sexta-feira, 24 de junho de 2016

República das bananas (ou bananenrepubliek)

O ambiente do Twente já não é mais nebuloso: na última hora, o clube se salvou do rebaixamento (Gerrit van Keulen/VI Images)
Sempre que se quer reclamar da péssima mania de ver tudo no Brasil ser empurrado para debaixo do tapete, sem investigações aprofundadas (e não só no futebol), costuma-se dizer que esta é a “república das bananas”. Pois bem, na sexta-feira passada, muitos jornalistas holandeses dedicados ao futebol traduziram a expressão: “bananenrepubliek”. 

Tudo como referência ao final surpreendente – pelo menos, por enquanto – da polêmica que levara à recomendação do rebaixamento do Twente à segunda divisão. Como tal parecer viera da comissão de licenças da KNVB, a federação holandesa, tudo levava a crer que o clube de Enschede fracassaria no recurso impetrado à própria federação. Pois aconteceu o contrário: na instância final, a comissão jurídica da mesma entidade decidiu que os Tukkers estavam salvos, e disputarão normalmente o Campeonato Holandês da próxima temporada. Sem perda de pontos ou coisa parecida

Em nota divulgada por meio de seu site, a decisão foi explicada com este início: “Em dezembro de 2015, a comissão de licenças decidiu que o FC Twente só poderia manter a licença caso estivesse completamente quitado com os problemas do passado”. Mas foi a continuação da nota que irritou imprensa e torcidas adversárias: “Nos meses posteriores, seguiram-se mais informações sobre esse passado. A conclusão da comissão jurídica é que, após a decisão de dezembro, o FC Twente já conseguiu limpar completamente seu nome, e que as informações descobertas desde então são uma consequência disso. Por essas razões, a comissão não as incluirá na decisão sobre a manutenção ou não da licença do FC Twente”. Aí, vinha o golpe fatal: “Mesmo assim, a comissão punirá quatro erros cometidos entre dezembro de 2015 e maio de 2016 com uma multa. Dada a gravidade, e o caráter repetido dos erros, a comissão decidiu dar para cada erro a multa mais alta possível, de 45.250 euros, resultando numa multa total de 181 mil euros”. Obviamente, a nota também confirmava o rebaixamento do De Graafschap – que já caíra dentro de campo, derrotado na fase final da repescagem para o Go Ahead Eagles.

Bastou a divulgação da nota, às 14h do horário holandês de sexta passada (9h no horário de Brasília), para a torrente de protestos ter início. Principalmente de jornalistas. Repórter do diário De Volkskrant, Willem Vissers foi claro, em reportagem: “O Twente usou dinheiro, e sabia que esse dinheiro provavelmente não lhe pertencia. Agora, não terão propriamente uma punição. Tudo bem, tem a multa de 181 mil euros. Mas não será uma punição propriamente dita. E não acho isso certo”.

Freek Jansen, da revista Voetbal International, foi lacônico em seu perfil no Twitter: “Que teatrinho...”. Em conversa com este blogueiro no Twitter, Joost de Jong, correspondente do jornal Algemeen Dagblad no Rio de Janeiro, descreveu a razão da irritação: “É dizer: podem fraudar o que quiserem, que a multa será só de 180 mil euros. Não tem como entender”. Repórter e colunista do Algemeen Dagblad, Sjoerd Mossou foi irônico no Twitter com os torcedores do Twente, obviamente comemorando a decisão: “De coração, Tukkers; não me encham o saco nunca mais, agora. A quadrilha trapaceou por tanto tempo, e vai escapar assim. Foi a melhor atuação desde o título da Eredivisie em 2010”.

Ao diretor técnico do De Graafschap, Peter Hofstede, só restou a surpresa diante da decisão inesperada pela manutenção do Twente: “Primeiro, há uma decisão da comissão de licenças. E eu entendi que ali havia gente que sabia do assunto e havia se aprofundado na questão. Mais tarde, isso é ressaltado pela justiça comum. Aí, vem a comissão jurídica da federação, onde eu achei que também havia pessoas inteligentes. Muito me surpreende quando dizem que a comissão de licenças fez tudo errado. Ficamos 27 dias reféns [da decisão]. Não havia definição se jogaríamos na Eredivisie ou na Eerste Divisie (segunda divisão). Nós não esperávamos, acho que ninguém esperava”.

Quando este blog comentou a decisão da federação sobre o rebaixamento, há um mês e quatro dias, expressou com hesitação e falta de clareza seu posicionamento em relação ao assunto. E a reação unanimemente contrária à decisão da federação me dá subsídio para esclarecer: a KNVB errou duplamente. Primeiro, ao decidir punir o Twente com o campeonato já encerrado, e os play-offs contra o rebaixamento já em disputa. Depois, ao não impor a punição mais dura prevista em regulamento ao Twente (a perda da licença profissional, forçando o clube a recomeçar, na quarta divisão, amadora). Afinal de contas, regra é – ou era – regra. Tentando uma terceira via (manter a licença, mas rebaixar o clube à segunda divisão), a entidade quis evitar as consequências pesadas que viriam, como a alteração do resultado final: com a licença cassada, o Twente teria cancelados os resultados da temporada 2015/16, e isso daria ao Ajax um título que já é do PSV.

Só que ao fazer isso, a federação apenas causou mais dores de cabeça. Primeiro, porque o Twente exagerou em sua reclamação: na apelação, alegou-se até que o clube da cidade de Enschede “iria à falência” caso tivesse de disputar a segunda divisão, já que não teria dinheiro para continuar saneando as finanças. Claro, a torcida - aliás, a cidade de Enschede em geral - encampou o discurso da diretoria: em março, após a perda de três pontos imposta pela federação, vários torcedores carregavam para os jogos a faixa "Twente leeft" (em holandês, "o Twente vive"). Nas partidas jogadas em casa, chegavam a levar a faixa em verdadeiras caravanas. De quebra, após a recomendação pelo rebaixamento, o clube iniciou a campanha "Wij staan achter Twente" (em holandês, "nós apoiamos o Twente"), em que pedia-se confiança da federação na recuperação do clube, com a assinatura não só de ídolos do clube, como o ex-goleiro Sander Boschker e o ex-atacante Jan Jeuring, mas também de jogadores conhecidos do futebol holandês, como Patrick Kluivert e Ronald de Boer.

A torcida encampou o apoio à diretoria no Twente: também tem sua parte na confusão (Joost Dijkgraaf/Tubantia.nl)

Outra dor de cabeça virá porque, agora, o De Graafschap é que entrará com recurso contra a federação – mesmo sem direito de fazer isso, rebaixado que foi no campo. Finalmente, a KNVB trouxe dor de cabeça para si pela decisão desastrada de minimizar a punição ao Twente: mesmo que o resultado dentro de campo tenha sido mantido (bem ou mal, a equipe garantiu a permanência jogando), toda a fraude nos balanços será repreendida com uma reles multa de 181 mil euros. Pronto. Coisa leniente demais, para os padrões do futebol europeu.

Enfim, o diretor esportivo do Twente, Onno Jacobs, pode se aliviar: “Agora, podemos encerrar esse capítulo feio e colocar uma pedra em cima dele”. Esportivamente, porém, o clube sabe que esta será uma temporada de reconstrução, como reconheceu o técnico René Hake na volta aos treinos, quarta passada: “A meta será permanecer na Eredivisie”. E os Tukkers assumem a nova realidade já no uniforme, com um fabricante mais modesto de material esportivo (a inglesa Sondico, no lugar da Nike) e um novo patrocinador (Pure Energie). Outro símbolo da redução de perspectivas é o fato de que o destaque Hakim Ziyech nem mesmo esteve com o resto do elenco: afinal, sabe-se que sua saída será uma possível salvação da lavoura. 

Todavia, a impressão ainda é que só o Twente tem algo a comemorar. Impressão descrita perfeitamente nas palavras do ex-jogador (do próprio clube, aliás) Youri Mulder, hoje comentarista: “É uma novela enorme, e a KNVB pode assumir a culpa”. Mais do que isso, Joost de Jong sintetizou perfeitamente: “Se algo com o Twente acontecesse aqui no Brasil, diríamos que é a república das bananas. Escapar com uma dívida desse tamanho é absurdo”.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 24 de junho de 2016)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

De Kabel: os 20 anos de uma briga mal explicada

A polêmica foto do almoço holandês na Euro 1996: símbolo de tempos turbulentos (Guus Dubbelman/Hollandse Hoogte)

Enquanto a Euro 2016 já corre em campos franceses, resta à Holanda esperar pacientemente pelo começo da temporada 2016/17. Nessa espera, nem mesmo o mercado de jogadores está aquecido. Até agora, somente se ouviu falar de contratações do Ajax, ambas vindas da Colômbia. A primeira está praticamente acertada: o atacante colombiano Mateo Casierra, 19 anos, vindo do Deportivo Cali. E também avançaram bem as negociações dos Ajacieden com Davinson Sánchez Mina, 20 anos, zagueiro do Nacional de Medellín, para vestir a camiseta alvirrubra após o fim da campanha dos Verdolagas na Copa Libertadores. Sem contar a possibilidade da volta de Klaas-Jan Huntelaar...

Deste modo, sem muita coisa acontecendo, resta lembrar um dos episódios mais confusos da história recente da seleção holandesa. Nesta semana, completaram-se 20 anos de uma das mais conhecidas brigas internas vividas na Laranja. Durante a primeira fase da Euro 1996, explodiu um conflito que crescera gradativamente. E até hoje, acredita-se fortemente no racismo e na divisão entre jogadores brancos e negros como a principal causa da forte turbulência vivida pelos holandeses na Inglaterra, país-sede daquela Euro. 

O fundo étnico é claro, mas houve mais coisas dentro daquele desentendimento. Por isso, a decisão por uma coluna explicando em tópicos (para tentar facilitar) o que aconteceu naquelas semanas turbulentas. 

Como começou a briga?

Não há uma data certa para marcar o início do racha. Talvez haja uma época certa: a segunda metade de 1995, quando o Ajax era possivelmente o melhor time do mundo, como campeão europeu, invicto desde março (e ficaria até janeiro de 1996). Uma geração formidável de jogadores despontava nos Amsterdammers. Muitos deles, de ascendência surinamesa, ou até nascidos na antiga colônia holandesa: Michael Reiziger, Winston Bogarde, Edgar Davids, Clarence Seedorf e Patrick Kluivert. Todos eles, apegados às raízes. A ponto de Bogarde ter dito “é para você, Suriname”, enquanto levantava a taça da Liga dos Campeões conquistada em maio.

Técnico da seleção holandesa desde janeiro daquele ano, Guus Hiddink fez daquele Ajax a base da Laranja. Foi o que o ajudou a superar uma campanha difícil nas eliminatórias da Euro 1996, em que a Holanda só garantiu a vaga na repescagem, contra a Irlanda. E foi justamente no jogo único que definiu o lugar no torneio continental que aquela geração começou a brilhar com a camisa da seleção: dos onze titulares, nove estavam na equipe de Louis van Gaal que espantava o futebol mundial.

Patrick Kluivert fez os dois gols na vitória (2 a 0) que colocou a Holanda na Euro, num jogo único em campo neutro (Liverpool), em 13 de dezembro de 1995. E aquele resultado consolidou o destaque dos descendentes de surinameses. E a vinculação deles seria batizada involuntariamente numa entrevista de Seedorf, Davids e Kluivert após o jogo, à NOS, emissora pública holandesa de tevê. Kluivert descreveu a situação em sua autobiografia: “No hotel em que estávamos, Frits Barend e Henk van Dorp [jornalistas holandeses] queriam uma entrevista com Clarence, Edgar e eu. Sentamos lado a lado, e durante a entrevista surgiu o termo kabel. Estávamos orgulhosos, sendo três rapazes surinameses, e enfatizamos nossa ótima relação”. E assim surgia a ideia de um grupo de jogadores negros, involuntariamente batizado como... “De Kabel” – em holandês, “o cabo”, “a linha”. Como se ambos estivessem unidos e isolados do restante do elenco.

Aí começa a polêmica sobre a suposta presença de racismo na seleção holandesa. Kluivert lamentou a repercussão da entrevista à NOS: “Ela foi tirada do contexto, e foi entendida por muitos como um racha entre brancos e negros na seleção holandesa. Um racha absolutamente inexistente”. Falando a um documentário feito especialmente sobre a participação da Holanda na Euro 1996, feito em 2008 para o programa Andere Tijden Sport, também da NOS, Winston Bogarde foi mais sucinto, lembrando da maioria negra no time que vencera a Irlanda, ainda em 1995: “Você tem de escalar os melhores jogadores. E estava claro que os negros eram os melhores, naquele momento”. Também ouvido no documentário de 2008, Ronald de Boer teorizou: “Eles [surinameses] sentiam-se importantes, subiam no pódio com a bandeira do Suriname... talvez fosse um modo inconsciente de dizer ‘somos irmãos, é hora de mostrarmos que o futebol holandês veio de lá’”. 

Chegou a Euro 1996, na Inglaterra. A não ser por Marc Overmars e Frank de Boer (este cortado às vésperas da estreia, por uma grave lesão no tornozelo), todos os protagonistas holandeses do Ajax estavam lá, de Edwin van der Sar a Kluivert, passando por Danny Blind, Seedorf e Davids. Para a estreia, em 10 de junho, contra a Escócia, em Birmingham, Danny Blind, capitão do Ajax, veterano (34 anos), começou no banco. Guus Hiddink escalou Davids mais recuado, como volante, enquanto Seedorf foi o armador no meio. Não deu muito certo: a Oranje decepcionou, empatando sem gols. Após o jogo, foi aceso o pavio de uma divisão imprevista. Hiddink criticou as atuações de Davids e Seedorf, consideradas imaturas: “Eles precisam jogar menos com o coração e mais com a cabeça”. Seedorf, 19 anos à época (mas já considerado maduro e ousado), replicou: “Eu questiono isso que ele falou, não sou um jogador burro”. Davids não falou nada. Nem precisaria, diante do que viria.

O pavio explodiu em 13 de junho de 1996, durante e após a segunda partida da Oranje na Euro, contra a Suíça, novamente em Birmingham. Davids começou no banco, e Seedorf iniciou jogando como volante recuado. Também não deu certo: sem muita velocidade, o meio-campista tinha dificuldades para conter os avanços dos suíços (principalmente do armador Ciriaco Sforza e do atacante Kubilay Türkyilmaz). Seedorf levou cartão amarelo já aos 14 minutos do primeiro tempo. Bastou: com apenas 26 minutos, Hiddink o tirou de campo, dando lugar ao zagueiro Johan de Kock. A Holanda ganhou por 2 a 0 – e Davids só entrou em campo nos dez minutos finais.

Mas o que merece destaque foi o que ocorreu no banco de reservas, durante o jogo: após sair, Seedorf ficou ao lado do colega Davids, conversando. Até hoje não se sabe qual foi o conteúdo. Mas Guus Hiddink não tem dúvidas, conforme escreveu em sua autobiografia: “Clarence saiu do campo, e obviamente estava irritado. Foi se sentar ao lado do amigo dele [Davids]. Fiquei ligado no jogo, mas olhava rápido atrás de mim e via aqueles dois. Gesticulando exageradamente. Sabendo que as câmeras estavam neles. Era desrespeitoso, era provocador. Aí pensei: ‘Podem esperar, vocês vão se ver comigo’”. Depois da partida em Birmingham, na zona mista, Seedorf ouviu as perguntas de um jornalista holandês sobre a alteração precoce e irritava-se: “Isso não é pergunta que se faça”. 

Mas coube a Davids explodir tudo. O meio-campo falou a um jornalista alemão: “Ele deveria parar de lamber o saco dos jogadores brancos, para ver melhor o time”. Mark van den Heuvel, jornalista holandês, passava por ali, gravando as entrevistas. Ouviu Davids e perguntou: “A quem você se refere?” “Ao técnico.” Com a fita gravada, Van den Heuvel entregou à NOS, que divulgou o áudio da entrevista. Foi o suficiente: no dia seguinte, 14 de junho de 1996, Hiddink cortou Davids da delegação holandesa. A briga estava aberta.

A foto da Oranje no jogo que explodiu a briga dentro da Euro 1996, contra a Suíça. Em pé: Van der Sar, Bogarde, Bergkamp, Jordi Cruyff, Seedorf e Hoekstra. Agachados; Blind, Richard Witschge, Winter, Ronald de Boer e Reiziger (Cor Coster/ANP Archief)

A divisão entre brancos e negros era geral?

Tudo leva a crer que não. Nem mesmo os jogadores negros de destaque estavam totalmente envolvidos na briga. Se é possível escolher protagonistas da questão, estes foram: Davids e Seedorf de um lado, contra Danny Blind e Ronald de Boer de outro. Até hoje não se sabe a verdade, mas há a versão de que Blind e Ronald estiveram na reunião da comissão técnica que definiu o corte de Davids. De resto, é impossível dizer que havia uma divisão entre todos os brancos e todos os negros da seleção holandesa. 

A clássica foto que abre este texto (de autoria do holandês Guus Dubbelman), tirada sob protestos de Guus Hiddink, é criticada até hoje por muitos jogadores daquele elenco. A foto mostra brancos e negros divididos na hora do almoço: numa mesa, Aron Winter, John Veldman, Gaston Taument, Kluivert e Bogarde, aparentemente separados dos outros brancos – aparentemente, porque Richard Witschge estava junto deles. E nas outras, os jogadores brancos.

A foto é criticada por indicar que a cisão era mais profunda do que de fato era. Começando por Kluivert, em sua biografia: “Fiquei muito irritado. Se o dono da câmera prestasse atenção, teria notado que no dia anterior eu tomara o café da manhã me sentando com Van der Sar, Frank de Boer e Blind. E almoçara com Jordi Cruyff, Peter Hoekstra e Youri Mulder. Colocaram uma bomba no ambiente da Oranje, e não tinha nada a ver com a realidade”. Finalmente, o ex-atacante lembrou a entrevista de 1995 em que a história do “Kabel” começou: “Não eram nada mais do que três jovens de ascendência surinamesa, que tinham expressado seu orgulho”.

E as acusações de racismo também foram rechaçadas fortemente, desde 1996. Entrevistado em 2012 pelo diário inglês The Guardian, o atacante reserva Youri Mulder acrescentou: “Kluivert era meu colega de quarto, e eu nunca senti isso dele [queixas de racismo]”. Van der Sar também comentou sobre o assunto, em sua autobiografia: “Muito barulho foi feito sobre aquela foto. É verdade que eles sempre se sentavam juntos, mas nós fazíamos isso também, [Arthur] Numan, [Jaap] Stam, Ronald de Boer, Jordi Cruyff e eu. Era assim no Ajax, também. Mas, do nada, virou assunto. Não tinha uma separação tão grande. Tanto no Ajax quanto na seleção holandesa, a gente se dava bem. Todo mundo se juntava nos quartos, brancos e negros, para jogar. Definitivamente, não havia reclamações sobre racismo”.

A partir da foto, também viraram assunto as diferenças culturais. A influência delas na formação desses grupos também foi lembrada por Mulder: “Almoçávamos no jardim. Tínhamos um cozinheiro na delegação, e ele também fazia comidas típicas do Suriname. É claro que os jogadores negros gostavam”. A iniciativa foi lembrada por Van der Sar: “Eu imagino que os descendentes de surinameses reclamassem da histórica preferência por pratos holandeses na seleção. Quando você come arroz quadro vezes por semana, fica chato comer batata cozida toda noite, de uma hora para outra. Eles comentaram sobre isso. Beleza. Hiddink concordou: ‘Eu sei, a partir de hoje vocês também comerão seus pratos preferidos’”. Finalmente, Michael Reiziger sintetizou a vinculação que unia seus colegas de ascendência, time, seleção e geração: “Nós nos falamos com facilidade, porque pensamos do mesmo jeito, viemos da mesma cultura, fazemos as mesmas brincadeiras”.

Davids, enquanto deixava o local de hospedagem da Holanda na Euro 1996; a tensão explodiu com ele e Hiddink (ANP Archief)
Mas qual teria sido a outra causa, mais forte do que racismo?

Talvez a causa mais forte do racha na seleção holandesa dentro da Euro 1996 tenha surgido após a expulsão de Davids por Hiddink. No dia seguinte, o técnico ordenou que os 21 jogadores remanescentes na delegação fizessem uma reunião, uma típica lavagem de roupa suja. Na autobiografia lançada em 2011, Van der Sar sintetizou bem o clima: “Eu estava chateado por Davids não estar mais lá [ambos são amigos], mas não tinha a impressão de que havia uma crise. Eu não sabia sobre o que estava ouvindo, até aquela reunião. Estávamos numa salinha, com umas mesas, e o técnico disse: ‘Podem começar’. Quando Hiddink saiu, explodiu uma tremenda discussão sobre os salários no Ajax. Reiziger começou, e Blind retrucou...”.

Numa entrevista à revista Profiel, em 2006, Winston Bogarde (o mais temperamental dos membros do eventual “Kabel”) confirmou: havia certa diferença salarial no Ajax entre negros e brancos, ordenada em três categorias salariais. No documentário de 2008, já mencionado aqui, Maarten Oldenhof, diretor comercial do Ajax na época, reconheceu a grande defasagem existente entre uma categoria e outra: “Havia a categoria A, para os melhores jogadores; a B, para os medianos; e a C, para aqueles que vinham de fora, ou das categorias de base”.

Oldenhof sustentou que havia promoção entre as categorias do elenco, com o óbvio aumento salarial. Mas Bogarde trouxe a grande complicação, em 2008: “Eu vim de fora, mas eu sabia o problema: os rapazes [negros] tinham um salário muito baixo. Todos eles: Michael [Reiziger], Edgar [Davids], Patrick [Kluivert], Finidi, Kanu...”. E a revista Voetbal International revelara, em 1995, alguns desses salários: Blind recebia cerca de 510 mil florins (moeda holandesa), assim como os irmãos De Boer. Davids recebia 100 mil florins; Seedorf e Kluivert, 80 mil florins.

Obviamente, a defasagem causava irritação. Ainda mais porque Blind e os irmãos Frank e Ronald de Boer representavam o elenco junto a diretoria, para questões salariais. E tal posto, somado aos números, levou à acusação (ainda hoje não comprovada) de que eles eram levados mais em conta do que o resto dos jogadores – incluindo Seedorf e Davids, dois jovens que já mostravam o espírito de liderança que teriam na carreira. Na época, Ronald de Boer elogiava ambos: “Seedorf e Davids já são mais experientes e se desenvolveram mais do que eu quando tinha a idade deles [nota: em 1996, Ronald tinha 26 anos; Davids, 23; e Seedorf, 20]. Deve-se levá-los a sério, ouvir o que têm a dizer”.

Depois daquela Euro, a discussão amainou um pouco. Reiziger e Davids deixaram o Ajax rumo ao Milan, e Seedorf já deixara o clube logo após o título europeu de 1995. Ainda assim, os destaques que ficaram no Ajax viveram outra turbulência por razões financeiras: na temporada 1996/97, a Croky (fabricante belga de batatas fritas estilo "chips") quis pagar os jogadores do clube para que suas imagens estampassem figurinhas, a serem distribuídas nos pacotes. Como representantes do elenco para as questões financeiras, Danny Blind e Ronald de Boer acertaram o contrato. Por 500 mil florins, a Croky ganhou os direitos de imagem de todo o elenco. 

O problema: Blind e Ronald fizeram a negociação sem reuniões com os outros jogadores. E três dles negaram-se a assinar o contrato, inicialmente: Bogarde e Kluivert, além de John Veldman (que não era parte do "Kabel", embora fosse negro e estivesse na Euro 1996). Bogarde justificou a negativa: "Não era pelo dinheiro. Era puramente pela maneira como o assunto foi conduzido. Eles se deram o direito de fazer o negócio em nome do grupo. Eles determinavam quanto cada um iria receber. E a gente que ficasse satisfeito". Coincidência ou não, o Ajax terminou a Eredivisie 1996/97 apenas na quarta posição. E Kluivert e Bogarde deixaram o clube no final daquela temporada, ambos em transferência para o Milan.

Como acabou a discussão?

Alquebrada psicologicamente nos dias após a expulsão de Davids, a Holanda foi facilmente goleada pela Inglaterra, no último jogo da fase de grupos (4 a 1). Ainda assim, ficou com a vaga nas quartas de final, por marcar dois gols a mais do que a Escócia. Dali por diante, o clima foi sintetizado por Bogarde, em 2008: “Eu sabia do problema, eu apoiava os outros jovens negros, mas eu tinha uma meta: vencer a Euro”. Assim, a Oranje se recompôs minimamente para as quartas, contra a França. E fez um duelo tenso contra os Bleus, sendo eliminada nos pênaltis após 0 a 0 em 120 minutos – no 5 a 4 após as cobranças, o único chute perdido foi de Seedorf, que jogou normalmente.

Encerrada aquela turbulenta participação na Euro, já se previa que a divisão interna no elenco não iria longe. Por duas razões. A primeira cabe num parágrafo escrito pelo jornalista Simon Kuper, na revista inglesa When Saturday Comes, em agosto de 1996: “Os jogadores brancos não estão muito interessados. Blind e De Boer alegam ter aconselhado Hiddink a escalar Davids contra a Suíça. Aos 35 anos, Blind não deverá ter muito mais tempo na seleção. E todos os outros brancos dizem que não é da conta deles. Dennis Bergkamp e Edwin van der Sar são daquela raríssima linhagem de jogadores holandeses que detestam discussões (...) E os irmãos De Boer têm carisma de menos para se envolverem em debates”.

A segunda foi mais prática: logo após a Euro 1996, em agosto, Guus Hiddink instituiu uma cartilha. Batizada popularmente como “Manifesto de Noordwijk”, tratava-se de uma relação de dez normas de comportamento para todos os jogadores, em relação à imprensa e à torcida (que, claro, culpava os jogadores pela decepção na Euro). Paralelamente, como punição, Hiddink deixou Davids por mais de um ano fora das convocações da Laranja, alegando que não poderia garanti-lo como titular. E adotou um estilo mais restrito, até autoritário, como treinador daquela seleção. Deu certo: aquela geração de jogadores voltou a jogar sem levar mágoas para dentro de campo. Já em 1998, Hiddink decidiu chamar Davids de volta, por reconhecer que não poderia prescindir do volante, vivendo uma de suas grandes fases: “Edgar chegou, nos saudou amistosamente, leu a cartilha e disse: ‘Tudo bem, na Juventus também fazem isso’”.

E o clima foi o melhor possível na Copa de 1998. A opinião é unânime, entre torcida, imprensa e atletas: naquele torneio, a Oranje teve um grupo bem concentrado e focado. Já durante aquela Copa, Seedorf explicou à imprensa sobre a mudança desde a Euro: “Desde então, os jogadores cresceram. Às vezes, o técnico faz escolhas que parecem prejudiciais a alguns, mas eles logo se recuperam de novo. Isso dá uma sensação positiva. Não é só o fato de Davids estar de novo incluído no grupo. O fato de termos vencido um jogo por nos esforçarmos muito, após um longo tempo, diz muito sobre a harmonia nesta seleção”, comentou o camisa 10 da Oranje naquele torneio, sobre a vitória nas oitavas de final, sobre a Iugoslávia.

O curioso é que foi justamente uma cena na comemoração do triunfo dramático sobre os iugoslavos (com gol de Davids, nos acréscimos do segundo tempo) que levou a imprensa a especular sobre novos problemas entre brancos e negros. Logo após o apito final no estádio de Toulouse, todos os jogadores se abraçaram no meio do campo. Por trás, Bogarde e o reserva Pierre van Hooijdonk abraçaram Van der Sar, que se incomodou e socou o zagueiro – que, por sua vez, olhou feio para o goleiro. Só em 2011 Van der Sar explicou direito, em sua biografia: “Na comemoração, veio um braço direto na minha goela. Eu não conseguia respirar, e soquei o braço. Parecia o braço de Bogarde, e eu realmente fui para cima dele. Mas era o braço de Van Hooijdonk, depois notei. Aí,  na zona mista, os jornalistas começaram a falar sobre isso. Virou assunto. Quando um repórter começou com a história de problemas étnicos, eu fiquei furioso: ‘Que problemas de raça? Não tem nada disso atualmente!’”.

Nos dias seguintes, Van der Sar reconheceu à imprensa: “Não deveria ter reagido daquele jeito. Falei com Winston [Bogarde] ainda no vestiário”. Ao biógrafo, o ex-goleiro lembrou: “No dia seguinte ao jogo, eu cheguei rápido a Bogarde antes do treino: ‘Winston, há algum problema, há algo que queira falar?’. Ele: ‘Não tem nada. No que me diz respeito, está tudo bem, podemos seguir normalmente’. E eu: ‘Boa, então tudo certo’”. Perguntado sobre o incidente, também na zona mista, Guus Hiddink chegou até a rir sobre a hipótese de aquilo significar um grande problema. O resultado da união e do foco holandeses na Copa de 1998 é sabido: ótimas atuações naquele torneio, resultando na doída e marcante eliminação para o Brasil, nas semifinais.

E talvez a grande prova de que as mágoas tenham sido restritas à Euro 1996 é que os jogadores que haviam começado juntos no Ajax até hoje mantêm relação cordial. Basta lembrar o reencontro da maioria daqueles jogadores, na festa de encerramento da carreira de Van der Sar, em agosto de 2011. De todos, envolvidos e não-envolvidos na “questão Kabel”, brancos e negros, apenas Seedorf não pôde estar presente, por estar em pré-temporada com o Milan.

O Ajax de 1995: após idas e vindas, a reunião. Em pé: Finidi, Overmars, Reiziger, Kanu, Van den Brom, Van der Sar, Kluivert, Bogarde, Rijkaard e Grim. Agachados: Wooter, Ronald de Boer, Blind, Musampa e Frank de Boer (Gerard van Hees/Ajax,nl)


Comemoração do gol de Marc Overmars no amistoso contra a Holanda de 1998, num dos jogos da despedida de Van der Sar. Da esquerda para a direita, Frank de Boer, Davids, Bogarde, Reiziger, Kanu, Overmars, Ronald de Boer, Wooter e Van den Brom (Gerard van Hees/Ajax.nl)

O que se pode concluir?

Que a cisão na Euro 1996 teve componente étnico, claro. Mas foi apenas uma causa, não a principal. Cabe citar, novamente, Simon Kuper: “Nenhum dos negros quis sugerir que Hiddink, De Boer ou Blind foi deliberadamente racista. Eles só pensam que o técnico foi insensível. Acham que ele os vê como negros talentosos, de uma cultura semelhante à do rap, não como líderes. Claramente Hiddink subestimou o pedido deles por respeito”. Acabado o torneio, os ânimos se acalmaram, e cada um daqueles jogadores tocou sua própria carreira ao longo dos anos. Como em vários times marcantes de futebol.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 17 de junho de 2016)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Análise da Eredivisie 2015/16 (II – a parte de cima)

O PSV viveu um sonho na temporada atual: com regularidade e sorte, chegou ao bicampeonato (Pieter Stam de Jonge/VI Images)
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 10 de junho de 2016)

“Está chegando a hora. A torcida holandesa já se assanha, embora extremamente desconfiada. A imprensa elucubra sobre as hipóteses de escalação, mas não adianta: o técnico Danny Blind não dá dica alguma sobre quais serão os titulares no 4-3-3 com que a seleção da Holanda estreará na Euro 2016, na próxima terça, contra a Hungria, em Bordeaux. Com Robin van Persie e Klaas-Jan Huntelaar fora da convocação, será que a revelação Vincent Janssen já aguentará a pressão de ser titular? E Wesley Sneijder, voltando de lesão nas costelas, será o dono do meio-campo? Memphis Depay responderá em campo às críticas, após a temporada decepcionante no Manchester United?E finalmente: dará certo a aposta arriscada em Arjen Robben (sempre ele), que começa no banco de reservas, mas não podia ficar de fora da Euro, como único craque holandês da atualidade?”

Opa! Desculpe a nossa falha! Este primeiro parágrafo, obviamente, é uma brincadeira. Mas, de fato, muita gente (jornalistas e torcedores) ainda se esquece de que a Laranja está ausente do torneio europeu de seleções que se inicia nesta sexta. Fazendo a cobertura do torneio para a revista Voetbal International, o jornalista holandês Simon Zwartkruis descreveu o drama que vive na França, em um diário de bordo: “O dia nem começou e a pergunta já foi feita umas dez vezes. Seja de um jornalista estrangeiro, um empregado do hotel, um voluntário no estádio, um garçom ou um nativo, vem o pedido inevitável para falar sobre a ausência da Oranje”.

O pior é que a seleção holandesa até deu razões para otimismo – muito leve, mas um otimismo -, ao vencer Polônia e Áustria em amistosos na semana passada, indicando pequena evolução. Sem contar que a janela de transferências ainda não começou para valer: os únicos boatos falam das saídas de Jeffrey Bruma (estaria disputado entre Wolfsburg e Internazionale) e Vincent Janssen (ele quer sair, o AZ diz não ter recebido proposta oficial, mas o Tottenham já sonda o atacante). Enfim, a realidade é inescapável: ao invés da Euro, resta à coluna terminar a análise da temporada 2015/16.

PSV
Colocação final: Campeão, com 84 pontos
Técnico: Phillip Cocu
Maior vitória: Cambuur 0x6 PSV (5ª rodada)
Maior derrota: PSV 0x2 Ajax (28ª rodada)
Principal jogador: Luuk de Jong (atacante)
Artilheiro: Luuk de Jong (26 gols)
Quem mais partidas jogou: Jeroen Zoet (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo Utrecht
Competição continental: Liga dos Campeões (eliminado nas oitavas de final, pelo Atlético de Madrid-ESP)
Conceito da temporada: ótimo

Durante toda a temporada, o PSV esbanjou consistência e segurança. Nem parecia que o time de Eindhoven havia sofrido duras perdas, com as saídas de Memphis Depay e Georginio Wijnaldum. Aí entrou o mérito da diretoria, contratando com precisão: a chegada de Davy Pröpper até fortaleceu a armação das jogadas, deixando Andrés Guardado menos carregado, e Maxime Lestienne se entrosou rapidamente no ataque enquanto pôde (as mortes repentinas de seus pais, em sequência, interromperam a boa temporada que o belga fazia, ao forçar seu afastamento para ajudar a família). Na defesa, embora tenha começado com exageros claros, Héctor Moreno também não demorou para formar dupla de zaga segura com Jeffrey Bruma.

Quando o returno começou, já se podia dizer que a temporada do PSV estava “ganha”, fosse qual fosse o destino do clube nas competições. Só o fato de ter, enfim, marcado a presença holandesa nas oitavas de final da Liga dos Campeões (não acontecia desde 2006/07), já colocava os Boeren em outro nível. De quebra, uma contratação feita em janeiro, que parecia apenas para fortalecer o elenco, deu muito certo: Marco van Ginkel caiu tão bem no meio-campo quanto Pröpper, e ajudava mais o ataque, onde Luuk de Jong era o protagonista supremo, comandando o time com seus gols e sua capitania. De quebra, atacante improvisado na ponta-esquerda, Jürgen Locadia não se saiu mal, como provaram suas convocações para a seleção holandesa.

E ser eliminado como foi na Champions, só caindo diante do futuro finalista Atlético de Madrid nos pênaltis, aumentou ainda mais a respeitabilidade do PSV. O problema é que aumentou também o cansaço da equipe, que enfrentou no fim de semana seguinte o Ajax, adversário direto pelo título. E a derrota por 2 a 0 parecia acabar com o sonho do título. Só restava ao time ser competitivo e confiável, suas duas melhores características. Ele foi, e teve a sorte merecida na última rodada, ganhando o bicampeonato holandês. Dominante no cenário nacional, e respeitável nas competições continentais: o PSV representa tudo que um clube holandês pode almejar, atualmente.

O Ajax de Davy Klaassen achou que o título holandês estava próximo. O De Graafschap mergulhou o time na decepção (Erwin Spek/ANP/Pro Shots)
Ajax
Colocação final: Vice-campeão, com 82 pontos
Técnico: Frank de Boer
Maior vitória: Ajax 6x0 Roda JC (11ª rodada)
Maior derrota: Ajax 1x2 PSV (8ª rodada)
Principais jogadores: Davy Klaassen (meio-campista) e Arkadiusz Milik (atacante)
Artilheiro: Arkadiusz Milik (20 gols)
Quem mais partidas jogou: Joël Veltman (zagueiro) e Nemanja Gudelj (meio-campista), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na terceira fase, pelo Feyenoord
Competições continentais: Liga dos Campeões (eliminado na terceira fase preliminar, pelo Rapid Viena-AUT) e Liga Europa (eliminado na fase de grupos)
Conceito da temporada: regular

Começar a temporada 2015/16 do Campeonato Holandês sob o signo de uma eliminação vexatória na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões, perdendo em casa para o Rapid Viena austríaco, era totalmente desnecessário para o Ajax. Mas também simbolizava o que a equipe de Amsterdã era, dentro de campo: até elogiável no ataque, mas totalmente insegura e frágil defensivamente. E nem mesmo o começo fulgurante na Eredivisie (nas sete primeiras rodadas, seis vitórias e um empate) apagavam o fato de que os Ajacieden eram totalmente inconstantes em campo. A prova disso foi a primeira derrota: em plena Amsterdam Arena, 2 a 1 para o... PSV.

Pelo menos, o Ajax conseguiu cumprir a tarefa “obrigatória” de vencer os pequenos, e segurar-se na liderança do Holandês ao final do primeiro turno. Só que a pressão continuava, ainda mais pelas atuações apagadas na fase de grupos da Liga Europa (não vencer nenhum jogo em casa na fase de grupos foi algo decepcionante). Logo, não impressionou ninguém a perda da liderança, na 21ª rodada, empatando com o Roda JC quando o PSV já vencera o De Graafschap. Só aí, aos poucos, Frank de Boer conseguiu encaixar mudanças benéficas para a equipe. Com as lesões de Kenny Tete e Jaïro Riedewald, Joël Veltman foi para a lateral direita, enquanto Nick Viergever entrou na zaga. E deu certo. Bem como a efetivação de Amin Younes pela esquerda, no ataque. Sem contar o domínio que Davy Klaassen exerceu na equipe, comandando a armação de jogadas e ajudando os colegas a terem melhor posicionamento.

Com o crescimento de produção de titulares absolutos (Riechedly Bazoer, Nemanja Gudelj e, principalmente, Arkadiusz "Arek" Milik, que começou a fazer muitos gols na parte final da Eredivisie), o Ajax conseguiu o que parecia duvidoso: se recompôs, e partiu para buscar a liderança. E conseguiu retomá-la em atuação impecável contra o PSV, na 28ª rodada, fazendo os Eindhovenaren provarem do próprio veneno: ganharam o jogo em contragolpes. Só que a defesa voltava a ratear periodicamente, como no empate contra o Utrecht. Ainda assim, esperava-se, pelo menos, que os Amsterdammers vencessem seus compromissos finais, mais fáceis, para garantirem um título que parecia garantido. O De Graafschap não deixou, expondo a insegurança e a inconstância do Ajax, que nunca pareceu ter “plano B” em caso de adversidade. Por isso, novo fracasso ao final da temporada. A saída de Frank de Boer, já previsível, abre espaço para a mudança esperada e necessária.

Mesmo em momentos difíceis, Kuyt sempre justificou a confiança da torcida do Feyenoord (Stanley Gontha/ANP)
Feyenoord
Colocação final: 3º colocado, com 63 pontos
Técnico: Giovanni van Bronckhorst
Maior vitória: Feyenoord 5x0 Twente (13ª rodada)
Maior derrota: AZ 4x2 Feyenoord (19ª rodada)
Principal jogador: Dirk Kuyt (atacante)
Artilheiro: Dirk Kuyt (19 gols)
Quem mais partidas jogou: Kenneth Vermeer (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: Campeão
Competição continental: nenhuma 
Conceito da temporada: bom

Embora as atuações do primeiro turno pudessem ser consideradas boas, dando esperanças reais de que, enfim, o Feyenoord sairia da fila de 17 anos, ficava o alerta: um empate e uma derrota nas duas últimas rodadas disputadas em 2015 precisavam ser revertidos assim que 2016 começasse. E não havia melhor modo do Stadionclub falar grosso do que vencer o rival PSV, em pleno De Kuip, logo na primeira rodada do returno, para confirmar que estava a sério na disputa do título holandês. Mas outra decepção aconteceu. A pressão até veio da parte dos Feyenoorders, mas jogando nos contragolpes, como gosta, o PSV segurou a barra e fez 2 a 0.

Estava iniciada a derrocada definitiva que destruiu o sonho de acabar com o jejum: entre a 18ª e a 24ª rodada, foram seis derrotas e um empate. Com a defesa excessivamente exposta (principalmente nas laterais) e um meio-campo sem poder de criação, o ataque ficava sem ação e sem confiança. Resultado: torcida frustrada e furiosa, e uma crise crescente, que ameaçou até a terceira posição, pela ascensão impressionante do AZ na tabela. Pensou-se até em demissão de Van Bronckhorst. O antigo ídolo, agora técnico novato, escapou dela. Mas passou algumas rodadas ouvindo os conselhos do “auxiliar pontual” Dick Advocaat, contratado exatamente para isso. 

Não se sabe até que ponto isso ajudou, mas só ali o Feyenoord voltou a crescer. A defesa enfim se acalmou, com Eric Botteghin e Sven van Beek estabilizados no miolo, além de um goleiro confiável em Vermeer; no meio-campo, Tonny Trindade de Vilhena aumentou ainda mais o seu destaque, com rapidez e fôlego até para ajudar o ataque; e Dirk Kuyt era sempre o homem de confiança, mesmo nos piores momentos. E o time se estabilizou, ficando invicto nas doze rodadas seguintes (dez vitórias e dois empates) e se aprumando para, pelo menos, ter dois prêmios de consolação: o título da Copa da Holanda, primeiro troféu do Feyenoord desde 2007/08, e a consequente vaga na Liga Europa. Não era bem o título que todos queriam. Mas, diante do que a temporada foi durante um certo momento, poderia ter sido bem pior. Quem sabe em 2016/17...

Vincent Janssen merece todos os aplausos: protagonizou a incrível reação do AZ na temporada (Laurens Lindhout/VI Images)
AZ
Colocação final: 4º colocado, com 59 pontos
Técnico: John van den Brom
Maior vitória: AZ 5x1 Zwolle (31ª rodada)
Maior derrota: Ajax 4x1 AZ (25ª rodada)
Principal jogador: Vincent Janssen (atacante)
Artilheiro: Vincent Janssen (27 gols)
Quem mais partidas jogou: Vincent Janssen (atacante), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na semifinal, pelo Feyenoord
Competição continental: Liga Europa (eliminado na fase de grupos)
Conceito da temporada: ótimo

Quando o primeiro turno da Eredivisie terminou, a decepção com o AZ era indisfarçável. O time de Alkmaar tinha condições de estar bem acima da 12ª posição que ocupava naquele momento, mas sofria com a falta de entrosamento que apenas começava a ser solucionada. A inconstância era um grande defeito até então, e o elenco ainda jovem sentia falta de referências (que então apenas chegavam, com a volta de Ron Vlaar e Mounir El Hamdaoui – este logo sairia). E o trecho desta coluna na análise do AZ no primeiro turno era definitivo: “A não ser por uma reação impressionante, o AZ dificilmente conseguirá apagar a pesarosa decepção que está protagonizando atualmente”.

E como conseguiu! Que diferença no returno! A “intertemporada” serviu inegavelmente para consertar o que falhava. Vlaar encaixou-se na zaga, e virou o líder que faltava; no meio-campo, Markus Henriksen cresceu de produção na armação, com o promissor Joris van Overeem como coadjuvante, enquanto Ben Rienstra cuidava da armação. E Vincent Janssen quase dispensa apresentações: basta dizer que tinha apenas 6 gols até a pausa de janeiro, e depois dela disparou rumo à artilharia do campeonato. Isso, não só colocando a bola na rede, mas também voltando para ajudar na criação de jogadas, se oferecendo como a opção e buscando a bola. De reforço apenas promissor vindo do Almere City (segunda divisão), Janssen converteu-se na grande revelação da temporada, já com uma posição garantida entre os titulares da seleção holandesa.

Com suas atuações elogiáveis, Janssen foi o símbolo inegável de uma ascensão quase irresistível do AZ: no início do returno, foram sete vitórias nas sete primeiras rodadas, levando a equipe da 12ª à 3ª posição sem escalas. Derrotas justas para Ajax e PSV tiraram o devaneio do título. Mas a boa fase manteve-se, com a terceira melhor campanha do returno, e os Alkmaarders cumpriram o objetivo: novamente, uma vaga em competições europeias. Com uma reação das mais marcantes dos últimos tempos no futebol holandês.

Sébastien Haller, novamente, foi o destaque supremo de um bom time do Utrecht (Maurice van Steen/VI Images)
Utrecht
Colocação final: 5º colocado, com 53 pontos
Técnico: Erik ten Hag
Maior vitória: Heerenveen 0x4 Utrecht (26ª rodada)
Maiores derrotas: Willem II 3x1 PSV (6ª rodada), PSV 3x1 Utrecht (12ª rodada) e Twente 3x1 Utrecht (21ª rodada)
Principais jogadores: Sébastien Haller (atacante) e Bart Ramselaar (meio-campista) 
Artilheiro: Sébastien Haller (19 gols)
Quem mais partidas jogou: Bart Ramselaar e Sébastien Haller, com 37 partidas (33 da temporada regular, mais as quatro do play-off por vaga na Liga Europa)
Copa nacional: vice-campeão
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: bom

Dá para dizer que a temporada do Utrecht só não foi melhor pelo anticlímax do final de temporada: perder em casa a vaga na Liga Europa para o Heracles foi um duro golpe (até em termos financeiros: embora a situação não seja aflitiva, o clube contava com o dinheiro). Ainda assim, o objetivo primordial dos Utregs quando a temporada começou nem era alcançar qualquer vaga, mas sim mostrar um estilo de jogo mais agradável e competitivo que o das últimas temporadas. E tal objetivo foi cumprido. Se parecia “parte do bolo” no primeiro turno, apenas uma entre as equipes que perseguiam vaga na zona do play-off pela Liga Europa, o Utrecht destacou-se no returno.

Primeiro, pela evolução de vários jogadores: além de Haller, cujo destaque só se consolidou em mais uma ótima temporada (se não saiu em janeiro, certamente agora o atacante francês estará perto de deixar De Galgenwaard). Saltaram aos olhos revelações, como o zagueiro Timo Letschert e o volante Bart Ramselaar (ambos até lembrados por Danny Blind em pré-convocações para a seleção), e também veteranos ressurgidos, como o atacante Ruud Boymans. Num ofensivo 4-4-2 pensado pelo técnico Erik ten Hag, a equipe despontou no returno, superando um Heracles mais irregular e os decadentes NEC e Vitesse. Até sonhou com a terceira posição, mas o AZ estava um passo à frente.

Ainda assim, participar do play-off final pela Liga Europa era bem merecido, e os Utregs poderiam até ser considerados favoritos. Provaram isso na "semifinal", contra o Zwolle: após um empate truncado sem gols no jogo de ida, uma goleada inquestionável na volta (5 a 2). Na final, como um time em momento até mais confiável do que o Heracles, conseguiu bom resultado na ida (1 a 1). Em casa, na decisão, tinha tudo para ganhar a vaga na Liga Europa. Mas uma notícia estranha veio à tona dois dias antes: mesmo com a vaga, o Utrecht poderia ficar de fora do torneio europeu, por falta de informações financeiras em sua licença na KNVB. E finalmente, veio a decepção em campo: sucumbir ao Heracles, que levou o jogo cautelosamente até fazer dois gols fatais, no segundo tempo. A temporada terminou dando um nó na garganta. Mas ele não invalida a ótima temporada do Utrecht.


O Heracles decaiu, teve dificuldades para reagir, mas conseguiu arrancar rumo à Liga Europa (Pieter Stam de Jonge/VI Images)
Heracles
Colocação final: 6º colocado, com 51 pontos
Técnico: John Stegeman
Maior vitória: Cambuur 1x6 Heracles (3ª rodada)
Maior derrota: Heracles 0x5 Roda JC (25ª rodada)
Principal jogador: Iliass Bel Hassani (meio-campista)
Artilheiro: Wout Weghorst (14 gols)
Quem mais partidas jogou: Bram Castro (goleiro) e Joey Pelupessy (meio-campista), que jogaram todas as 38 partidas (34 da temporada regular, mais as quatro do play-off por vaga na Liga Europa)
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo PSV
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: bom

Quando terminou a primeira metade da temporada, o Heracles era a surpresa mais agradável da competição. Com um estilo de jogo veloz, e um ataque muito insinuante (principalmente pelas pontas), a equipe da cidade de Almelo não estava só prestigiada; estava também cotada para ser “a melhor do resto”, despontava como aquela que mais impressionava – até por ter vencido com autoridade o PSV, já então um dos líderes, e por ter até frequentado a liderança da Eredivisie, em três rodadas. E mesmo com tanta gente a se elogiar no ataque, um destaque parecia unânime: o ponta-direita Oussama Tannane. Mas veio a pausa de inverno, e Tannane tomou o caminho do Saint-Etienne. 

Os Heraclieden sentiram o duro baque dessa perda no returno, inegável e compreensivelmente. Chegaram a sofrer uma sequência de quatro derrotas (com direito a 6 a 3 para o AZ, que lhes tomou o destaque, e um humilhante 5 a 0 para o Roda JC). Chegaram até a cair para a nona posição, fora da zona do play-off pela Liga Europa. Mas a adaptação aconteceu, ainda que aos trancos e barrancos. Wout Weghorst assumiu o protagonismo e começou a marcar gols, enquanto Iliass Bel Hassani, já um bom coadjuvante, se convertia no principal armador. A mudança não devolveu o destaque, mas fez o time conseguir seu lugar no play-off, ainda que de modo mais apagado do que em momentos anteriores.

E seria na Nacompetitie que o Heracles reagiria para a arrancada final. Na "semifinal", contra o Groningen, após perder por 2 a 1 no jogo de ida, caía por 1 a 0 em casa, na volta. Até os 38 minutos do segundo tempo, quando empatou. E aí, partiu para ganhar a vaga na final de modo dramático: virou para 2 a 1 nos acréscimos, e na prorrogação conseguiu golear (5 a 1). Motivadíssimo, contra o Utrecht, soube defender-se de um adversário em melhor momento, e ganhou o prêmio: a vaga na Liga Europa, no que será a primeira participação da história do Heracles num torneio continental. Por linhas tortas, os Almelöers conseguiram o que mereciam, afinal.

Numa temporada irregular do Groningen, Rusnák foi dos raros jogadores a ter presença certa em campo (Erwin Spek/ANP)
Groningen
Colocação final: 7º colocado, com 50 pontos
Técnico: Erwin van de Looi
Maior vitória: Groningen 3x1 Heerenveen (5ª rodada), Groningen 3x1 De Graafschap (30ª rodada) e Groningen 3x1 Heracles (34ª rodada)
Maior derrota: Vitesse 5x0 Groningen (8ª rodada)
Principal jogador: Albert Rusnák (atacante)
Artilheiro: Michael de Leeuw (9 gols)
Quem mais partidas jogou: Sergio Padt (goleiro), que jogou todas as 36 partidas (34 da temporada regular, mais duas do play-off por vaga na Liga Europa) 
Copa nacional: eliminado na terceira fase, pelo Utrecht
Competição continental: Liga Europa (eliminado na fase de grupos)
Conceito da temporada: regular

Com um elenco de qualidade técnica até boa, para os padrões do futebol holandês, o Groningen poderia ter feito uma campanha mais constante nesta temporada. Passou longe disso. Ir sem escalas da euforia à depressão (e vice-versa) foi a tônica para a equipe do norte holandês. Basta notar o que se sucedeu entre o primeiro e o segundo turno. Terminando as primeiras 17 rodadas na oitava colocação, o time alviverde estava bem na disputa por um lugar na zona do play-off – de fato, sua aspiração mais plausível no campeonato.

Após a pausa de inverno, bastou o returno começar para se acreditar que tudo estava perdido. Os jogadores rendiam abaixo do esperado, e o técnico Erwin van de Looi não colaborava, ao pensar um esquema considerado defensivo demais (além de hesitar exageradamente na escolha dele) e ao deixar no banco um destaque técnico inegável, Michael de Leeuw. E nas dez primeiras rodadas do returno, dois empates e oito derrotas - seis delas consecutivas – deixaram o clima num desalento tão grande que Van de Looi anunciou a saída do clube ainda antes do fim da temporada. Curiosamente, foi quando a situação mudou: nos últimos seis jogos, cinco vitórias e um empate levaram os Groningers rumo ao play-off.

Quase deu para superar o Heracles, na "semifinal" da Nacompetitie. Só que a vontade fervilhante dos Almelöers os levou a uma memorável virada. Mas, pelo menos, estar no play-off serviu para o Groningen terminar melhor o campeonato. Fica para Ernest Faber, o próximo técnico, a tarefa de dar mais regularidade ao elenco.

Os gols de Veldwijk ajudaram o Zwolle em mais uma temporada segura e elogiável (ANP/Pro Shots)
Zwolle
Colocação final: 8º colocado, com 48 pontos
Técnico: Ron Jans
Maior vitória: Roda JC 0x5 Zwolle (13ª rodada)
Maior derrota: Zwolle 1x5 Vitesse (9ª rodada) e AZ 5x1 Zwolle (31ª rodada)
Principal jogador: Lars Veldwijk (atacante)
Artilheiro: Lars Veldwijk (14 gols)
Quem mais partidas jogou: Queensy Menig (meio-campista) e Lars Veldwijk (atacante), com 35 partidas (33 pela temporada regular, mais duas do play-off por vaga na Liga Europa)
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Feyenoord 
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: bom

Todo cuidado é pouco. Este foi o lema do Zwolle na temporada 2015/16, pode-se dizer. Já no primeiro turno, o time da cidade homônima se colocou onde queria: na disputa de vaga no play-off da Liga Europa. Dentro de campo, cabia não se desgarrar dessa região da tabela e manter a já conhecida solidez tática da equipe. Fora de campo, era melhor manter o olho vivo nas contas, já que a federação holandesa incluía o clube na perigosa “categoria 1”, que relaciona as agremiações com sérios riscos financeiros. Conseguir conciliar as duas metas seria o melhor dos mundos – e mais um passo na tarefa de tornar o clube autossustentável e frequente na Eredivisie, após o sucesso das duas últimas temporadas. E os “Dedos Azuis” conseguiram. 

Fora de campo, foi mais fácil: a venda do zagueiro australiano Trent Sainsbury foi providencial para aliviar as contas. Dentro de campo, houve riscos. Embora os jogadores emprestados do Ajax (Queensy Menig e Sheraldo Becker) dessem rapidez ao 4-2-3-1 habitual de Ron Jans – com Lars Veldwijk como garantia de chances de gol, no mínimo -, o Zwolle passou boa parte do returno perto da zona do play-off, mas fora dela. Aí entrou a sorte: a boa campanha em casa, mais os tropeços dos adversários diretos, colocaram a equipe onde ela queria, nas duas últimas rodadas.

Veio a Nacompetitie pela Liga Europa, e os Zwollenaren caíram já nas semifinais para o Utrecht – de fato, um time melhor e mais técnico. Mas outra temporada satisfatória estava garantida. De quebra, o clube recebeu a notícia: a KNVB tirou-o da zona de perigo financeiro da entidade, colocando-o em situação mais segura. Pelo visto, o Zwolle está gostando da ideia de virar um clube “médio” no futebol holandês.

"Vako" Qazaishvili simboliza o desalento: indefinições e falhas derrubaram Vitesse no returno (Jeroen Putmans/VI Images)

Vitesse
Colocação final: 9ª colocação, com 46 pontos
Técnico: Peter Bosz (até a 17ª rodada) e Rob Maas
Maior vitória: Vitesse 5x0 Groningen (8ª rodada)
Maior derrota: Vitesse 1×3 Ajax (10ª rodada) e Vitesse 1×3 Utrecht (33ª rodada)
Principais jogadores: Valeri Qazaishvili (meio-campista) e Eloy Room (goleiro)
Artilheiro: Valeri Qazaishvili (10 gols)
Quem mais partidas jogou: Eloy Room (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Heracles
Competição continental: Liga Europa (eliminado na terceira fase preliminar, pelo Southampton-ING)
Conceito da temporada: regular 

Decepção. Não há outra palavra que possa exprimir o que foi a temporada para o time aurinegro da cidade de Arnhem. Pelo que fizera na primeira metade da temporada, a equipe disputava com o Heracles o posto de futebol mais ofensivo e atraente do Campeonato Holandês. Podia até variar bastante em seu esquema: 4-4-2, 4-3-3, 4-3-1-2... e sempre buscando o ataque. Mas se como o Heracles sofreu ao perder Oussama Tannane na janela de transferências, com o Vites foi até pior: a saída do técnico Peter Bosz, rumo ao Maccabi Tel Aviv, foi totalmente inesperada e repentina. O elenco ficava, mas caberia a Rob Maas, auxiliar de Bosz promovido ao comando, manter o alto nível.

E Maas não conseguiu. A torcida mirou a maioria das críticas no treinador, fosse pela indecisão no esquema tático, fosse por decisões impopulares (como colocar no banco o zagueiro georgiano Guram Kashia, capitão e figura querida entre os adeptos), fosse até pela queda brusca no returno (13º lugar, computando apenas as últimas 17 rodadas). Com os jogadores, a crítica era pela apatia: a velocidade do primeiro turno deu lugar a um time lento, inseguro, que às vezes sequer dava um chute a gol. E o castigo demorou, mas veio: três derrotas e três empates nas últimas seis rodadas da Eredivisie eliminaram até a chance de chegar ao play-off pela vaga na Liga Europa, e inviabilizaram a continuação de Rob Maas no comando da equipe. De fato, um final que em nada lembrou a equipe promissora do turno. Ou seja, o Vitesse foi uma... decepção.

sábado, 4 de junho de 2016

Evolução clara

A foto retrata a comemoração do gol de Wijnaldum. A seleção da Holanda tem muito mais a comemorar (AFP)
Há uma semana e um dia, este blog cravava que a seleção holandesa estava "ordinária", após a apática atuação no empate em 1 a 1 contra a Irlanda, em amistoso. Pois bem: agora, falará em outro tom. Porque o tempo passou, e o clima de depressão desapareceu quase completamente de imprensa e torcida na Holanda. Também, pudera: a atuação na Polônia, com a vitória por 2 a 1, já indicava algumas progressões. Que foram confirmadas neste sábado, em Viena, no estádio Ernst Happel, com mais uma vitória da Laranja sobre um participante da Eurocopa que está por começar: a Áustria, que caiu por 2 a 0 no amistoso.

Os sinais de que um caminho vinha sendo encontrado já foram indicados pela escalação, muito semelhante à vista nos dois amistosos da semana. O próprio técnico Danny Blind comentou à SBS6, emissora holandesa de tevê, antes do jogo no Ernst Happel Stadion: "Não quero mudar muito". De fato, só três posições sofreram alteração substancial. No gol, Jeroen Zoet recebeu sua chance desde o começo do jogo; na lateral esquerda, Patrick van Aanholt substituiu Jetro Willems, que se desligou da delegação por dores no pé; e no meio-campo, Kevin Strootman recomeçou um amistoso como titular. De resto, era o que já se sabia.

E o começo da partida indicou um planejamento tático definido: a Holanda esperaria na defesa, e tentaria os contragolpes para superar um time austríaco mais veloz na criação de jogadas (e, claro, também mais motivado pela presença maciça da torcida). O primeiro ataque dos anfitriões quase estragou os planos: após Zlatko Junuzovic tocar fracamente na bola, ela subiu, ficando à feição para Marko Arnautovic tentar uma bicicleta belíssima, forçando uma defesa de Zoet que também foi bonita: atento, o arqueiro do PSV espalmou pela linha de fundo. E não parou por aí: acelerando as chegadas pela direita, onde Kenny Tete sofria tentando marcar Arnautovic e Marcel Sabitzer, a Áustria prometia marcar o gol logo.

Porém, paralelamente, a seleção holandesa também indicava que poderia aproveitar os contra-ataques. Os espaços eram deixados pelos austríacos; o meio-campo se posicionava bem para trocar passes; e de quebra, Vincent Janssen e Steven Berghuis voltavam do ataque para ajudar no desenvolvimento das jogadas. Em suma: a Oranje não estava espaçada em campo. Corrigia uma de suas principais falhas desde o ano passado, na fracassada campanha nas eliminatórias da Euro.

E num lance de sorte, aos nove minutos, o contra-ataque esperado "encaixou": Berghuis dominou a bola pela direita, cruzou para a área, a bola desviou em Christian Fuchs, a zaga formada por Florian Klein e Aleksandar Dragovic parou... e Vincent Janssen ficou livre para cabecear, fazendo 1 a 0. Era o gol que deixaria o jogo à feição para que os holandeses pudessem satisfazer o planejamento tático. Mais do que isso: era o gol que respondia porque Danny Blind dissera antes da partida que "no momento, Janssen era o titular do ataque". São três gols em cinco partidas usando a camisa laranja (ou azul), sem contar os 27 gols que fizeram dele o goleador do Campeonato Holandês 2015/16. Se fez muito pouco na carreira, ainda, o atacante mostra que tem cacife para se consolidar como uma jovem alternativa a Robin van Persie e Klaas-Jan Huntelaar. E pensar que, há não mais que um ano, Janssen estava deixando o Almere City, da segunda divisão...

Festejado pelo gol, Janssen consolida-se mais e mais dentro do grupo de jogadores da Oranje (Maurice van Steen/VI Images)


Pois bem: no jogo, como já dito, a Holanda deixou a situação ao seu bel-prazer com o gol precoce. Segurava a pressão da Áustria: não só com Zoet (que fez outra boa defesa aos 12 minutos, em chute de Zlatko Junuzovic - no rebote, Marc Janko ainda finalizou para fora), mas também com a dupla de zaga. Pois é: enfim, Jeffrey Bruma e Virgil van Dijk mostraram que os treinos em Portugal estão melhorando o posicionamento e o entrosamento. Nenhum dos dois perdeu um bote, pelo alto ou por baixo. E nos contragolpes, seguia a chance do segundo gol: aos 35, Quincy Promes mandou a bola no travessão, após receber a bola de Georginio Wijnaldum.

O segundo tempo melhorou a situação. Embora Junuzovic e Arnautovic ajudassem, trazendo algum perigo, David Alaba mostrou que é o grande protagonista da seleção austríaca: sozinho ou trocando passes, está em todas as jogadas de ataque. Numa delas, quase empatou, aos oito minutos: puxado por Riechedly Bazoer (este poderia aparecer mais em campo), seguiu na jogada, entrou na área e só não marcou porque Zoet saiu prontamente do gol, encobrindo o ângulo e forçando Alaba a chutar por cima.

Todavia, o cansaço e a própria necessidade de se poupar para a estreia na Euro (dia 12, contra a Hungria) fizeram Alaba desacelerar, e a Áustria amainar nos ataques. Era o que a Oranje mais queria: não só continuou levando perigo nos contragolpes, mas também começou a criar jogadas e a trocar passes com velocidade. Aos 15 minutos da etapa final, quase veio o segundo gol, com Promes recebendo de Van Aanholt e chutando fraco.

Mas aos 22, tão logo Luuk de Jong entrara no lugar de um lesionado Janssen, veio o 2 a 0 merecido. De novo, com Promes envolvido: veio pela esquerda, cruzou, De Jong fez o pivô e escorou para batida colocada de Wijnaldum, no canto esquerdo do goleiro Robert Almer. Não era contra-ataque para desafogar a pressão austríaca. Era... uma jogada. Com os jogadores próximos uns dos outros, dando opções, pensando (e jogando) rápido. Algo que havia muito não se via na seleção holandesa.

Alterações aconteceram - destacando-se a entrada de Jasper Cillessen, saído da reserva para substituir Zoet, com dores no joelho; e a estreia de Tonny Trindade de Vilhena pela Oranje, entrando no lugar de Bazoer. Mas o jogo estava definido ali no segundo gol. Salvo um gol perdido por Marco van Ginkel, substituto de Strootman (completou de cabeça para fora, num cruzamento de Promes, que fizera bela jogada), aos 38 minutos, nada mais aconteceu.

E a Holanda comemorou mais uma vitória promissora, que indicou algumas coisas. Se não há armadores na nova geração que supram a falta de Wesley Sneijder, jogar com mais rapidez faz com que os bons passes de Kevin Strootman sejam aproveitados - e até serve para que Wijnaldum chegue mais à área como elemento surpresa, como fazia nos tempos de PSV. No ataque, as revelações começam a aparecer, literalmente: Berghuis foi ótima surpresa no lugar de Memphis Depay, e Promes pouco a pouco firma-se na reserva de Arjen Robben (que, quando voltar, ainda terá seu lugar). E Vincent Janssen passou fulgurantemente Bas Dost e Luuk de Jong: é o titular. O posto de "homem de área" na Oranje é dele.

Mas acima de tudo, as duas vitórias, contra Polônia e Áustria, serviram para indicar que a Holanda não é uma seleção tão fraca quanto fazia crer o empate contra a Irlanda, ou a ausência da Euro. Não, não está nada pronto: a Oranje ainda se remonta, os adversários visivelmente se poupavam para o torneio continental. Mas o otimismo voltou, como indicaram as palavras de Strootman após a partida à SBS6: "Queríamos muito vencer, pois queremos estar prontos para as eliminatórias da Copa. Visível e definitivamente, há uma linha ascendente". Melhor ainda foi ouvir do antes hesitante Danny Blind: "Parece bom. A maior vitória é que temos maior variedade de jogadas no nosso ataque. Parece um time, de novo".

É isso: após duas semanas de treinos e três jogos, apesar dos pesares, a Holanda já parece ter um time. Pela primeira vez desde que Danny Blind assumiu o comando, não tomou gols. E já tem quatro partidas de invencibilidade, o que não ocorria desde 2014. Não é muito, cabe poupar os elogios. Mas alguma coisa melhorou. A evolução é clara.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Análise da Eredivisie 2015/16 (I – a parte de baixo)


Ziyech pede aplausos. E no ano difícil do Twente, ele os mereceu com toda a justiça (Ronald Bonestroo/ANP)
(Coluna publicada na Trivela, em 3 de junho de 2016)

Somente a perda de Johan Cruyff já seria suficiente para transformar 2016 num ano de lembranças amargas no futebol holandês. Infelizmente, o falecimento do Número 14 não foi a única razão de lamentações: a temporada 2015/16 do Campeonato Holandês está terminando com um grande ponto de interrogação. Após a comissão de licenças da KNVB recomendar o rebaixamento do Twente à segunda divisão, ainda se espera qual será o veredito do Conselho Central de Jogadores, entidade independente da federação. E ele só sairá no meio deste mês de junho.

Essa incerteza tanto pode manter o Twente na Eredivisie (e o clube ganhou o direito à manutenção dentro de campo, mesmo com as dívidas) quanto pode salvar o De Graafschap, rebaixado na repescagem (e que mereceria a “mãozinha”, pelas atuações razoáveis). Pior: seja lá qual for a decisão sobre a queda, o clube que cair certamente recorrerá à Justiça, levando a história às últimas consequências. Tal confusão, somada à melancólica ausência da seleção na Euro 2016, só aumenta o clima de depressão que toma conta do futebol holandês.

Pelo menos, a disputa foi equilibrada entre Willem II e Excelsior para escapar da repescagem contra o rebaixamento. E a coisa foi até mais animada na parte de cima da tabela. Sendo assim, ainda é possível achar ânimo para fazer a tradicional análise da temporada, dividida em duas partes. É o jeito.

NEC
Colocação final: 10º colocado, com 46 pontos (abaixo do Vitesse pelo menor saldo de gols)
Técnico: Ernest Faber
Maior vitória: NEC 4x1 ADO Den Haag (8ª rodada)
Maior derrota: NEC 0x3 AZ (21ª rodada) e NEC 0x3 PSV (23ª rodada)
Principal jogador: Christian Santos (atacante)
Artilheiro: Christian Santos (16 gols)
Quem mais partidas jogou: Navarone Foor (meio-campista), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo HHC Hardenberg (terceira divisão)
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

Se tivesse aguentado mais um pouco no returno, o NEC poderia muito bem ter estado no play-off por vaga na Liga Europa. O time da cidade de Nijmegen era promissor: firme na defesa, com bom poder de marcação no meio-campo (graças a Janio Bikel), e tinha um bom ataque: Anthony Limbombe era veloz com a bola nos pés, enquanto ao venezuelano Christian Santos cabiam os gols. E as atuações em casa davam esperança: o NEC foi o melhor time atuando em seus domínios, apenas abaixo do Trio de Ferro. Terminando em sexto lugar no turno, havia a esperança de lutar pela posição de “melhor do resto”. 

Só que o returno trouxe vários problemas. Primeiro, houve o fracasso das negociações para vender Santos, o que levou o venezuelano até a ficar no banco de reservas, injustamente. Depois, as turbulências na defesa: contratado para o lugar do lesionado islandês Hannes Halldórsson, o goleiro australiano Brad Jones crescia, com boas atuações, mas o miolo de zaga sofria, forçando até a mudança de esquema para o 5-3-2. Havia ainda a incerteza sobre o técnico Ernest Faber: criticado pela queda no returno, afinal ele anunciou a saída no fim da temporada, rumo ao Groningen. Finalmente, havia diferença gritante entre as atuações em casa (o NEC foi o quarto melhor mandante do campeonato) e fora (foi o terceiro pior visitante).

E pode-se dizer que o NEC foi definitivamente vitimado por duas sequências de maus resultados. Uma, com dois empates e duas derrotas entre a 21ª e a 24ª rodada, aprofundou uma crise que era pequena; depois, mesmo com uma reação, o péssimo fim de temporada (três derrotas nos três últimos jogos) destruiu a esperança de tentar vaga nas competições continentais. Resta remontar parte do elenco, sob o comando do alemão Peter Hyballa - e sem o meio-campista Navarone Foor, vendido justamente ao arquirrival regional Vitesse.

Havenaar fez os gols (a maioria, com passe de  Duplan), e o ADO Den Haag conseguiu driblar a crise (Soenar Chamid/VI Images)
ADO Den Haag
Colocação final: 11º colocado, com 43 pontos
Técnico: Henk Fräser
Maior vitória: Heerenveen 0x4 ADO Den Haag (17ª rodada)
Maior derrota: Ajax 4x0 ADO Den Haag (4ª rodada)
Principal jogador: Édouard Duplan (atacante)
Artilheiro: Mike Havenaar (16 gols)
Quem mais partidas jogou: Martin Hansen (goleiro) e Danny Bakker (meio-campista), ambos com 33 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo SC Genemuiden (quarta divisão)
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

De certa forma, o marcante gol de calcanhar marcado pelo goleiro Martin Hansen, decretando o empate do Den Haag contra o PSV no último minuto do jogo de estreia pelo Holandês, indicou o que seria a temporada do clube auriverde: dificuldades, sim, mas a equipe sempre arranjava uma maneira de sair delas. A dificuldade, na verdade, foi uma só: a incerteza (ainda hoje existente, embora menor) sobre a viabilidade da parceria com a empresa chinesa United Vansen, do mecenas Hui Wang - que prometia mundos e fundos, mas demorava a aparecer. Só que o time conseguiu o respeitável feito de deixar os problemas fora de campo. 

Durante toda a temporada, o trio de ataque teve ótimo desempenho: o japonês Mike Havenaar era garantia de bola na rede, e o francês Édouard Duplan ainda foi o jogador que mais assistências deu no campeonato (11). De quebra, trazer de volta o zagueiro Tom Beugelsdijk, adorado pela torcida, foi medida certeira para conter as críticas e fechar uma defesa que já era relativamente segura. De quebra, houve a revelação de um atacante promissor, Dennis van der Heijden. A leve melhora no returno serviu para uma manutenção segura na divisão de elite. Segura e até surpreendentemente fácil, diante do que poderia ter sido a temporada. De quebra, Hui Wang até anda mais próximo do dia-a-dia do ADO Den Haag...

Numa temporada difícil, Sam Larsson ajudou muito o Heerenveen (Jeroen Putmans/VI Images)
Heerenveen
Colocação final: 12º colocado, com 42 pontos
Técnico: Dwight Lodeweges (até a 9ª rodada) e Foppe de Haan
Maior vitória: Heerenveen 3x0 Roda JC (14ª rodada)
Maior derrota: Heerenveen 0x4 ADO Den Haag (17ª rodada) e Heerenveen 0x4 Utrecht (26ª rodada)
Principal jogador: Sam Larsson (atacante)
Artilheiro: Mitchell te Vrede (10 gols)
Quem mais partidas jogou: Erwin Mulder (goleiro) e Sam Larsson (atacante), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Roda JC
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

Se o ADO Den Haag terminou no meio de tabela, mas com a agradável impressão de ter superado os problemas internos que lhe afligiram, o Heerenveen não conseguiu escapar da montanha-russa. A inconstância dentro de campo foi a tônica do time da Frísia na Eredivisie. Podia ter sido pior, é verdade: o péssimo começo (uma vitória nas primeiras nove rodadas), somado à derrocada da diretoria anterior, foi suficiente para derrubar o técnico Dwight Lodeweges, que já começara a temporada pressionado. Restou chamar às pressas Foppe de Haan, ícone do clube, para que ele tentasse juntar os cacos ainda no começo. E Foppe fez o que pôde. Assim como os jogadores.

No gol, recebendo a confiança plena após nunca ter a sequência que precisava (e até merecia) no Feyenoord, Erwin Mulder consolidou-se, sendo eleito pela torcida o melhor jogador do clube na temporada. No ataque, se a figura do “homem-gol” não teve a importância e eficiência habituais em Heerenveen (Mitchell te Vrede e Henk Veerman até marcaram, mas não com regularidade), o sueco Sam Larsson foi muito hábil pela esquerda, sabendo até jogar na área, enquanto Luciano Slagveer foi o azougue de sempre. Só que a irregularidade seguiu: o mesmo time que ficou sem perder para o campeão PSV (dois empates em 1 a 1) levou dois 4 a 0 em casa. 

Além do mais, às vezes o meio-campo se mostrava excessivamente faltoso, como a defesa, resultando no maior número de cartões entre os participantes do campeonato: foram 69 (65 amarelos, uma expulsão por segundo cartão e duas expulsões diretas - ambas do mesmo jogador, o volante Joey van den Berg). Pelo menos, o Fean se manteve sempre a uma distância segura da zona de repescagem/rebaixamento. Para 2016/17, formar um time mais constante é o desafio do novo técnico, Jurgen Streppel, vindo do Willem II.

Twente
Colocação final: 13º colocado, com 40 pontos – pode ser rebaixado, de acordo com decisão do conselho central de jogadores atuando na Holanda, após recomendação da federação
Técnico: Alfred Schreuder (até a 4ª rodada) e René Hake
Maior vitória: Twente 4x0 Heracles Almelo (18ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 5x0 Twente (13ª rodada)
Principal jogador: Hakim Ziyech (meio-campista)
Artilheiro: Hakim Ziyech (17 gols)
Quem mais partidas jogou: Hakim Ziyech (meio-campista), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Groningen
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

Só de ver um empate e três derrotas nas quatro primeiras rodadas, já se sabia que a temporada do Twente neste Campeonato Holandês não seria para corações fracos. A primeira vítima foi Alfred Schreuder, que sucumbiu à pressão da torcida e foi demitido. Caberia a René Hake comandar uma equipe alquebrada, cheia de jovens. E a passagem pelo turno foi árdua: várias falhas na defesa, até causadas pela ingenuidade e pela indefinição sobre a dupla de zaga titular. No meio (e no ataque), só Hakim Ziyech salvava. Sem contar a aflitiva situação financeira, ainda sem influir em campo. Mas o resultado ao final das primeiras 17 rodadas era dramático: apenas 13 pontos e a penúltima posição. A queda parecia inevitável.

Mas veio a pausa de inverno. E logo na primeira rodada do returno, um elogiável 4 a 0 sobre o Heracles Almelo sinalizava: o Twente estava vivo. E assim seguiria. Após muitos problemas, Nick Marsman se consolidou no gol, Bruno Uvini e Joachim Andersen enfim entraram no time titular para não saírem mais... e Ziyech continuou chamando a responsabilidade de modo impressionante. Basta dizer: dos 49 gols que o Twente marcou na Eredivisie, o armador marroquino – nascido em Amsterdã - esteve envolvido em 27 (marcou 17, deu a assistência em 10). Aos poucos, o atacante Jerson Cabral também subiu de produção, e tornou-se bom coadjuvante para acompanhar o destaque supremo que era Ziyech.

Veio uma sequência de cinco vitórias seguidas, que praticamente afastou o perigo do rebaixamento direto. E mesmo com a penalidade da retirada de três pontos, pelas dívidas, o Twente conseguiu um feito: fez a quarta melhor campanha do returno, apenas abaixo de PSV, Ajax e AZ. Tivesse ficado com sua pontuação normal, e estaria em 11º lugar. Enfim: dentro de campo, os Tukkers fizeram campanha decente. Só que, ao final da temporada, veio a recomendação da federação, pedindo o rebaixamento à segunda divisão (sempre por causa da pindaíba financeira). Provavelmente, é o que ocorrerá – e a punição correta e legalista seria até mais drástica, com o cumprimento do regulamento e a perda da licença profissional. Mas repita-se: dentro de campo, o Twente cumpriu o seu papel.

Entre chegadas e saídas do clube, o Roda JC conseguiu ficar na Eredivisie (ANP/Pro Shots)
Roda JC
Colocação final: 14º colocado, com 34 pontos
Técnico: Darije Kalezic
Maior vitória: Heracles Almelo 0x5 Roda JC (25ª rodada)
Maior derrota: Ajax 6x0 Roda JC (11ª rodada)
Principal jogador: Tom van Hyfte (meio-campista) e Rydell Poepon (atacante)
Artilheiro: Tom van Hyfte (8 gols)
Quem mais partidas jogou: Benjamin van Leer (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo Feyenoord
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: ruim

Na análise feita por esta coluna na pausa de inverno, falava-se que o Roda JC precisava conter a tendência de queda, indicada nas últimas rodadas do primeiro turno: foram quatro derrotas (incluindo um 6 a 0 sofrido para o Ajax) e três empates, que jogaram o time da cidade de Kerkrade numa situação de limite: era o 15º colocado, na primeira posição acima da zona de repescagem/rebaixamento. Era necessário mudar algo. E o Roda apostou numa solução costumeira nessas horas difíceis: saiu às compras na janela de transferências, trazendo um “pacotão” de jogadores. E deu certo: a maioria dos reforços que chegaram aos Koempels em janeiro entraram bem na equipe

Se antes apenas o australiano Tomi Juric era o responsável por colocar a bola nas redes (e raramente o fazia), Mike van Duinen e Rydell Poepon começaram a salvar as coisas no ataque, com os gols. De quebra, o jovem belga Maecky Ngombo virou “talismã” na frente: entrava no meio do jogo, e não raro deixava sua marca. No meio-campo, Tom van Hyfte seguiu como o grande destaque, e marcou um dos mais bonitos gols da Eredivisie na penúltima rodada, contra o NEC. Mas mais gente ajudou Van Hyfte no 4-4-2 “em losango” que começou a ser usado em campo: o espanhol Marcos Gullón, o cazaque Georgi Zhukov e o turco Ugur Inceman fixaram-se e entrosaram-se rapidamente no meio. 

Assim, mesmo com uma campanha ruim, o Roda JC manteve-se fora da zona de perigo. Fosse por mérito próprio ou demérito dos rivais, entrou na 14ª posição a partir da 23ª rodada e de lá não saiu. Ganhou mais uma temporada na Eredivisie. Se os reforços do returno ficarem, quem sabe vire um time de meio de tabela. Fica para outro técnico, já que o mau trabalho levou à demissão de Darije Kalezic.

O Excelsior passou aperto de novo. Ficou na Eredivisie, mas a expressão de Van Weert reflete: não há nada a comemorar (ANP/Pro Shots)
Excelsior
Colocação final: 15º colocado, com 30 pontos
Técnico: Alfons “Fons” Groenendijk
Maior vitória: Excelsior 3x0 De Graafschap (4ª rodada)
Maior derrota: Excelsior 1x4 Cambuur (17ª rodada) e Ajax 3x0 Excelsior (23ª rodada)
Principal jogador: Brandley Kuwas (atacante)
Artilheiro: Tom van Weert (11 gols)
Quem mais partidas jogou: Adil Auassar e Brandley Kuwas (atacantes), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na terceira fase, pelo Excelsior ’31 (quarta divisão)
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: ruim

O Excelsior, definitivamente, não aprendeu nada com o sufoco passado em 2014/15. De novo, ficou apenas uma posição acima da zona de repescagem/rebaixamento, exatamente como na temporada passada. De novo, passou muito perto dela: começou o returno com três derrotas, que o jogaram para a antepenúltima colocação do Campeonato Holandês, na qual ficou até a antepenúltima rodada. E de novo, revelava-se extremamente dependente de seus raríssimos talentos dentro de campo. Pelo menos, na hora necessária, eles apareceram. 

No meio-campo, Jeff Stans e Rick Kruys (este, em sua última temporada como jogador profissional) continuaram segurando as pontas. E no ataque, sempre que podiam e tinham chance, Brandley Kuwas e Tom van Weert davam alguma pressão aos adversários. Nas últimas rodadas, Van Weert foi o “salvador”: marcou gols no empate por 2 a 2 com o Zwolle e, principalmente, na vitória por 2 a 0 sobre o já rebaixado Cambuur, na última rodada, que salvou de novo o Excelsior de uma repescagem que seria castigo merecido. 

Para a próxima temporada, o clube de Roterdã ficará sem Kuwas (já vendido ao Heracles) e Van Weert (transferência anunciada para o Groningen). E sabe que uma melhora urge após mais uma temporada ruim. Tanto que demitiu o técnico “Fons” Groenendijk. Será sob o comando de Mitchell van der Gaag que a equipe precisará se virar, para não passar outra temporada escapando de raspão.

Jurgen Streppel tinha time para fazer mais com o Willem II. Sufoco desnecessário (ANP/Pro Shots)
Willem II
Colocação final: 16ª colocação, com 29 pontos – manteve-se na Eredivisie via repescagem
Técnico: Jurgen Streppel
Maior vitória: Willem II 3x0 Cambuur (15ª rodada)
Maior derrota: Willem II 0x4 Ajax (26ª rodada)
Principal jogador: Lucas Andersen (atacante)
Artilheiro: Erik Falkenburg (11 gols)
Quem mais partidas jogou: Kostas Lamprou (goleiro) e Erik Falkenburg (meio-campista), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Feyenoord
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: ruim

Talvez o fato do técnico Jurgen Streppel estar deixando o Willem II rumo a um clube mais estável no meio da tabela (o Heerenveen) indique a capacidade de Streppel fazer um bom trabalho. Como, aliás, fizera na temporada passada. Porque, nesta, pode-se dizer que o time da cidade de Tilburg decepcionou, antes de mais nada. E decepcionou principalmente no returno: fez a segunda pior campanha. E abusou dos empates: no início da segunda metade da temporada, chegou a ter uma sequência de cinco placares iguais. 

Os Tricolores tinham uma equipe organizada, capaz de fazer melhor. Todavia, é preciso reconhecer que os reforços não funcionaram, e que o ataque muitas vezes sofreu com a falta de referência: excetuando-se Lucas Andersen e Erik Falkenburg (este, mais um meio-campo avançado do que um atacante de ofício), não havia muitos finalizadores no grupo de jogadores – e os que haviam, não tinham atuações satisfatórias. De quebra, na defesa, o goleiro Kostas Lamprou falhou demais, na parte final da temporada. "Frangos" de Lamprou como o que definiu a derrota por 1 a 0 para o Feyenoord, na penúltima rodada, foram a diferença que salvou o Excelsior e levou os Tilburgers para a Nacompetitie. 

A bem da verdade, a salvação já estava garantida, após a recomendação de rebaixar o Twente. Mas o time cumpriu sua tarefa dentro de campo na repescagem: superou o NAC Breda, com dificuldades (derrota de 2 a 1 na ida, vitória por 3 a 1 na volta em casa), e garantiu a salvação de vez. Que tenha aprendido a lição. A reorganização ficará a cargo do técnico Erwin van de Looi e da diretoria, que já dispensou alguns jogadores para a próxima temporada. Justo: o Willem II não precisava do sufoco que passou.

Chorar de alegria pela permanência, ou de tristeza, pelo rebaixamento? O De Graafschap de Bryan Smeets não sabe (Broer van den Boom/VI Images)
De Graafschap
Colocação final: 17º colocado, com 23 pontos – foi rebaixado na repescagem, em teoria, mas pode manter-se na Eredivisie caso a decisão pelo rebaixamento do Twente seja confirmada
Técnico: Jan Vreman
Maior vitória: De Graafschap 3x0 Roda JC (27ª rodada)
Maior derrota: De Graafschap 3x6 PSV (11ª rodada)
Principais jogadores: Hidde Jurjus (goleiro), Andrew Driver (meio-campista) e Vincent Vermeij (atacante)
Artilheiro: Vincent Vermeij (9 gols)
Quem mais partidas jogou: Hidde Jurjus (goleiro), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Ajax
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

Quando o primeiro turno do Campeonato Holandês terminou, o De Graafschap parecia condenado ao rebaixamento. Tinha cinco pontos, oito abaixo do penúltimo colocado. E a análise da coluna para o desempenho dos Superboeren já dizia: uma campanha tão fraca não fazia jus ao claro esforço do time em campo. Mesmo fraco, o De Graafschap tinha alguns jogadores talentosos. Fazia partidas duras contra os times grandes. E recebia apoio incondicional da torcida.

Pois bem, o returno rendeu à equipe uma reação até admirável. Vieram algumas boas vitórias, como o 3 a 0 sobre o Roda JC; a desvantagem na lanterna virou coisa do passado; os destaques continuaram aparecendo - principalmente o bom goleiro Hidde Jurjus e o atacante Vincent Vermeij, ambos convocados para a seleção holandesa sub-21. Alguns coadjuvantes também tinham seus momentos, como Andrew Driver e Youssef El Jebli, no meio-campo. Finalmente, houve a atuação fundamental para definir indiretamente o título holandês na última rodada, com o empate que frustrou a festa que o Ajax esperava. E o De Graafschap conseguiu ter uma “segunda chance” na repescagem. 

Porém, veio o anticlímax: numa atuação irreconhecível no jogo de ida (derrota por 4 a 1), o De Graafschap fracassou contra o Go Ahead Eagles, e isso significa o rebaixamento até imerecido. Mas o imbróglio causado pelos problemas entre federação e Twente pode manter o clube na Eredivisie da próxima temporada. Em meio à espera, alguns jogadores já obtêm transferências para clubes maiores (o zagueiro Robin Pröpper - irmão de Davy, do PSV - vai para o Heracles; Hidde Jurjus deve se transferir para o Utrecht). E essas transferências ocorrem justificadamente: no mínimo, pelo menos, os jogadores adiaram um rebaixamento que parecia inevitável.

Jack Byrne foi a andorinha só que não fez verão no rebaixado Cambuur, de temporada horrenda (ANP/Pro Shots)


Cambuur
Colocação final: 18º (e último) colocado, com 18 pontos
Técnico: Henk de Jong (até a 22ª rodada) e Marcel Keizer
Maior vitória: Excelsior 1x4 Cambuur (17ª rodada)
Maior derrota: Cambuur 0x6 PSV (5ª rodada)
Principal jogador: Jack Byrne (atacante)
Artilheiros: Jack Byrne, Sander van de Streek e Martijn Barto (todos com 4 gols)
Quem mais partidas jogou: Marvin Peersman (lateral esquerdo) e Sander van de Streek (meio-campista), ambos com 32 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo PSV
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: péssimo

O único destaque do Cambuur ao final do primeiro turno era o atacante nigeriano Bartholomew Ogbeche. E ele se transferiu para o Willem II, em janeiro. Por aí já se tem uma ideia do quão aflitiva era a qualidade técnica do elenco do Cambuur para o returno – a bem da verdade, em toda a temporada. Enquanto o De Graafschap se apoiava na relativa capacidade de alguns jogadores, animando-se para evitar a lanterna, o clube auriazul da cidade de Leeuwarden caía num desânimo assustador. Nem mesmo a troca de técnico deu o impulso necessário, e o retorno à segunda divisão logo se tornou uma certeza inegável e inescapável.

Também, pudera. Pior defesa (79 gols sofridos!), pior ataque (apenas 33 marcados), pior campanha da Eredivisie tanto em casa quanto fora... justificativas não faltam para o rebaixamento. No campo, o que se via era um time inábil ofensivamente, com o irlandês Jack Byrne como único destaque. E inseguro na defesa. Talvez a melhor prova disso tudo tenha vindo no jogo que sacramentou o descenso: o 6 a 2 sofrido para o PSV, na penúltima rodada.

Contra o futuro bicampeão, Byrne e Sander van de Streek até causaram perigo à defesa dos Eindhovenaren, aproveitando o espaço dos contragolpes e deixando o placar em 3 a 2. Só que a defesa fraca do Cambuur possibilitou a goleada, apenas confirmando o que já se esperava desde o principio do returno, com sete derrotas seguidas. Tão fraco quanto o De Graafschap e sem o ânimo deste, o time de Leeuwarden não pode reclamar da sorte: mereceu cair.