terça-feira, 30 de julho de 2019

Indefensável

As falhas do PSV eram conhecidas, mas o time esperava se classificar na Liga dos Campeões para ganhar tempo e compreensão da torcida, até para corrigi-las. Fracassou (BSR Agency)
Mesmo ganhando o jogo de ida contra o Basel-SUI, pela segunda fase preliminar da Liga dos Campeões, o PSV já deixara uma impressão incômoda: tinha muitos problemas a solucionar (principalmente na defesa), e pouco tempo para isso. Contra o Ajax, sábado passado, pela Supercopa da Holanda, o incômodo da torcida aumentou: com apenas 35 segundos de jogo na Johan Cruyff Arena, o time de Amsterdã já estava vencendo por 1 a 0, e o time de Eindhoven nunca deu a real impressão de poder virar para cima do rival. A pressão aumentou rumo ao jogo de volta, nesta terça: o técnico Mark van Bommel preconizava que os jogadores "tinham de virar gente grande rapidamente". Mas o resultado na Basileia foi o pior possível. As falhas da defesa seguiram, o ataque perdeu tantas chances quantas criou, e os Boeren já estão eliminados do principal torneio europeu.

É certo que o PSV foi à Suíça sem um jogador que poderia colaborar: o atacante Sam Lammers, lesionado no joelho duante a Supercopa da Holanda. Ainda assim, com a mesma escalação da partida da ida, semana passada, os Eindhovenaren já começaram sofrendo, num St. Jakob Park lotado. Jogando com mais velocidade, o Basel ainda tinha vantagem numérica quando chegava ao ataque: tendo apenas dois no miolo de zaga (Derrick Luckassen e Nick Viergever), era comum que o PSV ficasse em apuros quando a dupla Ricky van Wolfswinkel-Albian Ajeti ia ao ataque. E ainda contava com o auxílio de Valentin Stocker. E até de quem jogava mais atrás, como o zagueiro Eran Cümart.

Foi assim que logo o time holandês se viu encurralado. Basta dizer que foi Hirving Lozano quem cometeu a falta que resultou no primeiro gol do Basel, logo aos oito minutos, num chute forte de Cümart - houve quem dissesse que o goleiro Jeroen Zoet poderia ter tentado defender o arremate, alertando para uma crise técnica do camisa 1 (Zoet discordou após o jogo, mas reconheceu a falha: "Falar que estou em crise é exagero, mas preciso melhorar"). E o time azul-grená suíço continuou superior após o gol: atacou mais, foi mais veloz, teve chance do segundo (bola para fora de Van Wolfswinkel aos 19').

O empate de Bruma (à frente) fez o PSV melhorar, e ter mais esperanças. Só que a fragilidade defensiva cobrou um preço duro (PSV/Twitter)

Só restava ao PSV tentar tirar a bola dos arredores de sua defesa, com chutes longos. A partir disso, era esperar que uma jogada individual partisse de Lozano, Steven Bergwijn, Donyell Malen ou Bruma. Inesperadamente, deu certo: aos 23 minutos, num cruzamento de Malen, o português Bruma cabeceou na entrada da área. A bola nem foi tão forte assim, mas foi alta o suficiente para ir ao ângulo do goleiro Jonas Omlin e decretar o 1 a 1. A partir de então, os visitantes da Holanda conseguiram o que desejavam: equilibrar o jogo. Conseguiam manter o Basel mais distante do ataque, e até ousavam mais buscar a virada - como num chute de Malen (bem no jogo, se movimentando no centro do ataque), defendido por Omlin aos 40'.

No segundo tempo, a ousadia do PSV quase rendeu a virada que lhe seria salvadora - nesse caso, o Basel precisaria de mais três gols para a classificação. Já aos 47', em sequência, Bergwijn veio pela direita e chutou na trave, e Lozano mandou o rebote por cima do gol. Aos 52', foi a vez de Malen, em outro arremate de fora da área pego por Omlin. Aos 63', Bruma arrematou da meia-lua para a defesa do arqueiro sueco do Basel. E dois minutos depois, Bergwijn começou a correr com a bola no meio-campo e só parou na área, quando finalizou em diagonal e Omlin pegou com os pés.

Havia chances de gol para os visitantes da Holanda, mas elas eram perdidas. Podiam fazer falta. E fizeram, porque o Basel estava vivo no jogo. Já provara isso aos 61', quando Van Wolfswinkel perdeu grande chance: sozinho, na pequena área, cabeceou torta a bola vinda do cruzamento de Stocker. A diferença foi que, na vez seguinte em que teve a chance, o holandês aproveitou: em outro cruzamento de Stocker, aos 68', Ajeti puxou sozinho a marcação de Luckassen e Viergever. Van Wolfswinkel ficou sozinho na área. Fez 2 a 1 para o Basel. E era o fim precoce do PSV na Liga dos Campeões, porque os Boeren passaram longe de empatarem no final.

Claro, uma hora a derrota será superada. Precisa ser, como preconizou Van Bommel na entrevista pós-jogo. Ainda resta a Liga Europa, oferecendo Haugesund-NOR ou Sturm Graz-AUT na terceira fase preliminar. Entretanto, ficou claro que o PSV sente muita falta de quem saiu (Luuk de Jong e Angeliño). Que Van Bommel tem dificuldades ao achar possíveis substitutos - Michal Sadílek na lateral esquerda foi escalação estranha, bem como Bergwijn no meio-campo, para mascarar a falta de um "camisa 10" criativo. E que Lozano ainda está sem muito ritmo de jogo, após a lesão no joelho. Todos esses erros costumam ser letais, numa Liga dos Campeões, ainda que na fase preliminar. E ficou a impressão de que a paciência será curta, mesmo com o Campeonato Holandês ainda no começo. Até porque o desempenho do PSV nesta terça-feira foi indefensável.

Liga dos Campeões - segunda fase preliminar (jogo de volta)

Basel 2x1 PSV

Local: St. Jakob Park (Basileia)
Data: 30 de julho de 2019
Árbitro: Fábio Veríssimo (Portugal)
Gols: Eran Cümart, aos 8', e Bruma, aos 23'; Ricky van Wolfswinkel, aos 68'.

Basel
Jonas Omlin; Silvan Widmer, Eran Cümart, Omar Alderete Fernández e Taulant Xhaka (Raoul Petretta); Fabian Frei, Luca Zuffi e Eder Balanta; Ricky van Wolfswinkel, Albian Ajeti e Valentin Stocker Técnico: Marcel Koller

PSV
Jeroen Zoet; Denzel Dumfries, Derrick Luckassen, Nick Viergever e Michal Sadílek; Pablo Rosario, Steven Bergwijn e Esteban Gutiérrez; Hirving Lozano (Cody Gakpo), Donyell Malen e Bruma. Técnico: Mark van Bommel



terça-feira, 23 de julho de 2019

Sob pressão

Mal a temporada europeia começou e o PSV já conseguiu uma vitória para matar a torcida do coração. E a pressão ainda não acabou... (BSR Agency)

O desempenho do Ajax na Liga dos Campeões da temporada passada satisfez, encantou... mas o fato é que os clubes da Holanda continuam em situação preocupante. Por isso, a temporada europeia já começava para o país nesta terça, com o jogo de ida entre PSV e Basel, pela segunda fase preliminar da Liga dos Campeões. E começava sob pressão: cada ponto segue valendo para o coeficiente do país no ranking da UEFA. Com tudo isso, o cenário estava pronto para o que se viu: na primeira partida de um holandês por torneios continentais em 2019/20, emoção em alta, com o time de Eindhoven virando o placar nos acréscimos do segundo tempo - 2 a 1 para 3 a 2.

A princípio, nada fazia crer que os Boeren sofreriam tanto na partida em Eindhoven. Não que o time estivesse em ponto de bala. Longe disso: Luuk de Jong já faz falta no ataque, Gastón Pereiro está em vias de ser mais uma transferência (o meio-campista uruguaio está finalizando a ida para o Spartak Moscou-RUS), o reforço Ibrahim Afellay ainda está em reta final de recuperação e não pode jogar. Com isso, o técnico Mark van Bommel precisa fazer o que pode: Steven Bergwijn foi recuado para jogar como "camisa 10" no meio-campo, e Michal Sadílek foi escalado na lateral esquerda.

Ainda assim, impressionou positivamente a velocidade do ataque da equipe. Para um time em plena reformulação, que teve dificuldade nos amistosos de pré-temporada (derrotas para Nice-FRA e Wolfsburg-ALE, por exemplo), o trio Hirving Lozano-Donyell Malen-Bruma mostrou capacidade técnica e velocidade. Por ela, somada à velocidade de Bergwijn e à manutenção da posse de bola, o PSV começou a pressionar o Basel. E mereceu o primeiro gol, num chute de Malen rebatido pelo goleiro Jonas Omlin e completado para as redes por Bruma - aliás, o português mostrou entrosamento promissor.

Entretanto, de tanta velocidade, o PSV se preocupou demais com o ataque... e se esqueceu da defesa. Reabilitado no clube após a volta do empréstimo ao Hertha Berlin, o zagueiro Derrick Luckassen seguia para a frente. A mesma coisa fazia Denzel Dumfries, como sempre faz. Ainda assim, o Basel demorava para aproveitar os espaços. Quando o fez, foi eficiente. Aos 44 minutos, uma indecisão entre Luckassen e Jeroen Zoet, no melhor estilo "deixa que eu deixo", quase causou perigo maior. Mas este veio aos 45', num contra-ataque quase inacreditável de tão fácil: um chutão da defesa do time suíço virou lançamento que pegou Albian Ajeti livre, e o albanês teve facilidade plena para chegar à área e empatar o jogo.

Aí, no segundo tempo, começaram as dificuldades clássicas por que todo clube holandês passa nos últimos tempos. O PSV criava chances, mas não as aproveitava. Era o cruzamento de Lozano desviado acidentalmente pelo zagueiro Eray Cümart no travessão, aos 55'; era o arremate cruzado de Malen defendido por Omlin, aos 67'. Por outro lado, seguiam os espaços gigantes para o Basel assustar quando tinha a bola - como fez com Valentin Stocker, aos 53', em chute desviado por Dumfries. Como nos 45 minutos iniciais, o time azul-grená da Basileia foi mais eficiente: um escanteio aos 79', falha de marcação da defesa, e o zagueiro Omar Alderete Fernández teve todo espaço para subir e virar o jogo.

Parecia o fim para o PSV. As entradas de Cody Gakpo e Sam Lammers pareciam mais "no desespero" do que "na tática", ainda mais debaixo de um calor de 34ºC em Eindhoven. Todavia, em momentos agudos, o ataque dos Boeren teve frieza. E ela valeu uma virada emocionante já no primeiro jogo. Aos 89', Lammers, experimentado preferencialmente como meio-campista por Van Bommel, mostrou a capacidade de finalização que tem: à la Luuk de Jong, estava no meio da área para cabecear o cruzamento de Sadílek e empatar o jogo. O empate já minorava os prejuízos. E ficou melhor ainda nos acréscimos, quando Malen conseguiu desviar de letra o cruzamento de Dumfries para virar o jogo e dar uma vitória útil e até animadora.

Mas passada a emoção, o fato é que o PSV ainda tem muito o que fazer, muito o que consertar - por exemplo, no meio-campo (falta um armador) e na defesa (falta um zagueiro central e falta controlar os avanços). E continuará sob pressão. Primeiro no sábado, na decisão da Supercopa da Holanda. Depois, e mais importante, na terça-feira que vem, jogando na Basileia, quando a partida de volta da segunda fase preliminar promete mais sofrimento. A pressão continua.

Liga dos Campeões - segunda fase preliminar (jogo de ida)

PSV 3x2 Basel

Local: Philips Stadion (Eindhoven)
Data: 23 de julho de 2019
Árbitro: Andris Trentaunis (Letônia)
Gols: Bruma, aos 14', e Albian Ajeti, aos 45' + 1; Omar Alderete Fernández, aos 79', Sam Lammers, aos 89', e Donyell Malen, aos 90' + 3

PSV
Jeroen Zoet; Denzel Dumfries, Derrick Luckassen, Nick Viergever e Michal Sadílek; Pablo Rosario, Steven Bergwijn e Esteban Gutiérrez; Hirving Lozano (Sam Lammers), Donyell Malen e Bruma (Cody Gakpo). Técnico: Mark van Bommel

Basel
Jonas Omlin; Silvan Widmer, Eran Cümart, Omar Alderete Fernández (Kemal Ademi) e Taulant Xhaka; Fabian Frei, Luca Zuffi e Eder Balanta (Afimico Pululu); Ricky van Wolfswinkel, Albian Ajeti e Valentin Stocker (Noah Okafor) Técnico: Marcel Koller

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Holanda na Copa feminina (II): a análise de quem viu

A seleção feminina da Holanda, antes da final, e a taça da Copa do Mundo: tão perto e tão longe (FIFA/Getty Images)

Este Espreme a Laranja já começou a análise sobre a marcante campanha da seleção feminina da Holanda na Copa do Mundo passada, com este texto opinando sobre a atuação de cada uma das 16 jogadoras que entraram em campo pelas Leoas Laranjas (as sete restantes não jogaram nenhum minuto no Mundial). Após o vice-campeonato, os nomes que ampliaram a fama com as atuações na França já curtem as férias, o futebol masculino já acelera os trabalhos de pré-temporada rumo ao Campeonato Holandês - PSV e Ajax, rumo à Liga dos Campeões -... mas ainda falta uma coisa.

O blog decidiu trazer um último capítulo sobre o que a Laranja mostrou na Copa feminina. Mas não fará o trabalho sozinho: fez cinco perguntas sobre a campanha holandesa, a quatro nomes que acompanham a par e passo o futebol feminino. Dois deles fazem parte da equipe do Planeta Futebol Feminino, site referencial em notícias e opiniões sobre a modalidade: Bruno Bezerra e Amanda Marinho - sendo que a jornalista Amanda ainda integra o podcast Passa no DM, também sobre o futebol das mulheres, com as colegas Duany Khydac e Letícia Lázaro, que também estão na equipe do PFF. Também foi entrevistada a jornalista Olga Bagatini, do Yahoo, que também colaborou com o site Trivela na cobertura da Copa feminina.

A quarta entrevistada foi além: testemunhou a reta final da campanha da vice-campeã. Afinal, a jornalista Renata Mendonça esteve na tribuna de imprensa em Lyon vendo a semifinal contra a Suécia e a decisão perdida para os Estados Unidos, produzindo material como uma das Dibradoras, o trio que produz um site e um podcast sobre o esporte feminino em todas as modalidades - e todos os desdobramentos. E Renata, que também fez algumas participações na cobertura do SporTV para a Copa feminina (até porque é debatedora frequente do programa Redação SporTV), ainda se estendeu, com um depoimento admirado sobre um destaque particular: o que fez a torcida holandesa na França.

"Foi espetacular. Foi a melhor torcida da Copa, sem dúvidas. Foi muito legal ver o quanto a torcida estava acompanhando todos os jogos. E eu conversei com alguns holandeses que estavam lá, e eles realmente estavam indo a todos os jogos. Não era algo do tipo 'ah, não, só vim para esse...': foi uma torcida que realmente acompanhou a seleção feminina na Copa. Deram muito apoio antes dos jogos, eles faziam um encontro, aquela festa toda nas cidades... E se sobressaíam dentro dos estádios - aquela fanfarra com a corneta, dava para ouvir muito bem o tanto que eles embalavam a seleção holandesa. Isso foi um grande destaque. Eu até conversei com algumas jogadoras holandesas na zona mista, a própria Van Veenendaal falou sobre como a torcida foi crucial para a Holanda chegar tão longe, foi 'o 12º jogador'... é um dos meus destaques nessa Copa do Mundo."


Time e torcida holandeses: para Renata Mendonça, o comportamento dos adeptos da Laranja foi um dos pontos altos da Copa (FIFA/Getty Images)

Sem mais, vamos às perguntas.

Vocês já esperavam a seleção da Holanda como uma "possível finalista"? Se não, qual a fase que lhe parecia mais natural ela alcançar na Copa?

Bruno: Não, para mim foi uma grande surpresa. Particularmente, achava que a Holanda chegaria as semifinais, o que já seria um feito gigantesco.

Amanda: Sim. Antes de começar a Copa e fazendo um desenho do lado da chave que a Holanda ficaria, imaginava que elas poderiam chegar na semifinal. Ainda assim, não deixou de ser uma surpresa elas terem chegado até a final, mas não colocaria como a maior da Copa, acho que a Suécia ficou com esse cargo, surpreendendo muita gente.

Olga: Não esperava como finalista, mas coloquei a Holanda entre potenciais equipes para surpreender no torneio pelo trabalho feito pela Sarina Wiegman nos últimos anos e o embalo pela conquista da Eurocopa em 2017.

Renata: Eu não esperava como finalista, esperava pelo menos quartas ou semifinais. Acho que a Holanda vinha muito forte para essa Copa, pela evolução que teve, mas eu não achava que chegaria à final da Copa, não. Na minha previsão, estariam Estados Unidos ou França na final, contra a Alemanha, pelos chaveamentos. Eu achava que aquela [partida das] quartas de final entre França e Estados Unidos definiria quem seria a finalista. Foram os Estados Unidos, como poderia ter sido a França. A Holanda chegaria às quartas de final ou às semifinais, com certeza, pelo conjunto - é um time muito forte, coletivamente falando. Não acho que tenha um destaque individual, mas ela brilha muito no coletivo. Acho que foi isso que fez com que ela fosse campeã da Eurocopa, e acho que foi isso que fez com que ela chegasse à final da Copa do Mundo.

Nas suas opiniões, houve algum momento em campo na Copa em que a Holanda pareceu ter o "clique" que a fez partir de "candidata a surpresa" para uma seleção que poderia ir além, que poderia chegar à final, como chegou? Se houve, qual foi? Ou, para você, a campanha foi elogiável como um todo?

Bruno: O "clique" pra mim, foi no segundo tempo das quartas de final diante da Itália, melhor partida da Holanda na minha concepção. Ali eu pensei: "esse time pode encarar Suécia ou Alemanha de frente e sem medo."

Amanda: Durante toda a Copa do Mundo a Holanda sempre me pareceu um time que controlava a situação. No jogo contra o Japão passaram o maior apuro da Copa do Mundo, mas conseguiram resistir a pressão e fechar o jogo graças aos gols de Lieke Martens. Pra mim esse jogo contra o Japão serviu para mostrar a força mental das holandesas, que apesar de estarem apenas na sua segunda Copa do Mundo, demonstravam ter a bagagem pra aguentar momentos adversos.

Olga: A campanha foi elogiável. Eu imaginava que a Alemanha seria finalista, e quando foi eliminada pela Suécia, acreditei que a Holanda pararia na semi. Mas a Holanda conseguiu passar da Itália, que também mostrou muita evolução na Copa, e contra a Suécia, apesar das adversárias terem pressionado a maior parte do segundo tempo, as holandesas conseguiram se defender, muito com ajuda da goleira, e acharam um gol para avançar. Mas eu sabia que se elas jogassem do mesmo jeito contra os Estados Unidos, não teriam chance. Faltou objetividade, faltou articulação no meio-campo para criar chances reais de gol.

Renata:  Acho que o jogo contra o Japão foi meio "chave", porque foi justamente para o Japão que a Holanda foi eliminada em 2015. Claro, a seleção japonesa não vem em boa fase, enquanto a Holanda, pelo contrário, vem em grande ascensão. Mas é lógico que tem aquele peso de enfrentar uma seleção que é campeã mundial [2011], que eliminou as holandesas em 2015... então, acho que esse foi um dos jogos-chaves da Holanda para chegar à final. De certo modo, a semifinal contra a Suécia também foi "chave". A Holanda foi engolida no primeiro tempo: por ter uma marcação muito forte, a Suécia não deixou a Holanda jogar. Mas o time holandês teve muita paciência e muita inteligência para jogar. Soube aproveitar as oportunidades que teve, já melhorou no segundo tempo, e na prorrogação estava com todo fôlego para construir suas jogadas e fazer o gol de que precisava. A Holanda foi muito inteligente na semifinal. Mas eu diria que o jogo contra o Japão foi o ponto de virada para determinar até onde a Holanda iria chegar na Copa.

As seleções femininas da Europa mostraram crescimento notável como um todo, nesta Copa do Mundo. No entanto, coube à Holanda ser a representante deste crescimento, na decisão do torneio. Nas suas opiniões, em que ela se sobressaiu em relação a outras europeias, até mais badaladas pré-Copa (como França e Inglaterra)? 

Bruno: Psicologicamente soube se portar bem em jogos complicados, se sobressaindo principalmente no aspecto tático: elenco fechado e organizado, defesa, que era preocupação, indo bem.

Amanda: Novamente, acredito que a Holanda se sobressaiu no poder mental, mostraram que poderia aguentar momentos adversos. A Alemanha confirmou o temor de que realmente não conseguiria ir longe na Copa do Mundo, e na chave onde estava a Holanda, era o principal adversário. Destaque de novo para a Suécia, que estava longe de ser uma das favoritas, mas fizeram uma grande partida contra a Alemanha e lutaram muito contra a Holanda, conseguindo levar o jogo para a prorrogação.

Olga: A Holanda teve uma campanha boa, mas também teve caminho mais fácil no mata-mata ao cair na chave oposta dos Estados Unidos. O principal trunfo é a federação ter feito um trabalho de base nos últimos anos que permitiu que a equipe formasse boas jogadoras, que se jogam juntas e estão bem entrosadas, e ainda se destacam individualmente a ponto de jogarem nas melhores ligas do mundo, como é o caso de Martens, Miedema e Van de Sanden.

Renata: Como eu já tinha dito na primeira pergunta, eu acho que, coletivamente, a seleção da Holanda é um time que rende muito bem. Não tem "mega destaques", não tem alguém que resolva o jogo sozinha. É um time muito coletivo, de toque de bola, e pressionou muito bem o adversário, ocupou bem os espaços no campo, meio que encurralando o adversário, atacando sempre com muitos passes. Acho que isso foi uma das características que fizeram com que a Holanda chegasse à final: o jogo coletivo. Também temos que levar em consideração a chave do outro lado: ela teve Estados Unidos e França nas quartas, por exemplo. Provavelmente a França chegaria mais longe, se não tivesse de pegar os Estados Unidos. E também teve a Inglaterra... eram seleções que estavam entre as quatro primeiras do ranking (Estados Unidos em 1º, Inglaterra em 3º e França em 4º). E todos esses estavam do outro lado da chave. Com certeza, complicou muito para Inglaterra e França. Ao mesmo tempo, a Holanda soube se impor muito bem, soube fazer valer sua superioridade diante dos outros adversários, mesmo no jogo contra a Suécia, que foi um adversário que impôs muita dificuldade, pela forma de marcação para anular o jogo da Holanda. 

Houve alguma partida da seleção feminina da Holanda que tenha lhe chamado mais a atenção na Copa? 

Bruno: Como tinha citado, o segundo tempo contra a Itália. Em geral, o jogo contra a Itália foi um desafio bem interessante.

Amanda: Uma partida que me chamou atenção foi contra a Itália, tanto positivamente, quanto negativamente. O primeiro tempo do time holandês foi talvez um dos piores dentro da Copa, mas no segundo tempo o time voltou muito mais focado e ciente do que precisava fazer para vencer. Então pra mim, os 45 minutos finais contra a Itália foram os melhores da Holanda na Copa do Mundo.

Olga: Gostei muito do jogo com a Itália, mas o que mais me impressionou foi o primeiro tempo contra os Estados Unidos. Como eu disse, achava que se a Holanda não ajustasse os erros que cometeu diante da Suécia, não teria chance, mas a treinadora conseguiu organizar o time mudando algumas peças e fechando bem a defesa para se proteger da pressão das americanas -- que até então haviam marcado antes dos 13 minutos contra todos os outros rivais. O pênalti foi uma infelicidade, aí a Holanda teve que ir para cima, deixou espaços e sofreu o segundo gol. Mas decididamente jogou de igual para igual.

Renata: Como eu falei, o jogo contra o Japão me chamou a atenção.

Para os três entrevistados pelo blog(ueiro), Van Veenendaal foi unanimidade: a melhor goleira da Copa (FIFA/Getty Images)

Apesar de vários destaques, a Holanda ficou sem nomes entre as três melhores da Copa (Rapinoe, Lucy Bronze e Lavelle). E mesmo os destaques holandeses entram e saem das seleções eleitas por quem acompanhou o torneio - Van Veenendaal e Miedema estão em alguns times, em outros já não estão. Essas duas mereciam mais crédito? Alguma outra merecia?

Bruno: Talvez Miedema merecesse a bola de bronze, mas Van Veenendaal mereceu todos os créditos possíveis e merecidos como melhor goleira, em uma Copa com tantos destaques na posição (Endler, Lindahl, Schult). Outra que merecia mais crédito sem dúvida é a Sherida Spitse, que jogou muito bem, sendo literalmente uma "leoa" marcadora nesse meio campo holandês. Destacaria também a Van Dongen, que substituiu bem a Van Es e fez excelente Copa do Mundo.

Amanda: A Van Veenendaal foi eleita a melhor goleira da Copa do Mundo, então acredito que ela recebeu seus méritos, muito justos. A Miedema foi uma das melhores atacantes da Copa do Mundo, centroavantes, mas teve uma concorrência muito forte contra a Ellen White, que também fez uma grande Copa do Mundo e sem ter a mesma expectativa que a Miedema. Acredito que as duas jogadoras devam ser analisadas sob perspectivas diferentes. No time ideal da Copa do Mundo, no presente, a Ellen White tem vantagem. Mas se montarmos um time ideal também levando em consideração potencial, a Miedema seria a minha escolhida.

Olga: Acho que essa disputa foi bem acirrada. Não tem como tirar esse prêmio da Rapinoe, mas talvez a Ellen White merecesse um lugar nesse pódio. Claro que houve jogadoras da Holanda que se destacaram e merecem crédito, como as citadas Van Veenendaal e Miedema, e também Martens e Groenen, mas acho que prêmios individuais pela participação no Mundial já seria exagero.

Renata: Acho que a Van Veenendaal até teve o seu destaque. Foi eleita a melhor goleira do torneio, e acho que foi muito justo isso. Eu entendo que a Miedema foi um dos destaques dessa Copa, mas eu acho que, como eu falei, o jogo da Holanda é mais coletivo. Sobressai-se mais o coletivo, e menos as jogadoras. Mas se você fizer a seleção da Copa, com certeza ela [Van Veenendaal] está. E gostei bastante da Miedema nessa Copa, achei que ela rendeu muito bem. Mostrou todas as suas características, fez gol de cabeça, de todos os jeitos, ela participou muito do ataque. Acho que a Martens acabou prejudicada pela lesão que ela teve, acabou não jogando tão bem na final, e a Holanda sentiu isso, coletivamente. Acho que a Van de Sanden também ficou devendo um pouco, eu esperava mais dela. Mas gostei muito da Van Veenendaal. Teve atuações muito seguras - bem, foi a melhor goleira da Copa... e foi uma das melhores jogadoras da Holanda nessa Copa, porque ela passava uma segurança muito grande. No próprio jogo contra os Estados Unidos, aquela bola que ela defende da Morgan (a Rapinoe cruza, e a Morgan está na boca do gol para fazer) [no 1º tempo], foi uma bola muito difícil. Acho que ela passou a segurança que o time precisava. Quando a bola chegava no gol, ela estava ali para evitar.


quarta-feira, 10 de julho de 2019

Holanda na Copa feminina (I): a análise sobre quem jogou

Após algumas mudanças, a Holanda terminou a Copa escalada assim - e mereceu aplausos, por decolar na hora certa rumo a um honroso vice-campeonato (FIFA/Getty Images)

Às vésperas da Copa do Mundo feminina, falava-se da seleção da Holanda como uma possível candidata a surpresa. Título, nem tanto (era assunto para Estados Unidos, Alemanha, Japão ou França, na própria opinião da técnica Sarina Wiegman), mas se esperava uma boa campanha das Leoas Laranjas. Quem sabe semifinais, ou quartas de final. Essa boa campanha poderia vir, baseada no ótimo ataque ostentado pela seleção holandesa e pela escalação que os torcedores já conheciam de cor e salteado.

Pois bem: no meio de tantas boas campanhas das seleções europeias - França, Itália e Suécia como destaque -, o destino e as boas atuações colocaram a Holanda numa final histórica. As norte-americanas impuseram sua ampla superioridade técnica e conquistaram o quarto título mundial, mas o time laranja foi além do que se pedia dele: quando os destaques tiveram dificuldade (e isso aconteceu muitas vezes), as classificações sucessivas vieram com muita dedicação em campo - exemplo claro foi a dificílima vitória sobre o Japão, nas oitavas de final.

Mais valioso ainda foi notar que, num time que mudou pouco (das 11 titulares, oito jogaram em praticamente todas as partidas), quem vinha do banco entrava bem - às vezes, até sendo titular. E sempre que um destaque fraquejava, outro aparecia prontamente para ajudar nas vitórias. Assim a Holanda chegou a um elogiável vice-campeonato. E já que este blog fez um especial pré-Copa do Mundo, com um texto para cada uma das 23 convocadas e para a técnica Sarina Wiegman, nada mais justo que viesse esta análise especial, com as opiniões do blog(ueiro) sobre as atuações de cada uma das 16 convocadas holandesas que entraram em campo na França.

Goleira

1 - Sari van Veenendaal (7 jogos, 5 gols sofridos): A goleira iniciou sua Copa do Mundo em relativa baixa. Veio para a França sem clube - o contrato com o Arsenal se encerrou, sem renovação -, e mesmo escolhida como titular por Sarina Wiegman, Van Veenendaal falhou no gol marcado por Camarões, ainda na fase de grupos. Porém, na hora em que realmente sua presença tinha de ser justificada, a camisa 1 das Leoas Laranjas o fez brilhantemente. Nas oitavas de final, contra o Japão, Sari fez uma defesa fundamental (e ainda teve sorte de ver erros nipônicos nas finalizações). Contra a Suécia, na semifinal, foram pelo menos duas defesas notáveis da goleira. E na decisão, se a Holanda segurou os Estados Unidos por um bom tempo, o grande mérito foi de Van Veenendaal, com três intervenções espetaculares. Não bastassem as defesas, como capitã, mostrou calma e espírito de liderança sobre o time. Mereceu plenamente o título de melhor goleira da Copa do Mundo. E provou a quem duvidava: é titular absoluta da posição na seleção da Holanda. Tem toda a chance de achar um clube para continuar a carreira.

Defensoras

2 - Desiree van Lunteren (7 jogos): A lateral direita viveu momentos inconstantes na Copa. Foi titular absoluta, mas encontrou certas dificuldades - principalmente nos jogos da fase de grupos: teve dificuldades contra Nova Zelândia e Camarões, e o gol do Canadá saiu por uma falha dela na marcação de Christine Sinclair. Entretanto, os bons momentos de Van Lunteren foram mais visíveis: precisa na marcação, sabendo se antecipar à adversária, e consciente no apoio - sempre sabia a hora melhor para avançar -, a camisa 2 das Leoas Laranjas mereceu a titularidade em todos os minutos da Holanda na Copa. Suas atuações contra Itália e Suécia, em especial, mereceram destaque - na semifinal contra as suecas, inclusive, foi quem mais desarmes fez (7). Já na final, caiu um pouco, tendo muitas dificuldades na marcação da norte-americana Tobin Heath. De certa forma, Van Lunteren viveu altos e baixos no Mundial. Mais altos do que baixos, é verdade.

3 - Stefanie van der Gragt (5 jogos): Eis uma jogadora que teve sofrimentos e prazeres em sua participação na campanha. Começou como titular absoluta, mostrando eficiência ao afastar a bola (usando principalmente sua estatura), mas a velha propensão a lesões apareceu: sentiu dores no joelho logo na estreia contra a Nova Zelândia, ficando de fora contra Camarões e Canadá. Poupada, Van der Gragt retornou nas oitavas de final, sob desconfianças. Teve um teste de fogo contra o Japão - e passou, com a classificação das Leoas às quartas de final. E contra a Itália, a zagueira teve seu apogeu: eficiente na defesa, ainda ganhou um merecido prêmio para superar os problemas, com o gol que definiu a vitória. Terminou a Copa deixando uma impressão agridoce. Por um lado, Van der Gragt errou, cometendo assumidamente o pênalti convertido por Megan Rapinoe, que colocou os Estados Unidos na rota do título. Por outro, sem suas antecipações e sua ajuda a Van Veenendaal, a Holanda poderia ter sofrido mais gols na final. O saldo deixado por Van der Gragt na Copa foi positivo: superou os problemas e foi bem.

20 - Dominique Bloodworth (7 jogos, 1 gol): Se teve mais sequência em campo do que a parceira de zaga Van der Gragt (esteve em todos os minutos de todas as sete partidas), Bloodworth foi crescendo no decorrer da Copa. Na estreia contra a Nova Zelândia, foi o ponto fraco: lenta, teve dificuldades na posse de bola, e ainda perdeu gol de modo incrível, no fim do 1º tempo. Contra Camarões, os defeitos foram parecidos, mas pelo menos ela conseguiu um importante gol, recolocando a Holanda na frente. A partir daí, Bloodworth só subiu na Copa. Se deixava espaço demais para as adversárias chegarem com a bola, se valia da força física nas divididas para se impor. Teve muitas dificuldades com a velocidade do Japão nas oitavas, é verdade. Mas já mantinha mais a bola nos pés. E só brilhou mais nas partidas decisivas: segura contra a Itália, absoluta contra a Suécia (em uma semifinal dificílima, Bloodworth foi precisa nos carrinhos e desarmes), útil contra os Estados Unidos (escalada na lateral esquerda, se valeu da força física e da ajuda das colegas de defesa para neutralizar Megan Rapinoe com bola rolando). Outra que tinha o que provar. E provou.

6 - Anouk Dekker (4 jogos, 1 gol): A experiente volante convertida em zagueira já sabia: seria reserva na Copa, mas precisaria estar a postos se fosse necessário. Foi: os problemas de Van der Gragt no joelho, durante a fase de grupos, forçaram a técnica Sarina Wiegman a escalar Dekker ao lado de Bloodworth na zaga. Deu certo: não só sua estatura (1,82m) valeu para combater o jogo aéreo adversário, como serviu até em jogadas de ataque - pois não foi Dekker a autora do gol que abriu o placar contra o Canadá? Mesmo voltando ao banco com a recuperação da titular Van der Gragt, estava comprovado o valor da experiência da camisa 6, remanescente da Copa de 2015, que também entrou no fim da prorrogação, na semifinal, para conter a pressão final da Suécia. Se restava qualquer dúvida, se dissipou na final: com a necessidade de resistência física e técnica contra o ataque quase irresistível dos Estados Unidos, Dekker começou jogando ao lado de Van der Gragt, e aguentou enquanto pôde, rebatendo os cruzamentos e contendo Alex Morgan (mais) e Tobin Heath (menos). Uma das três "reservas-titulares" da Holanda na Copa: entrou pouco, mas entrou bem.

4 - Merel van Dongen (6 jogos): No miolo de zaga ou na lateral esquerda, Van Dongen poderia ter começado a Copa já como titular. Partiu da reserva, mas bastou a sua entrada contra a Nova Zelândia, aos 70', para que Van Dongen mostrasse que merecia lugar no time: além de controlar os problemas defensivos no setor, partiu dela a jogada do gol salvador de Roord na estreia. Contra Camarões, a lateral esquerda também saiu do banco - e também foi bem. Bastou: a partir do jogo contra Canadá, Van Dongen era a nova titular da lateral canhota nas Leoas Laranjas. E justificou isso. Nem tanto contra o Japão, quando teve sérias dificuldades na marcação das rápidas adversárias. Mas nas quartas e nas semifinais, Van Dongen foi outra jogadora de segurança invejável: acertou todos os carrinhos, antecipou-se com precisão, mostrou calma quando era necessário. Na final, menos forte fisicamente, perdeu o lugar no time titular para Dekker. Tudo bem: Van Dongen já justificara por que virou titular no decorrer da Copa. Parte na frente de Kika van Es, na disputa pela lateral esquerda.

5 - Kika van Es (3 jogos): Estava tudo certo: Van Es estava preparada para ser a titular da lateral esquerda da seleção holandesa durante o Mundial. Mas no último amistoso antes do torneio (3 a 0 contra a Austrália, em Eindhoven), uma microfratura num dedo da mão direita prejudicou a jogadora. Ela até saiu chorando do gramado do Philips Stadion: temia o corte. Salvou-se dele, com uma rápida operação que a deixou pronta para a Copa. Porém, o pior veio depois: a pausa forçada na preparação para o torneio fez com que Van Es perdesse um pouco do vigor que a ajuda nos avanços ao ataque, e ainda a tornou vulnerável às ameaças defensivas, contra Nova Zelândia e Camarões. Como não se pode perder lá muito tempo para mudanças em Copa do Mundo, Van Dongen foi transformada em titular. E Van Es só teve a comemorar a transferência anunciada no decorrer da competição (do Ajax, foi para o Everton-ING). Até entrou em campo num momento importante: no fim do jogo contra o Japão, nas oitavas de final, para dar a velocidade que Van Dongen já não conseguia mais dar na marcação. Todavia, as circunstâncias a fizeram perder um pouco de espaço na seleção. Pena para ela.

Meio-campistas

14 - Jackie Groenen (7 jogos, 1 gol): A carismática volante foi outra jogadora que se afirmou como destaque da Holanda no decorrer da Copa. Na fase de grupos, Groenen foi discreta: não brilhou nem comprometeu, apenas tentou cumprir seu papel como "carrapato" a perseguir as meio-campistas adversárias (e a ajudar o ataque, quando possível). Nas oitavas de final, a camisa 14 foi preocupante: a velocidade do Japão na troca de passes a fez errar vários carrinhos, deixando a defesa da Holanda aberta. Problema plenamente corrigido a partir de então. Contra a Itália, nas quartas de final, Groenen acertou o que errara contra as japonesas: foi precisa nos desarmes, veloz nos avanços, enfim, foi incansável, um dos destaques do 2 a 0 que levou a Laranja à semifinal. E contra a Suécia, ela teve sua apoteose: novamente eficiente nos carrinhos que roubavam a bola das adversárias, a volante foi a autora do gol que levou a Holanda à final. Foi discreta na final, sem conseguir conter a velocidade dos Estados Unidos. Tudo bem: Jackie Groenen já mostrou o que poderá fazer nos próximos anos.

10 - Daniëlle van de Donk (7 jogos): Outra jogadora irregular da Holanda na Copa do Mundo. É errado falar que Van de Donk foi bem: poderia ter sido mais decisiva na criação de jogadas, poderia ter aparecido mais para completar jogadas no ataque, muitas vezes tomou decisões erradas em campo (passava a bola quando deveria chutar, e vice-versa). No entanto, também é injusto falar que a meio-campista foi mal "e pronto" durante a Copa: Van de Donk sempre chamava a responsabilidade nas partidas, quase marcou dois golaços (contra o Canadá, com uma bicicleta, e contra a Itália, com um chute colocado no travessão), tinha utilidade em muitos momentos - nas quartas de final contra as italianas, a camisa 10 soube manter a posse de bola no campo de ataque, com inteligência, impedindo até uma pressão final das Azzurre. Enfim, Van de Donk foi outra das Leoas a ser um "vagalume": acendeu e apagou várias vezes.

8 - Sherida Spitse (7 jogos): A experiente meio-campista pode até ter aparecido menos para a torcida em campo. Mas foi, talvez, uma das jogadoras mais fundamentais que a Holanda teve em toda a Copa do Mundo. Nos jogos em que a defesa sofria (contra Canadá, Japão, Suécia, Estados Unidos), Spitse voltava, ajudava firmemente na marcação, era quase uma "terceira zagueira". Quando era necessária a pressão do ataque, Spitse fazia "o primeiro passe", encaminhava a bola, ditava o ritmo da Holanda. Sem contar as jogadas de bola parada: foi a camisa 8 que cobrou o escanteio para o gol de Martens contra o Japão, foi a camisa 8 que bateu as duas faltas para Miedema e Van der Gragt marcarem contra a Itália nas oitavas de final, eram de seus pés as cobranças sinuosas. Enfim: aos 29 anos, Spitse justificou por que é a jogadora com mais partidas pela seleção feminina da Holanda. Enquanto quiser e tiver fôlego e habilidade, será a principal meio-campista das Leoas Laranjas.

19 - Jill Roord (7 jogos, 1 gol): Há algum tempo, Jill Roord era uma das "reservas-titulares" da Holanda: sempre que o meio-campo precisava, ela vinha a campo - não raro, com bons resultados. Sabedora de suas qualidades, ela já pedia: não queria usar a camisa 12, queria usar outra, que deixasse claro como ela podia ser titular. Roord foi atendida: usou a 19 na Copa. E respondeu muito bem: sempre que veio a campo, fortaleceu o poder ofensivo da Holanda, sendo mais ousada no meio-campo, chegando ao ataque, sendo mais uma jogadora capaz de finalizar. Assim, nos acréscimos, fez o gol de uma vitória aliviante na estreia, contra a Nova Zelândia. E assim, Roord forçou seu espaço: saiu do banco em todas as partidas da campanha do vice-campeonato mundial. Ajudou mais em algumas partidas do que em outras. Mas já faz por merecer ser escalada como titular, de vez em quando.

Atacantes

13 - Renate Jansen (1 jogo): Talvez a atacante do Twente tenha protagonizado a única substituição inesperada da Holanda na Copa. Com a defesa das Leoas Laranjas sendo pressionada pelo Canadá no final do jogo em Reims, ainda na fase de grupos, a Holanda precisava de uma atacante boa no jogo aéreo, para conseguir segurar a bola no ataque. Aí entrou Renate, no lugar de Van de Donk, para ser quem poderia puxar um contragolpe que aparecesse. Não apareceu nenhum. Mas a Laranja segurou a vitória sobre as canadenses, por 2 a 1. E Jansen, destaque do Twente campeão feminino na Holanda, ganhou seus três minutos no Mundial. Até merecido, para alguém que já está há dez anos na seleção.

21 - Lineth Beerensteyn (7 jogos, 1 gol): Ela era mais uma das jogadoras no banco de reservas que certamente viriam a campo se fosse necessário, no decorrer de cada partida. E entre as "reservas-titulares", Beerensteyn foi a holandesa que mais aproveitou suas chances. Já indicou isso com sua participação no gol da vitória na estreia, contra a Nova Zelândia, escorando o cruzamento de Van Dongen para Jill Roord fazer 1 a 0. Mas a camisa 21 se credenciou como candidata real a titular ao entrar contra o Canadá: fez o gol da vitória, por 2 a 1, foi tão rápida quanto Van de Sanden, mas bem mais eficiente do que a titular, sempre perigosa na ponta-direita. Contra o Japão, na árdua vitória nas oitavas, Lineth também foi decisiva: quando a Holanda estava contra as cordas, no fim do jogo, foi ela que achou o espaço para fazer a jogada que gerou o pênalti convertido por Martens. Sabedora de sua capacidade, apregoava nas entrevistas: queria ser titular. Já entrou mais cedo nas quartas de final, contra a Itália, e também ajudou no ótimo segundo tempo que a Holanda fez então. Por fim, teve a chance que desejava e merecia, tornando-se titular na reta final. Com resultados mistos: foi mediana na semifinal contra a Suécia, já causou alguns problemas à defesa norte-americana na final. De todo modo, Beerensteyn demonstrou na Copa que está pronta para ser titular. Talvez, continue assim.

7 - Shanice van de Sanden (7 jogos): Talvez a grande decepção da seleção holandesa nesta Copa do Mundo - Martens poderia até ser isso, mas ainda tem alguns problemas a justificarem suas atuações fracas. Van de Sanden, nem isso teve: foi mal, mesmo. Sua única jogada em que poderia ajudar - os avanços em velocidade na ponta direita - foi facilmente neutralizada pelas marcações adversárias. Aliás, era comum ver Van de Sanden ser rápida "até demais": partir antes do passe do meio-campo, só para vê-lo ser interceptado pela defesa adversária. A rigor, só em uma vez a camisa 7 conseguiu escapar da marcação: no lance do primeiro gol holandês contra Camarões, quando cruzou para Miedema marcar. Aos poucos, o cansaço e as boas atuações da reserva Beerensteyn foram vencendo Van de Sanden, que seguiu como titular até as quartas de final. A partir da semifinal (justamente em Lyon, no estádio e na cidade que tão bem conhece), ela já começou no banco - e seguiu errando, como na finalização bizarra nos minutos finais da prorrogação. Na final, vinda a campo já com 2 a 0 para os Estados Unidos no placar, já não tinha muito a fazer. Claro, Van de Sanden ainda tem o que mostrar na seleção holandesa. Mas na disputa por posição, saiu da Copa inferior a Beerensteyn.

11 - Lieke Martens (7 jogos, 2 gols): Era a craque, o símbolo da Holanda na Copa, aquela de quem todos esperavam a diferença a favor das Leoas Laranjas. E Martens falhou. Se serve de justificativa, ela teve motivos para justificar as atuações abaixo do esperado. O primeiro se deve até à sua própria fama prévia: como craque da Holanda, era até óbvio que houvesse mais marcação para cima dela - em todos os jogos, sempre havia no mínimo duas marcadoras para tentar evitar os habituais chutes colocados da camisa 11. O segundo é compreensível: as dores num dedo do pé, que persistiram durante toda a Copa, foram agravadas após as oitavas de final e fizeram com que a produção de Martens caísse cada vez mais na reta final da campanha da Holanda - na semifinal contra a Suécia, ela foi substituída já no intervalo. De mais a mais, no jogo mais difícil da campanha antes da final, a craque mostrou sua importância: com um belo gol e uma cobrança decisiva de pênalti, foi Martens o nome que levou a Holanda à vitória contra um valoroso Japão. Contudo, se teve esses problemas inegáveis, Martens também precisa aprender que, como craque, precisa (e pode) arranjar um jeito de se safar da marcação. Até porque ela tende a ser cada vez mais dura. Fica a tarefa para ela, na sequência do trabalho.

9 - Vivianne Miedema (7 jogos, 3 gols): Após decepcionar na Copa de 2015 e só embalar na reta final rumo ao título na Euro 2017, Miedema chegou à Copa a bordo de atuações excepcionais pelo Arsenal, no Campeonato Inglês feminino da temporada passada. Tinha tudo para, enfim, brilhar pela Holanda num grande torneio. Bem... brilhar intensamente, "Vivi" não brilhou. Mas conseguiu fazer sua melhor aparição pelas Leoas Laranjas num grande palco. Teve falhas, claro: às vezes perdia tempo e bola no ataque ao cortar para chutar de pé esquerdo - ou por mero capricho, como na belíssima jogada que fez na final contra os Estados Unidos. Entretanto, se uma atacante precisa fazer gols e causar problemas à defesa adversária, Miedema fez isso em momentos decisivos. Foi muito bem contra Camarões, com os dois gols que fizeram dela a maior goleadora da história da seleção feminina da Holanda. Foi ela que, enfim, abriu o placar contra a Itália, nas quartas de final, evitando nervosismo maior da Laranja. E na final, mesmo passando em branco, até mostrou talento para vir desde o meio-campo com a bola dominada. Enfim, se não foi a melhor atacante da Copa, Miedema foi a mais decisiva jogadora da Holanda na Copa. Não brilhou do começo ao fim, mas satisfez. E o que mostrou no torneio deixa a otimista impressão de que é só o começo para ela...

Ficaram no banco durante todos os minutos dos jogos da Holanda na Copa: Geurts e Lize Kop (goleiras), Van der Most (lateral direita), Kerkdijk (zagueira), Kaagman (meio-campista), Pelova (meio-campista) e Ellen Jansen (atacante)

A técnica: Sarina Wiegman

Se é possível falar em "craque" no banco, Sarina se provou como uma dessas na Copa. A treinadora da Holanda já era uma das personalidades mais importantes da história do futebol feminino no país, bem antes do Mundial começar. O que fez no mês passado na França só potencializou o tamanho da imagem de Wiegman. Sempre se mostrou muito consciente do estilo tático que desejava: firmeza na defesa, rapidez e eficiência nos ataques, paciência com a posse de bola. Quando foi necessário, Sarina teve mão firme e mudou o time, evitando perigosas quedas de desempenho no decorrer da Copa. Foi ousada quando precisava, mudando o time de acordo com o adversário - na final, a escalação da defesa foi firme enquanto pôde. Mostrou calma para aceitar as críticas (às vezes exageradas, é verdade) sobre o pragmatismo que a seleção feminina mostrou. Por tudo isso, Sarina Wiegman comprovou sua capacidade para alcançar o mesmo status de legendárias treinadoras europeias, como a alemã Sylvia Neid ou a sueca Pia Sundhage. E teve um dos prêmios que merecia: o anúncio de que será a primeira mulher a ter uma estátua no jardim da sede da federação da Holanda, em Zeist, onde ficam grandes nomes do futebol do país. E no futebol feminino holandês, poucos nomes são tão grandes quanto Sarina Glotzbach-Wiegman.

domingo, 7 de julho de 2019

Fizeram o possível

A Holanda mudou para tentar conter os Estados Unidos. Mas um erro pôs tudo a perder. Tudo bem: o vice-campeonato merece aplausos (FIFA/Getty Images)

Era possível a Holanda ganhar dos Estados Unidos, na final da Copa do Mundo feminina? Até era... desde que as Leoas Laranjas tivessem uma atuação perfeita, daquelas inesquecíveis, diante de uma seleção tão favorita quanto eram as norte-americanas, com seus três títulos mundiais (incluindo o da Copa passada, em 2015). Pelo menos na defesa, tudo deu certo. Mas estava faltando o ataque holandês funcionar. Uma hora, a fechada zaga holandesa fraquejou. E o caminho se abriu para o 2 a 0 do merecido título da equipe de Jill Ellis. Se serve de consolo (minúsculo), a Holanda tentou o que podia, com as armas que tinha.

Sarina Wiegman foi inesperadamente ousada na escalação. Sabedora de que seria caminho certo para a derrota dar espaço para a pressão quase irrespirável dos Estados Unidos no começo do jogo, a técnica da Holanda se preocupou em fechar a defesa: colocou Anouk Dekker (1,82m, mais alta do que Merel van Dongen, de 1,70m) no miolo de zaga, ao lado de Stefanie van der Gragt (1,78m), para inibir o jogo aéreo adversário. De quebra, Dominique Bloodworth foi deslocada para a lateral esquerda, para perseguir um dos grandes nomes ofensivos das norte-americanas - e da Copa: Megan Rapinoe.

Tudo começou bem. Ou quase. Afinal de contas, quase tudo que a Holanda fez nos primeiros 45 minutos foi se defender dos avanços dos Estados Unidos. Dekker e Van der Gragt mostravam precisão ao afastarem as bolas da área, de cabeça. Nas laterais, Desiree van Lunteren agia corretamente na direita, enquanto Bloodworth conseguia neutralizar Rapinoe, após alguma dificuldade para se readaptar.

Mas nenhuma dessas se destacava tanto quanto Sari van Veenendaal. Entre tantas goleiras de atuação elogiável na Copa do Mundo, a camisa 1 das Leoas Laranjas começou a despontar em Lyon. Saía bem do gol nos cruzamentos - como o de Tobin Heath, aos 17'. E estava sempre atenta nos chutes de longe, como provou em três grandes defesas, aos 28' (afastando um arremate de Samantha Mewis, meio no reflexo), aos 38' (pegando com dificuldades a bola, após desvio de Alex Morgan na pequena área) e aos 40' (em chute colocado da própria Morgan). Fez por merecer o prêmio que ganhou, como a melhor goleira da Copa.

Van Veenendaal fez o que pôde, talvez mais do que todas as outras holandesas em campo. Mereceu o prêmio de melhor goleira da Copa (FIFA/Getty Images)

Com todo esse esforço, a Holanda conseguiu conter os habituais começos sufocantes das norte-americanas. E passou o primeiro tempo sem sofrer gols. O problema foi na hora da bola ir para o meio-campo: Jackie Groenen perseguia as meio-campistas adversárias sem conseguir desarmá-las, Sherida Spitse não conseguia controlar o ritmo (afinal, não tinha a bola nos pés), só raramente Daniëlle van de Donk tinha espaço para avançar, Lieke Martens estava completamente sem ritmo. Mas as mudanças táticas que Sarina Wiegman pensara também ajudavam no desempenho de dois nomes: Vivianne Miedema mostrava capacidade inesperada para auxiliar na criação de jogadas, e Lineth Beerensteyn perturbava mais a marcação. Mas de chutes a gol, só a falta batida por Spitse para fora, aos 43'.

Entretanto, a Holanda se aguentava na defesa. A seleção dos Estados Unidos começava a se cansar de tanto tentar atacar, de tanto cruzar bolas à área, sem que viessem as finalizações. A zaga holandesa seguia precisa nas antecipações. Se não houvessem erros, a prorrogação era uma possibilidade - ou quem sabe, até, viesse a chance que Miedema e Beerensteyn tanto esperavam para marcarem o gol. Até que, aos 58', Heath cruzou da direita, Morgan tentou finalizar, mas Van der Gragt afastou a bola para escanteio com o pé alto. Tão alto que atingiu a atacante norte-americana - após o jogo, a zagueira holandesa reconheceu: "Eu não vi a chegada dela e fui com o pé para tentar acertar a bola, mas não acertei. Talvez ela tenha caído fácil demais, mas eu a acertei. Não peguei forte nela [Morgan], mas houve o contato".

Era um erro. Que foi punido: com a ajuda do VAR, a juíza francesa Stéphanie Frappart apitou o pênalti, convertido por Megan Rapinoe para o 1 a 0 dos Estados Unidos. Grosso modo, o jogo estava resolvido. A Holanda teria de avançar mais, deixar os cuidados defensivos que vinham dando certo - e isso abriu o espaço que as norte-americanas tanto desejavam para chegar a mais gols. Com isso, a Oranje até trouxe perigo uma vez, aos 65', quando Miedema fez excelente jogada, driblando três jogadoras, mas ficou com o ângulo bloqueado pelo chute e foi enfim desarmada por Becky Sauerbrunn. Mas os Estados Unidos chegavam com mais perigo, e encaminharam o título com o gol de Rose Lavelle, aos 69', em boa jogada individual da meio-campista, concluída com um chute forte no canto esquerdo de Van Veenendaal. Houve chance para mais, mas elas pararam nas boas atuações defensivas (Van der Gragt e Van Veenendaal à frente). Foi assim aos 71', quando Spitse evitou a finalização de Rapinoe. Ou aos 76', quando Van Veenendaal evitou o gol de Crystal Dunn.

E os Estados Unidos ganharam. Porque as jogadoras holandesas fizeram o possível, quase sem erros, por 58 minutos. Até que erraram. E aí, as agora tetracampeãs mundiais do futebol feminino não perdoam. Tudo bem: a Holanda fez o que pôde.

(FIFA/Getty Images)
Copa do Mundo feminina - final
Estados Unidos 2x0 Holanda
Data: 7 de julho de 2019
Local: Groupama Stadium/Parc OL (Lyon)
Árbitra: Stéphanie Frappart (França)
Gols: Megan Rapinoe, aos 61', e Rose Lavelle, aos 69'

Estados Unidos 
Alyssa Naeher; Kelley O'Hara (Ali Krieger), Abby Dahlkemper, Becky Sauerbrunn e Crystal Dunn; Samantha Mewis, Julie Ertz e Rose Lavelle; Tobin Heath (Carli Lloyd), Alex Morgan e Megan Rapinoe (Christen Press). Técnica: Jill Ellis

Holanda
Sari van Veenendaal; Desiree van Lunteren, Anouk Dekker (Shanice van de Sanden), Stefanie van der Gragt e Dominique Bloodworth; Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk e Sherida Spitse; Lineth Beerensteyn, Vivianne Miedema e Lieke Martens (Jill Roord). Técnica: Sarina Wiegman

quinta-feira, 4 de julho de 2019

O fim merecido

Na montanha-russa que foi sua carreira, Robben superou desconfianças e lesões. E terminou vencedor: coberto de aplausos, pelos títulos e pela habilidade (VI Images/Getty Images)

Durante muito tempo, duvidou-se dele. Por todos os motivos: por sua fragilidade física, pela incapacidade de decidir partidas, pela mania de simular sofrer faltas e pênaltis, por só ter uma opção de jogada que repetia quase incessantemente. Mas ele seguiu. Foi superando as desconfianças, uma a uma. Algumas foram insuperáveis - como conquistar o título mundial pela seleção da Holanda. Mas ele foi vencendo cada vez mais os olhares tortos em sua direção. E agora, neste 4 de julho de 2019, quando anunciou o fim de sua carreira como jogador de futebol, Arjen Robben ganha o que merecia: aplausos e mais aplausos.

Robben no Groningen: quando tudo começou (VI Images)

Um começo fulgurante

A rigor, demorou até pouco para que o nativo de Bedum despontasse dentro da Holanda. Afinal, ele estreou pelo Groningen aos 16 anos, em 3 de dezembro de 2000, ao substituir o atacante brasileiro Leonardo pelos Groningers, contra o RKC Waalwijk. Na pausa de inverno daquela temporada 2000/01, já se converteu em titular - marcaria dois gols em 18 jogos que fez pelo Campeonato Holandês. E já mereceu atenção nas seleções de base. De 1999 a 2001, a ascensão foi fulgurante - da seleção sub-16 à sub-19, quase sem escalas, culminando na convocação para o Mundial Sub-20 de 2001. Treinada por Louis van Gaal, comandante da seleção principal, a Oranje sub-20 parou nas quartas de final, Robben começou titular e terminou reserva, mas já se desconfiava: aparecia um grande talento na Holanda. O PSV não pestanejou: bancou a aposta e, por € 3,9 milhões, trouxe o novato do Groningen para Eindhoven, em julho de 2002.

A aposta do PSV em Robben poderia ter dado muito errado. Deu certíssimo (Adam Davy/Empics/Getty Images)

Poderia ter dado errado, poderia ser mais um jovem promissor que não se confirmava... mas Robben venceu essa primeira desconfiança: na Eredivisie 2002/03, foram 12 gols em 33 jogos, uma ótima parceria com o sérvio Mateja Kezman no ataque do PSV, o destaque no título holandês dos Boeren naquele campeonato, o prêmio de "Revelação da Temporada" na Holanda. Já era hora de aparecer na seleção adulta. E Robben foi mais um a estrear: em 30 de abril de 2003, num amistoso contra Portugal, entrou no lugar de Marc Overmars, aos 77', para fazer a primeira de suas 96 aparições pela Oranje. Se os títulos inexistiram para o PSV em 2003/04, Robben seguiu crescendo. Mantendo ritmo de jogo acelerado pelos Eindhovenaren (23 jogos, 6 gols na Eredivisie), o cidadão de 20 anos era cada vez mais cortejado por grandes clubes da Inglaterra. E após reuniões fracassadas com o Manchester United, o Chelsea bancou a aposta a sério: em janeiro de 2004, Roman Abramovich pagou € 18 milhões ao PSV, garantindo a contratação de Robben, a partir de junho.

Já na Euro 2004, seu primeiro torneio pela seleção, Robben era a revelação: sua substituição contra a República Tcheca, na fase de grupos, foi altamente criticada (Andreas Rentz/Bongarts/Getty Images)

No meio do caminho, Robben fez o suficiente para garantir seu lugar entre os 23 convocados por Dick Advocaat para a Holanda que disputaria a Euro 2004. Chamado como "a promessa", estreou na reserva, mas com a atuação mediana da Laranja no 1 a 1 da estreia contra a Alemanha, Advocaat apostou nele: tornou-o titular, a partir da segunda partida, contra a República Tcheca. Deu certo: atormentando os marcadores tchecos pela esquerda, Robben participou das jogadas que levaram a Holanda a fazer 2 a 0 em 20 minutos. No segundo tempo, foi substituído, por Paul Bosvelt. A República Tcheca virou para 3 a 2, e para sempre Advocaat precisou explicar aquela alteração: por quê mudara, se a revelação estava resolvendo a vitória? Pelo menos, Robben seguiu titular na campanha holandesa na Euro. Converteu a cobrança da classificação, na decisão por pênaltis contra a Suécia, nas quartas de final. E terminou aquele torneio continental justificando o interesse por ele. Era hora de encarar o crescimento da carreira, no Chelsea.

Robben foi útil ao Chelsea... enquanto as lesões permitiam (Mike Hewitt/Getty Images)
As desconfianças se ampliam

Mas foi justamente na chegada à Inglaterra que Robben começou a encarar seu principal problema: as lesões. Antes mesmo do começo da temporada, quebrou um metatarso do pé direito, num amistoso contra a Roma, em julho de 2004. Em meio à recuperação da fratura, um problema ainda pior: os médicos notaram que um testículo estava maior, e pediram biópsia. O holandês temeu: havia a possibilidade de que fosse um tumor. Segundo seu próprio testemunho, foram dias terríveis até o diagnóstico aliviante: não havia nada.

Só então o holandês pôde mostrar valor em Stamford Bridge: na reta final da temporada 2004/05, foram 18 jogos e sete gols pelo Campeonato Inglês, além de cinco partidas e uma bola na rede pela Liga dos Campeões, celebrando por fim o título da Premier League. Porém, outra lesão o tirou da reta final da temporada. Já em 2005/06, no bicampeonato nacional dos Blues, Robben conseguiu se livrar das lesões, por algum tempo: destacou-se na campanha do Chelsea dentro da Premier League, com 28 partidas e seis gols.

Com tal desempenho, quando podia, Robben seguia absoluto na ponta direita da seleção da Holanda. Foi justificadamente convocado por Marco van Basten para a primeira Copa do Mundo de sua carreira, em 2006 - e na estreia da Laranja naquele Mundial, contra Sérvia e Montenegro, foi o nome da vitória por 1 a 0, marcando o gol e mostrando velocidade (e um excesso de individualismo, diga-se...) no jogo em Leipzig. De resto, teve participação correta nas três partidas que fez na Copa.

Ainda assim, Arjen atraia cada vez mais desconfianças. Não bastassem as renitentes lesões, seguia visado por preferir a sua jogada-padrão - o domínio de bola, pela direita, trazendo a bola para a esquerda e finalizando - a passar a bola a algum companheiro. Na temporada 2006/07, ele teve um bom começo e um fim turbulento: mais uma lesão, em janeiro de 2007, além de uma operação no joelho, em março do mesmo ano. Voltou a tempo de participar da semifinal da Liga dos Campeões, contra o Liverpool (perdeu sua cobrança na decisão por pênaltis que levou os Reds à final), e da final da Copa da Inglaterra, vencida pelo Chelsea. Mas já não havia muita paciência para esperar por sua recuperação em Londres.

Robben teve espaço no Real Madrid, teve boas atuações... mas o clube não o quis mais (Barrington Coombs/EMPICS/PA/Getty Images)

A transferência para o Real Madrid, em agosto de 2007 (€ 35 milhões), deixava claro que a aposta em Robben ainda merecia muito investimento: em forma, ele poderia ser fundamental em qualquer clube. E sua atuação no Real, de certa forma, até justificou o investimento: titular na meia-esquerda durante a campanha do título espanhol dos Merengues (2007/08), Robben caiu nas graças da torcida madridista. Da ala "holandesa" que o Real tinha na época (ele, Wesley Sneijder, Ruud van Nistelrooy e Royston Drenthe), era um dos mais úteis e importantes para o time que Fabio Capello escalava. Pela seleção, mesmo com apenas quatro aparições em 2007, se sabia: era nome certo na convocação para a Euro 2008. Robben foi ao torneio continental. Poupado, veio e foi do banco de reservas: entrou e teve atuação excelente no 4 a 1 holandês na França (um gol), começou jogando contra a Romênia... e se lesionou, tendo de ver do banco a eliminação da Oranje para a Rússia, nas quartas de final.

Robben tinha tudo para continuar bem no Real Madrid: tinha espaço, conseguia alguma sequência de jogo, era importante para o time. Mas os tempos em Chamartín eram caóticos, com um clube que parecia perdido. Florentino Pérez voltou à presidência da agremiação espanhola, quis fazer o estelar Real Madrid se impor no mercado com as contratações de Kaká e Cristiano Ronaldo... e o holandês ficou sem espaço. Aceitou ir para o Bayern de Munique, na última semana da janela de transferências antes da temporada 2009/10, por € 25 milhões. Resmungou, dizendo que fora "forçado" a deixar o Real, já que o clube não o queria mais. Diante do que lhe aconteceu na Baviera, ficou tudo bem.

2012, um ponto baixo na carreira de Robben. Pelo Bayern, pênalti perdido na final da Liga dos Campeões. Pela Holanda, inclusão no vexame na Euro (ANP)
Os baixos da montanha-russa

Ficou tudo bem porque, no Bayern, Robben teve o que sempre merecia e queria: espaço para jogar onde se sentia melhor, na ponta-esquerda. Além do mais, mostrou grande força para superar as desconfianças e reveses que se sucederam. Poucas temporadas mostraram tanto isso quanto 2009/10. Nela, Robben foi o grande nome da campanha do clube de Munique, com o título alemão (24 partidas e 16 gols marcados), o título da Copa da Alemanha e o vice-campeonato na Liga dos Campeões (como esquecer seu gol, de bate-pronto, em Old Trafford, garantindo a classificação do Bayern às semifinais, contra o Manchester United?). Um dos destaques da Holanda que chegava consistente para a Copa de 2010, Robben prometia, enfim, brilhar num grande torneio.

Mas quase foi impedido pelo último amistoso da Laranja antes da viagem à África do Sul: entrando no intervalo, Robben fez dois gols nos 6 a 1 holandeses sobre a Hungria. Mas nos últimos minutos da partida, ao tentar um passe de calcanhar, distendeu um músculo da coxa. A euforia da torcida pela goleada se transformou em tensão: a possibilidade de corte de Robben perturbava as perspectivas do que poderia acontecer na Copa. Aí, o cidadão já então calvo mostrou a qualidade que o ajudou a superar os problemas: tenacidade.

Enquanto os outros 22 jogadores da Oranje foram para a Copa, Robben ficou uma semana a mais na Holanda, se recuperando da lesão com o fisioterapeuta Dick van Toorn, num trabalho de dia e noite. Foi para a África do Sul. Ficou sem jogar nas duas primeiras partidas. Entrou contra Camarões, no último jogo da fase de grupos da Copa, e participou do gol da vitória (chutou na trave a bola cujo rebote Huntelaar aproveitou para fazer 2 a 1 em Camarões). Contra a Eslováquia, nas oitavas de final, abriu o placar nos 2 a 1. Marcou outro gol contra o Uruguai, na semifinal. Na decisão, contra a Espanha, aos 15 minutos do segundo tempo, num lançamento perfeito de Sneijder, ficou livre, teve a grande chance do gol até ali, a seus pés... e começou ali a queda da montanha russa. Porque Robben errou: seu toque foi afastado para fora pelo pé de Iker Casillas.

Robben foi um dos grandes no futebol da Holanda. Poderia ter sido maior ainda, não fosse a conclusão afastada por Casillas na final da Copa de 2010 (ANP)
A final da Copa seguiu, a Holanda perdeu, e o homem da careca reluzente ficou com a fama de "amarelão", de quem não decidia em seu grande momento (por melhor que tivesse sido sua Copa de 2010 - e foi). Pior: voltando ao Bayern, se descobriu que a lesão muscular na coxa sofrida antes do Mundial fora agravada pelo esforço da disputa na África do Sul. Ficou todo o segundo semestre de 2010 em recuperação, voltando aos campos em janeiro de 2011.

Robben voltou, seguiu fazendo incontáveis gols com sua jogada do corre-pela-direita-corta-para-o-meio-e-chuta-com-a-esquerda, foi destaque na campanha que levou o Bayern à final da Liga dos Campeões de 2011/12 em plena Allianz Arena. Na decisão do torneio continental, contra o Chelsea, após o 1 a 1 do tempo normal, Robben teve a chance de definir o título, num pênalti, durante a prorrogação. Cobrou... e Petr Cech pegou. Nos pênaltis, o Chelsea conquistou a Champions League, calando a Allianz Arena. Dias depois, o camisa 11 da Holanda jogou um amistoso por sua seleção, justamente contra o Bayern, como indenização por sua lesão em 2010. Foi vaiado por sua própria torcida. Tinha a Euro 2012 para fortalecer seu nome. Foi pior ainda: no "Grupo da Morte" daquela edição, a Holanda perdeu os seus três jogos, Robben esteve envolvido em vários casos de discussões internas... parecia começar a reta final de sua carreira. Era o "amarelão", o "canela-de-vidro", o "cai-cai", o "inútil que só sabia bater de esquerda".

Os altos da montanha russa

Robben aguentou tudo. Passou a ser escalado no Bayern de modo mais parcimonioso, a partir da temporada 2012/13: fez 16 jogos e marcou cinco gols no Campeonato Alemão, apareceu em 9 partidas e colocou a bola nas redes por quatro vezes na Liga dos Campeões... e teve seu desempenho potencializado. Voltou a ser destaque nos Roten. A torcida tolerava seu lado "fominha", sua insistência na jogada do chute com a perna esquerda: sabia que aquilo podia ser decisivo. E Robben foi decisivo, na mais apropriada das horas. Na decisão da Champions League 2012/13, em Wembley, contra o Borussia Dortmund, parecia que ele novamente seria o vilão: perdera muitos gols durante a partida. Mas aos 88', quando a prorrogação já parecia inevitável, foi Robben que acompanhou a jogada de Franck Ribéry. Que deu um toque sutil, na saída do goleiro Roman Weidenfeller. E que fez o gol do quinto título europeu do Bayern, o gol da Tríplice Coroa do Rekordmeister. Naquele 25 de maio de 2013, Robben coroava a primeira parte de sua reação.


A segunda parte viria em 2014. Pela seleção da Holanda, todos seguiam desconfiando dele: de que adiantava ir bem em amistosos e qualificações de grandes torneios, se nas horas decisivas ele negava fogo? Pois bem: Robben não negaria fogo naquela Copa do Mundo, no Brasil. Aos 30 anos, mostrava velocidade e força muscular impressionantes - e notáveis para alguém com histórico tão cheio de lesões. Foi um dos dínamos a superar a Espanha, na marcante goleada por 5 a 1 em Salvador, na estreia da Oranje. Abriu o caminho da vitória contra a Austrália, por 3 a 2, em Porto Alegre. Conseguiu iludir a todos nas oitavas de final, em Fortaleza, levando Rafa Márquez a cometer (?) o pênalti que levou a Laranja às quartas. Chamava a responsabilidade, corria fosse qual fosse o tempo de jogo, atormentava a defesa adversária. Teve um gol impedido por Javier Mascherano na semifinal contra a Argentina, é verdade, e naquele jogo a Laranja foi eliminada. Mas o terceiro lugar ganho naquela Copa - talvez, aquela Copa como um todo - teve um rosto: o rosto calvo de Arjen Robben.

A Copa de 2014 foi o ponto de virada de Robben: melhor jogador do torneio para muitos, ali ele provou que era craque (Laurence Griffiths/Getty Images)
Dali por diante, Robben já nem precisava fazer muita coisa. No Bayern, já não era titular absoluto, já alternava a posição com outros, mas sempre que a experiência era necessária, o holandês era o nome a ser escalado - e ainda seguia marcando bonitos gols. Pela seleção, o caminho foi mais tortuoso: Robben tentava, mas o tempo passava. Uma séria lesão muscular o impediu de tentar ajudar, nos momentos finais da fracassada campanha nas Eliminatórias da Euro 2016. Na qualificação para a Copa de 2018, a Holanda já estava quase desenganada, mas ele tentou: no jogo derradeiro da campanha, contra a Suécia, a Laranja precisava de uma vitória por oito gols de diferença para se classificar. Venceu por 2 a 0, ficou de fora da Copa, mas quem marcou os dois? Ele mesmo: Arjen Robben. Que ali se despediu da camisa laranja, após 14 anos e 96 jogos em que a vestiu, com 37 gols.

Nesta temporada recém-encerrada, oito títulos da Bundesliga alemã e cinco títulos da Copa da Alemanha depois, Robben decidiu deixar o Bayern de Munique. Foi cobiçado: de Juventus a Benfica, de Groningen a PSV, vários clubes desejavam tê-lo no inverno de seu tempo futebolístico. Mas ele preferiu parar. Afinal, nada melhor para um craque como Robben do que ter o fim merecido: deixar saudades, sair de cena coberto de aplausos. Nada mais justo para alguém que simboliza, junto aos colegas de geração Wesley Sneijder e Robin van Persie, o que foi o futebol da Holanda nos últimos quinze anos.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

O teste que faltava

Numa semifinal equilibradíssima contra a Suécia, a Holanda conseguiu acertar a chance que teve. Conseguiu ser precisa defensivamente. E chegou à final da Copa. Merece aplausos ainda mais fortes (Getty Images)

"Jij krijgt die lach niet van mijn gezicht" (em holandês, "você não tira o sorriso do meu rosto") é o título de uma das canções mais queridas do grupo de jogadoras da seleção feminina da Holanda. A música do cantor John de Bever já descrevia bem o clima com que as Leoas Laranjas encaravam a chegada às semifinais da Copa do Mundo feminina: ganhando ou perdendo, manteriam o sorriso no rosto, pois já faziam história apenas na segunda participação do país num Mundial. Mas, claro, dava para superar a Suécia. E numa campanha que teve atuações de todos os jeitos, a Holanda passou pelo teste que lhe faltava: numa partida altamente equilibrada, em que erros eram proibidos, a Laranja quase não errou. Aguentou a pressão psicológica. Foi eficiente. Fez 1 a 0. E está na final.

Se o ponto de vista aqui fosse o da seleção da Suécia, seria possível dizer que foi uma classificação injusta. Ainda mais pelo que se viu no primeiro tempo, no Parc Olympique Lyonnais, em Lyon. Jogando mais avançada do que se supunha, a seleção auriazul dominou as ações. Pelas pontas, Lina Hurtig e Sofia Jakobsson causavam tormentos. Hurtig foi ativa num cruzamento aos 9' (Sari van Veenendaal defendeu). E Jakobsson, o destaque da classificação sueca para cima da Alemanha, foi ainda mais perigosa aos 13': a camisa 10 fez bela jogada, se livrando de Sherida Spitse com um giro, carregando a bola no contra-ataque e passando para Stina Blackstenius bater cruzado. Mas Van Veenendaal mostrou segurança, de novo: a goleira da Holanda pegou, e resistiu às dores após pisão involuntário de Jakobsson.

Claro que, de vez em quando, a Holanda tentava. Mas diante de uma zaga experiente e muito fechada (e de Hedvig Lindahl, talvez a melhor goleira da Copa), só se viam chutes inócuos. Enfim tendo a chance que tanto queria como titular, Lineth Beerensteyn tentou aos 17', mas Lindahl pegou. Lieke Martens não tinha espaço e nem mostrava ritmo. Vivianne Miedema sempre dava um toque a mais na bola. Daniëlle van de Donk tinha atuação ruim, perdendo muitas bolas ou errando os passes nas raras jogadas. Restava à Holanda ter cuidado na defesa. Principalmente nas bolas paradas, como os escanteios cobrados por Magdalena Eriksson - foi assim que aos 37', após escanteio, Hurtig ficou com a sobra, na área, e chutou cruzado, para Van Veenendaal evitar o gol sueco com os pés, e Stefanie van der Gragt afastar.

Era a sorte holandesa: além da segurança de Van Veenendaal no gol, o miolo de zaga se mostrava muito atento. Tanto Van der Gragt quanto Dominique Bloodworth eram precisas nos desarmes e nas devoluções. A mesma coisa nas laterais, com Desiree van Lunteren contendo Hurtig (ainda que com dificuldades) e Merel van Dongen crescendo mais e mais na partida, mostrando admirável poder de antecipação. Mesmo se houvesse o erro de uma, outra consertava - foi assim aos 48', quando Van Dongen errou passe, Blackstenius puxou o contra-ataque com a bola que sobrara, mas Bloodworth desarmou a atacante da Suécia na área, na exata hora do chute. E mesmo se a bola passasse da zaga das Leoas Laranjas, a sorte as ajudava: como na grande chance sueca para o 1 a 0, aos 56', quando Nilla Fischer chutou cruzado, Van Veenendaal desviou, e a bola foi para a trave.

A Suécia foi melhor em boa parte do tempo normal, atacando mais. Parou nas excelentes atuações de defesa da Holanda (Getty Images)

Faltava o ataque e o meio-campo crescerem, manterem mais a posse de bola, fazerem a defesa adversária trabalhar. Começou a acontecer, com o cansaço maior da Suécia. Van de Donk começou a acertar mais as jogadas. Spitse auxiliava na marcação. E Jackie Groenen, sempre incansável, despontava como destaque no meio-campo da Holanda: corria, desarmava, vinha com a bola para ajudar Beerensteyn na direita, não parava. A bola que Miedema mandou no travessão de Lindahl, de cabeça, após escanteio, aos 64', era um auspicioso sinal: a Holanda estava viva.

E a entrada de Shanice van de Sanden - desta vez, no banco -, no lugar de uma Beerensteyn discreta, ampliou a sensação de reação da Holanda. Não que a camisa 7 estivesse embalada, mas conseguiu reter mais a bola, dar mais trabalho a Eriksson na direita, fazer mais tabelas e jogadas. A Holanda cresceu, teve chance com Van de Donk (errou o chute, aos 85') e Van de Sanden (defesa de Lindahl nos acréscimos), mas começou a se resguardar para a prorrogação que vinha. E a Suécia, mais cansada, também.

Terminaram os 90 minutos. Começou a prorrogação. E a sensação era de jogo de bichos grandes: ninguém podia errar. A Suécia parecia mais ofensiva, rondando a área de Van Veenendaal. Até que uma hora, aos 99', Van der Gragt devolveu um chutão ao meio-campo. Spitse pegou a bola e passou a Van de Donk. Desta, a bola foi para Groenen. A camisa 14 (como a de Johan Cruyff, seu ídolo) viu o espaço. Decidiu fazer o que lhe pediram nos treinos: chutar a gol. Bola precisa, no canto direito de Lindahl. Era o 1 a 0. A Holanda acertava a chance que precisava acertar.

Groenen experimentou o que lhe pediam: chutar de fora da área. Conseguiu o gol da vitória (Getty Images)

O que não significava, nem de longe, que a Suécia tinha desistido. Ao contrário: cresceu na segunda metade da prorrogação. Julia Zigiotti e Madelen Janogy ajudavam o ataque a manter a posse de bola. Blackstenius, Jakobsson e Kosovare Asllani tentavam. Mas agora, elas é que paravam no monolito defensivo holandês, com as grandes atuações de Van Veenendaal, Van der Gragt e Bloodworth - única chance perigosa foi um chute por cobertura de Asllani, aos 119'. A Holanda corria perigos, seguia sem a bola. E quando a tinha, perdia chances incríveis - como nos acréscimos, quando Van de Sanden errou bisonhamente um chute na área.

Asllani teve azar: atingida por uma bola no rosto, ficou com sérias dores no pescoço e teve de sair. O que só aumentou o drama: os dois minutos de descontos na prorrogação chegaram a sete, com o atendimento à sueca. Mas Van Veenendaal pegou a bola vinda de um cruzamento de Jakobsson, aos 120' + 7. Caiu no chão. E o apito final se ouviu. A Holanda tinha superado o teste que faltava. Jogou medianamente, e dificilmente superará os Estados Unidos, muito favoritos a conquistarem o quarto título mundial no domingo. Tudo bem: nada mais tirará o sorriso no rosto das jogadoras holandesas.

Copa do Mundo feminina - semifinal
Holanda 1x0 Suécia
Data: 3 de julho de 2019
Local: Groupama Stadium/Parc OL (Lyon)
Árbitro: Marie-Soleil Beaudoin (Canadá)
Gol: Jackie Groenen, aos 99'

Holanda
Sari van Veenendaal; Desiree van Lunteren, Dominique Bloodworth, Stefanie van der Gragt e Merel van Dongen; Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk e Sherida Spitse; Lineth Beerensteyn (Shanice van de Sanden), Vivianne Miedema e Lieke Martens (Jill Roord). Técnica: Sarina Wiegman

Suécia 
Hedvig Lindahl; Hanna Glas, Nilla Fischer, Linda Sembrandt e Magdalena Eriksson (Mimmi Larsson); Elin Rubensson (Julia Zigiotti), Kosovare Asllani e Caroline Seger; Sofia Jakobsson, Stina Blackstenius (Jonna Andersson) e Lina Hurtig (Madelen Janogy). Técnico: Peter Gerhardsson