem prejuízo nenhum. Não que a fusão tivesse ocorrido simultaneamente às tantas citadas no tópico posterior: ela já datava de 19 de setembro de 1912. Todavia, impressionavam as siglas dos dois nomes que formaram o clube da cidade de Breda. Ainda mais porque as siglas traziam ainda frases.

O "N" vinha do NOAD, para "Nooit Opgeven, Altijd Doorzetten" (em holandês, "nunca desistir, sempre continuar"). E o "A" era advento do ADVENDO ("Aangenaam Door Vermaak En Nuttig Door Ontspanning", cuja tradução é "Agradável pelo entretenimento, e útil pela descontração". E em 1912, surgia o NAC - claro, "NOAD Advendo Combinatie", a combinação entre o NOAD e o Advendo. Não se sabe de nenhum outro nome tão longo para um clube na história do futebol. Pelo menos, as siglas não foram consideradas...

O profissionalismo

Até 1953, o futebol na Holanda era amador. E a KNVB ("Federação de Futebol do Reino dos Países Baixos") não dava impressão de querer mudar isso em curto prazo, principalmente pela vontade de seu presidente, Karel Lotsy. O que desagradava a alguns clubes, que desejavam abertamente a adoção do profissionalismo - até por causa do mau estado do futebol holandês naquela época. Dez desses clubes (dos quais o único existente na atualidade é o De Graafschap) fundaram a NBVB - Nederlandse Beroep Voetbalbond, "federação holandesa de futebol profissional". A NBVB organizou sua própria liga, da qual o primeiro jogo profissional da história do futebol holandês ocorreu em 31 de julho de 1954: Alkmaar '54 2x2 BVC Amsterdam.

Vendo que corria sérios riscos de perder adeptos, a KNVB não demorou para entrar em negociações com a NBVB, visando uma fusão. E também não demorou para a solução final: em 25 de novembro de 1954, as duas entidades que comandavam o futebol holandês anunciavam não só a fusão, mas uma adaptação rumo ao profissionalismo. Na temporada 1955/56, o campeonato nacional ainda seria disputado nos moldes amadores: ligas regionais, cujos vencedores disputavam o título numa "miniliga" final. E a partir de 1956/57, começou a Eredivisie profissional, como a conhecemos.

A torcida do PSV já decorou, mesmo que nem todos gostem de Tina Turner: "You're simply the best/Better than all the rest" (worldoftina.com)

Música para tudo

Tina Turner no PSV? Pois é o que manda o protocolo da entrada em campo do time de Eindhoven, quando joga em seu Philips Stadion: sempre que a equipe dos Boeren entra, ao lado do seu adversário, "Simply the best" soa nos alto-falantes do estádio. É hábito haver música para todos os ritos, nos estádios do futebol holandês. A Amsterdam (futura Johan Cruyff) Arena já sabe: quando o Ajax entra em campo, primeiro soa o hino do clube, para depois haver "Bloed, zweet en tranen" ("Sangue, suor e lágrimas"), grande sucesso de André Hazes (1951-2004), cantor popular na Holanda. "I will survive", por sua vez, é motivo de alegria para os torcedores do Feyenoord: um trecho da canção de Gloria Gaynor é tocado sempre que há um gol do Stadionclub em De Kuip.

Almanaque

Quem fez mais jogos pela Eredivisie: Willem "Pim" Doesburg (goleiro), com 687 jogos por Sparta Rotterdam e PSV, entre 1962 e 1987
Quem fez mais gols pela Eredivisie: Willy van der Kuylen (atacante), com 311 gols por PSV e MVV Maastricht, entre 1964 e 1982
Qual a maior goleada da história da Eredivisie: Ajax 12x1 Vitesse (22 de maio de 1972, jogo final da campanha na temporada 1971/72)
Qual o jogo com mais gols na história da Eredivisie: Feyenoord 9x4 Ajax (29 de novembro de 1964, na temporada 1964/65)
Jogador mais jovem na história da Eredivisie: Wim Kras (Volendam), que tinha 15 anos, 9 meses e 17 dias em 1959
Jogador mais velho na história da Eredivisie: Jan Jongbloed (goleiro), que tinha 44 anos, 9 meses e 14 dias em 1985.
Jogador a ter marcado mais gols num só jogo pela Eredivisie: Afonso Alves (Heerenveen), que marcou sete gols em Heerenveen 9x0 Heracles Almelo (7 de outubro de 2007, na temporada 2007/08).
Goleiro com maior tempo de invencibilidade: Heinz Stuy (Ajax), que ficou 1082 minutos sem sofrer gols em 1971.

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