sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Qual o caminho?

Esta expressão é de tristeza da seleção masculina da Holanda, após a eliminação na Copa do Mundo. Mas pode ser de dúvida: qual o caminho a seguir para ser campeã? (Stefan Matzke/Sampics/Corbis via Getty Images)

Um lado: daqui a dois dias, em 1º de janeiro de 2023, Ronald Koeman voltará a treinar a seleção masculina da Holanda (Países Baixos) sabendo que a diretora geral da federação, Marianne van Leeuwen, já estipulou uma meta - a Laranja precisa ser campeã, de alguma coisa, qualquer coisa. Outro lado: após a participação da mesma seleção na Copa do Mundo, a impressão foi de uma campanha tão digna (afinal, chegou-se ao quinto lugar, invicto) quanto banal (talvez só tenha havido algum brilhantismo contra os Estados Unidos, nas oitavas de final, e no gol que empatou o jogo contra a Argentina). De certa forma, esta dualidade resumiu o 2022 do futebol holandês: uma encruzilhada entre o desejo de ser campeão e o desejo de jogar bem, de divertir a torcida. Qual o caminho a seguir?

Seleção masculina: tudo, exceto o principal

A rigor, poucos foram os momentos em que a Holanda encantou como seleção, neste ano que acabará no sábado. Houve "agrado", é verdade. Os amistosos em março - vitória contra a Dinamarca, por 4 a 2, e empate em 1 a 1 com a Alemanha - deram a confiante impressão de que a equipe estava capacitada para ir bem na Copa do Mundo. Nunca foi o caso de falar em título, mas a Laranja estava a postos para fazer uma boa campanha. Os jogadores eram bons, como já eram na Euro (Denzel Dumfries, Virgil van Dijk, Georginio Wijnaldum, Frenkie de Jong, Memphis Depay), e a organização que lhes faltou no torneio continental havia voltado sob o comando de Louis van Gaal. Isso se provou na Liga das Nações. Brilho, só nos 4 a 1 sobre a Bélgica - e ainda assim, depois de um começo em que os Diabos Vermelhos, rivais regionais, chegaram a mandar uma bola na trave. 

Ainda assim, a Holanda foi consistente. Mesmo em jogos mais difíceis - as duas vitórias contra País de Gales (2 a 1 e 3 a 2, ambas com os gols da vitória nos acréscimos), o 2 a 2 com a Polônia -, o time ia buscar o que precisava. Uma base sólida era formada. Sem deixar de dar a chance a novatos, aproveitassem (Teun Koopmeiners, Noa Lang, Cody Gakpo) ou não (Jerdy Schouten, Hans Hateboer). Terminar liderando o grupo, invicta, classificada para as semifinais em 2023 - na qual será o país-sede - já foi um fruto do trabalho de Van Gaal. Que perdeu um jogador importante: Wijnaldum havia caído de nível com a má passagem pelo Paris Saint-Germain, mas quando disputaria a vaga na convocação para os jogos de setembro (2 a 0 na Polônia, 1 a 0 na Bélgica), sofreu a fratura na tíbia que tirou suas chances de estar no segundo Mundial da carreira. Mesmo assim, se esperava o ápice na Copa.

Não foi bem o caso. Resultado, a Holanda teve: passou invicta pela fase de grupos no Catar, com duas vitórias e um empate. Passou pelos Estados Unidos com facilidade até maior do que se esperava, nas oitavas de final. Mas nunca chegou a agradar: teve momentos de inferioridade na estreia contra Senegal, foi definitivamente pior do que o Equador na segunda partida, e nem exibiu a autoridade que se esperava contra o Catar. E a partida da eliminação, nas quartas de final, contra a Argentina, exibiu esses dois lados. Durante 83 minutos, o que se viu foi uma Holanda estéril, incapaz de causar perigo contra a defesa argentina, totalmente vencida pela genialidade de Lionel Messi e por algumas boas atuações (Enzo Fernández, Nahuel Molina, Marcos Acuña). Aí, quando entraram dois atacantes altos, Wout Weghorst se sobressaiu. No gol de cabeça, na brilhante jogada individual do empate. Porém, na hora de aproveitar o bom momento, na hora de se agigantar para vencer... a Holanda se retraiu. A Argentina voltou a dominar o jogo na prorrogação. E venceu, até merecidamente, nos pênaltis.

De novo, mesmo com um bom ano, a Holanda terminou deixando a impressão de que faltara algo. O próprio país deixou isso claro: a torcida nunca ligou muito para a campanha, a imprensa criticou o excesso de pragmatismo ("Onde foi parar aquele futebol reconhecível? A tendência para ser aventureira e ofensiva?', indagou a revista Voetbal International). Não adianta: a Holanda pode jogar bem ou mal, mas só um título fará com que se perdoe a mudança de postura.

O Feyenoord se reanimou gradativamente, na ótima campanha pela Conference League 2021/22. E segue esperançoso na temporada atual (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Os times: a esperança continua

No ano passado, esta retrospectiva era intitulada "portas da esperança". Afinal, houvera indícios de que o futebol doméstico da Holanda (Países Baixos) poderia sonhar. Não, a situação não mudou muito: aqui e ali, há indícios de que os clubes do país podem ocupar um posto de relativo destaque. Só que o símbolo disso não foi o Ajax, cuja classificação categórica na fase de grupos da Liga dos Campeões passada foi revertida com uma eliminação algo inesperada e melancólica para o Benfica, nas oitavas de final. Foi o Feyenoord.

Nem se prestava muita atenção no Stadionclub, dentro da Conference League. O foco maior ia para PSV (destinado à Conference, após cair na fase de grupos da Liga Europa) e até para o AZ. Só que o clube de Alkmaar foi eliminado pelo Bodo/Glimt-NOR. O PSV avançou um pouco mais, porém também caiu, para o Leicester-ING, nas quartas de final. E o Feyenoord, no mesmo dia, se consolidou, eliminando o Sparta Praga-TCH na capital tcheca, indo às semifinais da Conference League.

Só aí, de certa forma, passaram a prestar atenção no time que Arne Slot tinha montado. Com vários nomes em grande fase: Marcos Senesi, Tyrell Malacia, Fredrik Aursnes, Orkun Kökcü, Cyriel Dessers, Luis Sinisterra... nomes que conseguiram grandes atuações na semifinal, contra o Olympique de Marselha, no 3 a 2 da ida e no 0 a 0 na volta, que devolveu o Feyenoord a uma final europeia, após 20 anos. Nela, contra a Roma, uma falha foi aproveitada pelo clube italiano, que fez 1 a 0 e se sagrou o primeiro campeão da história da Conference League. Mas o clube de Roterdã ganhara algo a mais: a confiança, um novo ânimo.

Ânimo confirmado agora, no Campeonato Holandês. Porque o Ajax viveu um fim de ciclo, com muitas saídas (André Onana, Noussair Mazraoui, Lisandro Martínez, Ryan Gravenberch, Antony, o técnico Erik ten Hag...). Está numa temporada relativamente apática: caiu melancolicamente na fase de grupos da Liga dos Campeões, e está na segunda posição do Campeonato Holandês. Mais preocupado do que o PSV, classificado para as oitavas de final da Liga Europa, com várias boas atuações (Xavi Simons, Luuk de Jong, Joey Veerman e Cody Gakpo, agora um nome que deixa saudades). 

E do que o... Feyenoord. Que já se remontou com novos candidatos a destaque: Dávid Hancko, Sebastian Szymanski, Danilo, Santiago "Bebote" Giménez. Que lidera o Campeonato Holandês. Que está nas oitavas de final da Liga Europa. E que sonha, de novo, em repetir a bonita história que viveu.

Van de Donk ainda é uma das veteranas na seleção feminina, mas Esmee Brugts (esquerda) e Romée Leuchter (direita) simbolizam a nova geração da Holanda que chega (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Seleção feminina: a hora das jovens se aproxima

Mesmo começando bem, a seleção feminina da Holanda estava mal. Nas vitórias, não convencia; nas derrotas e empates, preocupava. Foi assim no Torneio da França, em que ela terminou em segundo lugar, mas só vencendo a Finlândia, empatando com o Brasil e perdendo da França, seleções que lhe faziam frente. Mas o 3 a 0 nas finlandesas já dava um sinal: o técnico Mark Parsons experimentou várias novatas. A goleira Daphne van Domselaar, a atacante Esmee Brugts, a volante Jill Baijings: todas elas foram titulares. E o destino daria a elas o começo de um protagonismo.

A participação na Euro feminina ampliou isso. Em meio às turbulências de uma primeira fase em que até as duas vitórias foram sofridas (sem contar o 1 a 1 da estreia com a Suécia), os destaques não foram Vivianne Miedema (testou positivo para a COVID após a estreia), Lieke Martens (lesionada no pé, foi cortada da Euro após a fase de grupos), Sari van Veenendaal (a goleira lesionou o ombro e foi substituída também contra as suecas). Foram Romée Leuchter, Victoria Pelova, a supracitada Brugts, a supracitada Van Domselaar - esta, uma das melhores goleiras da Euro, responsável quase direta pela eliminação nas quartas de final, para a França, só ter acontecido na prorrogação.

Num trabalho dificultado por muitos fatores, Mark Parsons foi demitido logo após a Euro. Com mais boa vontade e interesse do que experiência no futebol feminino, Andries Jonker chegou para concluir uma campanha nas eliminatórias da Copa que tinha mais dificuldade do que se esperava. E que teve no jogo da vaga o símbolo disso. Precisando vencer a Islândia para passar à liderança do grupo, no jogo direto da última rodada, a Holanda foi muito superior. Criou muitas chances. Todas elas, parando na espessa defesa islandesa. Até que, aos 90' + 3, praticamente no último lance do jogo, coube a Brugts fazer o gol da salvação, da classificação para a terceira Copa da história das Leoas Laranjas.

Para elas, alguns caminhos já começam a se insinuar. Nos amistosos, Andries Jonker já começa a experimentar uma equipe com três zagueiras, recuando Sherida Spitse para a zaga. As novatas começam a ganhar destaque - como exemplifica, por exemplo, o quarto lugar no Mundial Sub-17 de mulheres. E o destino, de novo, apareceu nisso - de modo lamentável, com o rompimento de ligamento cruzado anterior que tirará Vivianne Miedema da Copa feminina. Que deverá servir, seja qual for o resultado, para a mudança definitiva de geração. Deverá ser a última Copa de Stefanie van der Gragt, Daniëlle van de Donk, Spitse, Martens. E a primeira de Van Domselaar, Kerstin Casparij, Brugts, Leuchter, Fenna Kalma... a geração que pode manter a Holanda uma seleção competitiva no futebol feminino mundial.

Que todas essas histórias tenham o melhor caminho possível. Que seja um feliz 2023 a todos - inclusive a quem ler este texto.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Groningen e Enschede: duas entre tantas histórias de Pelé

Pelé atraiu a atenção de um padre em Enschede. Atraiu a atenção de toda a Holanda, em 1959 (Tubantia/Reprodução)

Talvez Edson (ou Edison) Arantes do Nascimento estivesse destinado a alegrar torcidas do mundo todo - acima de todas, as do Santos e da Seleção Brasileira - desde que nasceu, em 23 de outubro de 1940, na cidade mineira de Três Corações. Talvez isso tenha ocorrido desde sua estreia no futebol profissional, em 7 de setembro de 1956, quando já marcou gol no arqueiro Zaluar - que se orgulhou disso -, nos 7 a 1 que o Santos fez sobre o Corinthians de Santo André. Ou talvez, desde o primeiro de seus 77 gols pela Seleção, em 7 de julho de 1957, contra a Argentina, pela Copa Roca (antigo torneio entre as duas seleções). Desde sua revelação fulgurante, na Copa de 1958, certamente, qualquer pessoa do planeta que gostasse de futebol queria vê-lo jogando. E o Reino dos Países Baixos teve a honra de ter Pelé jogando por três vezes em seu território.

Como quase sempre passou a ocorrer com Pelé após 1958, elas foram em amistosos - mais precisamente, em 1959. Todos queriam ver o Santos, campeão paulista no ano anterior - com ele como goleador do campeonato estadual, graças a 58 gols marcados. A Holanda estava nessa. Aliás, estava nessa também em relação a outro clube brasileiro que atraía multidões graças a seus ases: o Botafogo, que também tinha muitos nomes campeões mundiais pelo Brasil na Suécia (Nilton Santos, Didi, Zagallo e Garrincha). O Glorioso já jogara por lá em 1959, em amistosos contra o Fortuna '54 (um dos antecessores do Fortuna Sittard atual), o Willem II e o Feyenoord. Houve, lógico, interesse em ver o Santos, o "time do Pelé". Que aceitava os vários convites para excursões, em razão do dinheiro que rendiam. Logo, em maio de 1959, a delegação santista embarcou para o que seriam 22 jogos em 45 dias na Europa.

E em 2 de junho de 1959, chegou a vez da Holanda ver o Santos. Um país que só acompanhara aquele novato pela televisão (a Europa já viu a Copa de 1958 pela telinha), ou pelas fotos de revistas como a Paris Match. O interesse era tanto que crianças lotaram os arredores do Hotel Hofman, onde a delegação santista se hospedou, esperando por autógrafos. Pelé, inclusive, dava as assinaturas - e algumas moedas a elas, achando que fossem pedintes. Uma daquelas crianças cresceu - e escreveu um livro sobre aqueles dias: Gerald Helsma relatou o que viveu em "De Zwarte Parel in het Groningse Oosterpark" ["A Pérola Negra no Oosterpark de Groningen"].

Pois é: o amistoso foi num estádio humilde, até - o Oosterpark, em Groningen. Mas contra o melhor time holandês daquele momento: o Feyenoord, contando com alguns ótimos jogadores pré-Cruyff - o goleiro Eddy Pieters Graafland, o meio-campo Cor van der Gijp, os atacantes Kees Rijvers e Coen Moulijn. Van der Gijp ressaltou a ilusão que o Stadionclub tinha, à revista Voetbal International: "Éramos um time bom. A gente chegou a jogar bem na Copa dos Campeões [na temporada 1962/63, o Feyenoord chegou às semifinais do torneio europeu, quando foi derrotado pelo Benfica - que perderia o Mundial Interclubes para o Santos]. A gente foi para o jogo meio se achando. Se o Pelé jogava no Santos, a gente bem podia ser o 'Santos 2'. Pelo menos a gente pensava isso".

O resultado? Van der Gijp riu: "A gente pensava que podíamos ser paralelos aos brasileiros, mas o Santos sempre acelerava. Eles podiam fazer o que quiser, e a gente só podia ver". Pois é: o Peixe fez 3 a 0 naquele amistoso em Groningen, com tremenda facilidade. Como que para justificar tanto interesse, Pelé fez o primeiro, aos 25', aproveitando rebote de chute de Zito na trave; aos 41', Pepe lançou, e Coutinho aproveitou para fazer 2 a 0; no segundo tempo, Pagão fez 3 a 0. No fim do jogo, a prova maior do interesse holandês em ver Pelé (e de como as séries de amistosos o extenuavam). Cansado, ele quis sair do jogo, ser substituído. Auxiliar de Leo Horn, Klaas Schipper simplesmente proibiu a saída. E Pelé jogou os 90 minutos da partida vista unanimemente pelos jornais holandeses: "O Feyenoord é coadjuvante no show de bola do Santos" (Het Parool),  "O valente Feyenoord não teve chance contra o Santos" (Algemeen Dagblad), "Uma técnica incrível foi demais para o time de Roterdã" (De Telegraaf).

A impressão foi eterna para Cor van der Gijp, tanto tempo depois, se admirando à Voetbal International: "Eu acabei de falar com meus netos sobre o Santos. As crianças idolatram os jogadores brasileiros de agora. Mas eu ainda acho que os brasileiros de então eram muito melhores. Eles tinham um nível que a gente nunca poderia alcançar. Eu sei, porque joguei contra eles".

No registro do De Telegraaf, o tamanho do poderio do Santos contra o Feyenoord (Reprodução)

A segunda passagem de Pelé jogando na Holanda veio por obra e graça de Henny Walhof, diretor financeiro do SC Enschede (um dos clubes que se envolveram na fusão que gerou o atual Twente). No começo de 1959, ele já entrara em contato com o empresário Roberto Fauszlegier, que coordenava as excursões do Santos pela Europa. Espantou-se com o preço pedido, como se lembrou à Voetbal International: "Quando me disseram o preço para trazer o Santos, eu fiquei parado no telefone. Estava acostumado com as quantias do futebol profissional, mas para um jogo só, era impossível". Só entre as trocas de telefonemas, telegramas e custos postais entre Holanda e Brasil, combinando o amistoso, o SC Enschede gastou 500 mil florins (moeda holandesa antes do euro). E deu certo: por 22,5 mil florins, o clube garantiu que o Santos passaria por lá. Mas Henny Walhof fez questão absoluta de colocar, à mão escrita, uma condição no contrato: o time da Vila Belmiro precisava ter o seu time mais forte possível, "inclusive Pelé".

Foi difícil. Pelé quis dispensar o amistoso: já estava cansado da roda-viva daquela excursão. Para piorar, um descuido de um dirigente do Santos chegou a deixar Pepe preso no quarto do hotel. Mas este problema se resolveu, Henny Walhof lembrou o contrato para alertar que o Santos não seria pago se Pelé não jogasse... e ele jogou, no estádio Het Diekman. Contra um SC Enschede "reforçado" por bons jogadores de outras equipes da Holanda, como o atacante Tonny van der Linden, do DOS, campeão holandês em 1957/58. O que aconteceu? Novo massacre santista: 5 a 0. No primeiro tempo, até que o SC Enschede tentou. Segurou o 0 a 0. Mas aí, no segundo tempo, aos 57'... Pelé, de cabeça, após cruzamento de Pepe. Gol que rendeu homenagem espontânea de vários dos espectadores ali (fontes falam em 21 mil; outras, em 24 mil): uma reverência, aos gritos de "Abe, Abe". Poderia ser uma homenagem ao atacante Abe Lenstra, jogando no SC Enschede, um dos melhores holandeses pré-Cruyff. Era só a reverência a Pelé.

Que fez o segundo, dois minutos depois, num chute que desviou num zagueiro. E ainda chutou mais uma vez, para o terceiro gol santista. Mais, ainda: cruzou para Coutinho cabecear e marcar o quarto gol, com Dorval completando a goleada no minuto final. Goleada que rendeu outro comentário à Voetbal International, muito tempo depois, do ex-jogador Arend van der Weel, que esteve em campo: "O SC Enschede tinha um time muito bom, poderíamos ter sido campeões holandeses por duas ou três vezes. Apesar disso, não tivemos chance contra o Santos. Marcar, todo mundo pode; mas eu sou maluco é pelo futebol técnico. E o Santos mostrou isso. Eles não chutavam a bola, eles a acariciavam. Todos eram virtuoses".

No jornal regional Tubantia, o registro: o Santos jogou melhor no segundo tempo, ao golear o SC Enschede (Tubantia/Reprodução)

Só duas histórias, entre tantas outras nas quais Pelé chamou a atenção dos privilegiados que o assistiram em campo.

A terceira vez? Foi em 2 de maio de 1963, quando a Holanda venceu o Brasil em amistoso. Com Pelé e tudo. Mas essa será contada aqui, no ano que vem, quando ela completar 60 anos.

Porque não é só hoje, quando o mundo chora a morte (física) de Edison/Edson Arantes do Nascimento, que é bom contar histórias de Pelé.

Sempre será.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

A Holanda na Copa de 2022: a análise sobre quem jogou

A Holanda poderia ter jogado melhor nesta Copa do Mundo. Mas com o grupo que teve, fez uma campanha digna, cumprindo as expectativas razoáveis para ela (KNVB Media/Divulgação)

Um dia, se a participação da Holanda (Países Baixos) nesta Copa do Mundo de 2022 merecer uma análise mais atenta, talvez ela tenha duas possíveis conclusões. A primeira é negativa: foi um Mundial em que a Laranja não brilhou, teve atuações apenas medianas - quando não ruins -, foi muito criticada em seu próprio país pelo estilo assumidamente pragmático que teve em campo, enfim, praticamente passou em branco no Catar. A segunda pode não ser exatamente positiva, mas má não é: bem ou mal, o time neerlandês terminou em quinto lugar - ou seja, o mais competente logo abaixo dos quatro semifinalistas -, causou dificuldades até inesperadas à Argentina nas quartas de final (ainda mais pelo modo como a partida transcorreu em boa parte dos seus noventa minutos), teve pelo menos um momento que será relativamente lembrado em sua campanha.

Talvez, o modo mais adequado de se lembrar a 11ª participação da Laranja numa Copa seja entrelaçando essas duas visões. Sim, esta participação será esquecível. Todavia, também não se esperava muita coisa da Holanda desta vez: ainda que ela tivesse uma sequência invicta e consistente em Liga das Nações e em amistosos, isso se baseava mais na qualidade coletiva do grupo do que em destaques individuais - até porque boa parte desses destaques estava na defesa, e não no ataque. Além do mais, já se sabia que Louis van Gaal pretendia adotar um estilo altamente pragmático, para tentar levar a Holanda o mais rápido possível. 

Se as expectativas eram baixas, então, não havia como exigir muito. Além do mais, praticamente todos os prognósticos, sérios ou brincalhões, ditavam que o ponto final da campanha alaranjada na Copa do Mundo seria onde foi: contra a Argentina, nas quartas de final. Houve jogadores que tiveram boas atuações - mais do que na participação neerlandesa na Euro, também esquecível. Há jovens que podem colaborar nos próximos anos, convocados para esta Copa ou não. Há a perspectiva de que o próximo "ciclo" terá a continuidade que tanto faltou à Laranja desde 2018: afinal de contas, Ronald Koeman já realizou o sonho que tinha de treinar o Barcelona (o trabalho foi contestado, mas ele treinou), agora diz que seu sonho é comandar a Holanda num grande torneio, e seu contrato vai até 2026 - ou seja, tudo leva a crer que Koeman trabalhará quatro anos.

Enfim, a Holanda pode até sair despercebida desta Copa. Jogou pouco para ser lembrada. Mas o clima da seleção passa longe de ser uma terra arrasada. E a análise dos 26 jogadores que começa agora indica exatamente a interação entre dois pontos de vista: ela foi eliminada, foi muito discreta na Copa, mas esteve longe de passar vergonha.

Noppert era considerado por muitos um convocado da Holanda que já deveria estar feliz só por estar na Copa. Ele foi além: com boas defesas, mostrou que merece convocações futuras (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)

GOLEIROS

1-Remko Pasveer: não jogou

13-Justin Bijlow: não jogou

23-Andries Noppert (5 jogos, 4 gols sofridos): Antes da Copa começar, todas as especulações sobre quem seria o goleiro titular da Holanda (Países Baixos) recaíam sobre Remko Pasveer, pela experiência e pelos bons desempenhos na Liga das Nações, ou Justin Bijlow, por já ter sido testado durante a passagem de Van Gaal e pelo crescimento que viveu no Feyenoord durante a reta final pré-Copa. Vindo do Heerenveen, clube médio, vivendo uma história de conto de fadas (só virou titular de uma equipe, o Go Ahead Eagles, no começo deste 2022), Noppert parecia ser daqueles reservas que já poderia se dar por feliz só por ser um dos 26 convocados para o Mundial. Porém, Van Gaal já sinalizava aqui e ali em entrevistas: nos treinos e nos clubes, o camisa 23 era quem vivia melhor fase. O técnico recebeu o sinal verde de Frans Hoek, o treinador de goleiros de sua confiança. E dois dias antes da estreia contra Senegal, veio o anúncio surpreendente: Noppert estrearia na Laranja e na Copa. Como se daria? Pois se deu surpreendentemente bem: calmo, atento, fez duas defesas importantes contra os Leões de Teranga antes mesmo da Holanda marcar o 2 a 0. Mais do que isso: mostrou segurança quando necessário. Que o digam boas defesas contra o Equador (aqui teve até sorte, ao ver uma bola indefensável ir à trave - e sua única falha, uma reposição de bola ruim, ficar sem consequências) e contra os Estados Unidos (o que poderia ter sido o jogo das oitavas de final sem sua defesa logo aos 3'...). Talvez pudesse ter pego alguma cobrança contra a Argentina. Mas isso não diminui em nada a surpresa positiva que o goleiro foi para a Holanda na Copa. Noppert sai ganhando: ainda no Heerenveen, terá interessados em contratá-lo. E a continuar assim, merecerá continuar convocado, afastando a impressão já falada por ele de que esta Copa tenha sido um sonho de algumas noites de inverno no Catar. 

LATERAIS

22-Denzel Dumfries (5 jogos, 1 gol): o lateral direito começou a Copa em dificuldades. Contra Senegal, nem conseguiu ser a opção ofensiva tão costumeira à Laranja (seus avanços eram bloqueados habitualmente pela marcação), e nem foi tão protegido assim por Matthijs de Ligt. No jogo seguinte, contra o Equador, pior ainda: Dumfries passou sérias dificuldades tendo de marcar Pervis Estupiñán, muito mais veloz do que ele naquele empate em 1 a 1. Aos poucos, contudo, ele se assentou. Se continuou com alguns problemas na marcação, não sofreu tanto contra o Catar. E nas oitavas de final, contra os Estados Unidos, enfim foi o que todos esperavam: com pleno espaço para avançar na lateral direita, Dumfries foi o grande destaque daquela vitória por 3 a 1. Seus cruzamentos resultaram nos dois gols do primeiro tempo, ele mesmo fez o terceiro gol que resolveu o jogo para a Laranja, enfim, ele evocou as ótimas atuações que mostrara na Euro. Entretanto, suas atuações foram elogiadas quase simultaneamente à ressalva de que a seleção norte-americana havia sido ingênua demais na marcação. Bastou encarar uma Argentina que foi a campo nas quartas de final com cuidados, que as dificuldades do camisa 22 voltaram: afinal, não só Marcos Acuña o segurou sem muitos problemas, como atacou bastante - basta lembrar a jogada do pênalti, que rendeu o 2 a 0 argentino. Enfim, Dumfries mostrou que tem talento. Mas também mostrou as deficiências que separam o bom lateral que ele é de ser um dos melhores laterais direitos do futebol mundial.

26-Jeremie Frimpong: não jogou

17-Daley Blind (5 jogos, 1 gol): Vindo de má fase no Ajax (perdeu a posição no time titular para Owen Wijndal), Blind chegou à Copa sob fortes desconfianças. E elas seguiram durante a fase de grupos. Talvez até em excesso. Sim, o mais experiente jogador da atual seleção teve sérios problemas de marcação contra o Equador - como, de resto, toda a seleção os teve. Sim, aqui e ali seu principal defeito (a lentidão) causava problemas na defesa. Porém, contra Senegal, Blind foi mais seguro: os senegaleses raramente atacavam pela direita. Contra o Catar, partiu dele a jogada do primeiro gol da Holanda. E contra os Estados Unidos, o lateral esquerdo enfim teve uma atuação que evocou seus melhores momentos. Deu um susto, é verdade: ao demorar para sair da defesa, no começo do jogo, permitiu a condição legal de jogo a Christian Pulisic, que só não abriu o placar porque Andries Noppert fez grande defesa. Porém, logo se recompôs, teve mais espaço para avançar... e foi premiado. Primeiro, ao fazer o segundo gol (celebrado com os colegas de time... e com o pai Danny Blind, auxiliar de Van Gaal). Segundo, ao cruzar com precisão para Dumfries fazer o 3 a 1. Tal atuação melhorou um pouco a visão sobre o lateral. Que só contra a Argentina, nas quartas de final, tenha cometido um erro sério: ao demorar para fechar o espaço junto a Nathan Aké, permitiu que Lionel Messi tivesse a liberdade e passasse para Nahuel Molina fazer o 1 a 0 da Albiceleste. No segundo tempo, como já não conseguiria dar a velocidade de que a Holanda precisava, Blind saiu aos 65', dando lugar a Luuk de Jong. Era sua aparição final, numa Copa em que ele deixou impressões alternadas. Agora, precisará resolver os problemas na carreira - com espaço diminuído no Ajax, pode deixar o clube. E talvez, cada vez mais, ceda lugar a Tyrell Malacia. 

16-Tyrell Malacia: não jogou

Nathan Aké era o zagueiro menos falado da Holanda antes da Copa. Talvez tenha sido o melhor defensor neerlandês no Catar, mostrando segurança (Richard Sellers/Getty Images)

ZAGUEIROS

4-Virgil van Dijk (5 jogos): Mais do que ser o principal zagueiro, Van Dijk chegava ao primeiro torneio grande de seleções em sua carreira com a responsabilidade de liderar a Holanda (Países Baixos) na Copa. Ao longo dos cinco jogos - junto a Noppert e Dumfries, o capitão foi um dos únicos a jogar todos os minutos da Laranja na Copa -, a liderança acabou ficando mais notável do que a capacidade de Virgil na defesa. Já na estreia contra Senegal, ele deu alguns sustos: teve certa lentidão, e uma desatenção com Frenkie de Jong quase abriu o caminho do gol para o adversário. Contra o Equador, então, veio a grande crítica: houve quem achasse que Van Dijk pudesse ter bloqueado o chute que, rebatido por Noppert, rendeu o gol de empate a Enner Valencia. O que foi talvez a mais elogiada característica do zagueiro em sua grande fase, há três anos - a capacidade de cercar o adversário, sem fazer faltas - virava uma característica criticada: por mais que seu papel fosse organizar a defesa, por mais que ele cercasse o adversário, uma hora Van Dijk precisava tentar cortar a jogada, ainda que para isso fosse necessário se arriscar a cometer a falta ou mesmo a ser driblado. Isso rendeu muitas críticas, das quais as de Marco van Basten foram as mais amargas, tendo sido respondidas por ele. Dali por diante, pelo menos, Van Dijk se estabilizou. Passou o resto da Copa atuando com discrição, sem grandes problemas na zaga. De fato, liderou a Holanda em campo. E mesmo tendo perdido sua cobrança contra a Argentina, nas quartas de final, pelo menos ele comprovou sua ascendência, cumprindo o que prometera (se houvesse disputa de chutes da marca do pênalti, fazia questão de abrir a série). Talvez a Copa tenha sido muito útil para mostrar o que Van Dijk realmente é: um bom zagueiro. Não para entrar na lista dos melhores de todos os tempos, mas... um bom zagueiro. Já é alguma coisa. Sua importância na Laranja segue a mesma.

2-Jurriën Timber (4 jogos): O zagueiro vinha cotado como o favorito para formar a zaga com Van Dijk e Aké, jogando pela direita. Diante disso, o fato de ter passado a estreia inteira contra Senegal no banco de reservas poderia ter abatido as perspectivas do zagueiro na Copa. Nada disso: já contra o Equador, com a má atuação de De Ligt, Timber voltou à titularidade - até por estar mais acostumado a proteger a lateral direita com os avanços de Dumfries (já jogou na lateral, vez por outra, no Ajax). Mais um problema: a pressão constante de nomes como Pervis Estupiñán e Gonzalo Plata causou constantes dificuldades a Timber, que perdeu a bola na jogada do gol equatoriano. Timber superou. Evoluiu. Mostrou a força que se esperava dele nos jogos seguintes: foi firme na marcação, foi seguro diante dos adversários, ajudando até na saída de bola. Nunca mais perdeu a posição. E em que pese a eliminação, o zagueiro diminuiu ainda mais as desconfianças sobre si. Se voltar e continuar bem no Ajax, tem tudo para obter a transferência que já se avizinhava para ele - e para se firmar na defesa da Laranja.

5-Nathan Aké (5 jogos): Uns falavam de como Virgil van Dijk poderia ser dos melhores zagueiros da Copa do Mundo. Outros prestavam atenção em como Jurriën Timber era promissor. Poucos falavam em Aké. Mais do que isso: quando falavam, citavam que o zagueiro era superestimado, e sequer merecia jogar no Manchester City que defende. Pois bem: desde que a bola rolou na estreia contra Senegal, Aké mereceu justiça. Se a direita da defesa da Holanda (Países Baixos) sofreu, na esquerda ele atuou sempre com correção: protegendo os avanços de Daley Blind, sem ousadias desnecessárias, sempre atento aos ataques adversários. Isso se notou até mais fortemente na pior atuação holandesa na Copa, o 1 a 1 contra o Equador: a única falha de Aké foi justamente no gol equatoriano, ao não acompanhar Enner Valencia na pequena área. De resto, foi o único nome a mostrar mais segurança, numa seleção que bordejou perigosamente a derrota naquele 25 de novembro. E continuou assim, tanto nos 2 a 0 sobre o Catar quanto nos 3 a 1 sobre os Estados Unidos, já nas oitavas de final: se Van Gaal quebrou a cabeça para escalar o melhor no lado direito da defesa (só quando Timber se estabilizou é que o setor deixou de ser um problema), Aké virou inquestionável. Só saiu nos acréscimos contra os EUA, quando a vitória já estava praticamente assegurada. Nas quartas de final, errou no lance do gol argentino, verdade: sua hesitação entre marcar Lionel Messi ou recuar para a área também abriu espaço para Nahuel Molina entrar e fazer 1 a 0. De todo modo, Aké ajudou com sua versatilidade: quando foi necessário tornar a Holanda mais ofensiva - ainda que no improviso -, ele foi para a lateral esquerda, e suportou os 120 minutos. Mesmo com a eliminação, o defensor foi um dos que saíram por cima. Agora, sua titularidade não atrai nenhum ponto de interrogação.

3-Matthijs de Ligt (2 jogos): Ainda que Timber fosse previsto como o titular preferencial na defesa, De Ligt poderia ter na Copa uma chance de reabilitação definitiva na carreira. Tanto que na estreia, contra Senegal, diante do forte ataque (em qualidade e em força física) dos Leões de Teranga, ele foi o escolhido de Van Gaal como titular, para cobrir a lateral direita e permitir mais avanços de Denzel Dumfries. Deu errado. A atuação de De Ligt foi das mais criticadas da Holanda naquele 2 a 0, perdendo bolas para os senegaleses e tendo atuação insegura na direita - depois, ele mesmo assumiu que nunca jogara naquela posição, daquele jeito. Timber começou como titular contra o Equador, também teve seus problemas, mas evoluiu e terminou bem na Copa. De Ligt? Chegou a reconhecer que "já jogara mais do que esperava", ao site The Athletic. Só voltou a campo nos acréscimos da vitória contra os Estados Unidos. Enfim, numa palavra, decepcionou, mostrou falta de ambição. Se tinha a chance de recuperar a sua titularidade na Laranja, De Ligt deixa a Copa ainda mais fixo no banco de reservas. Ou joga no Bayern de Munique - e com continuidade -, ou não recupera a sua posição tão cedo. Para quem surgiu como surgiu no Ajax, só aumenta o temor de que seja uma decepção, um "foguete molhado".

6-Stefan de Vrij: não jogou

Frenkie de Jong oscilou, mas no geral, comprovou por quê é o melhor meio-campista da Holanda atualmente (Richard Sellers/Getty Images)

MEIO-CAMPISTAS 

21-Frenkie de Jong (5 jogos, 1 gol): A Holanda não tinha nesta Copa um armador, um criador de jogadas no meio-campo, como teve tantas outras vezes. Pois bem: pelo menos no começo da Copa, Frenkie de Jong impressionou positivamente nesse sentido. É certo que já era o principal meio-campista da Laranja, mas do modo como jogou na estreia contra Senegal, De Jong deu a entender que poderia ser dos melhores da posição na Copa. Marcou até mais do que é comum para seu estilo (que o diga o lance, digamos, pitoresco em que segurou Cheikhou Kouyaté); segurou a bola como possível; e finalmente, lançou a bola com precisão para que Cody Gakpo fizesse 1 a 0. A boa impressão diminuiu um pouco contra o Equador: esforço não lhe faltou, mas seu poder de marcação e sua intensidade foram pequenas, diante do domínio do adversário no setor. A partir dali, ficou claro: para render melhor, Frenkie precisaria ter mais liberdade, para poder avançar e até ajudar o ataque, sem perder sua característica de trazer qualidade à saída de bola. Foi o que se viu contra o Catar: De Jong foi um dos destaques no 2 a 0, não só pelo gol que marcou, mas também pela aparição maior no meio-campo. Nas oitavas e nas quartas de final, ele apareceu menos, é verdade: pela proteção maior das zagas adversárias, De Jong voltou a proteger mais a defesa holandesa, deixando a tarefa de ajudar o ataque com Davy Klaassen ou Cody Gakpo. E, de certa forma, deixa a Copa com sua imagem inalterada: não brilhou, mas segue dando a impressão de ser um destaque confiável para a Laranja nos próximos anos. Um daqueles nomes em torno dos quais se forma uma equipe.

14-Davy Klaassen (4 jogos, 1 gol): Diante de Steven Berghuis e Cody Gakpo, Klaassen chegou à Copa em papel secundário. Conseguiu reverter isso logo na estreia, contra Senegal: ao substituir justamente Berghuis, o meio-campista trouxe mais velocidade na criação de jogadas ofensivas. Não as criou, exatamente, mas ajudou a Holanda a sair mais para o ataque - e foi premiado com o segundo gol daqueles 2 a 0, ao chegar à área para aproveitar o rebote do chute de Memphis Depay. Bastou para Klaassen ganhar a vaga de titular contra o Equador. E ele acabou criando um "entrosamento" com Cody Gakpo: não ocorria sempre, mas tabelar com o atacante rendia chances à Laranja. Assim surgiu o gol holandês contra o Equador, e o gol que abriu o placar contra o Catar: Gakpo recebeu a bola, tabelou com Klaassen, e chutou da entrada da área. Em suma: o camisa 14 podia não ser tão hábil nessa função de "meio-campista que chega à área" como Georginio Wijnaldum é, mas ajudou. Só saiu do time para possibilitar o aproveitamento dos contra-ataques, após o intervalo, contra os Estados Unidos. E como Gakpo também poderia jogar como "meio-campista que pisava na área", Klaassen ficou no banco contra a Argentina. Tudo bem: sua contribuição na Copa foi digna de menção, mesmo sem ser excelente.

15-Marten de Roon (5 jogos): De Roon começou discretamente na Copa: entrou apenas nos acréscimos contra Senegal, substituindo Cody Gakpo, para aumentar o poder de marcação no meio-campo. Contra o Equador, sua importância já aumentou: substituindo Koopmeiners aos 79', ele foi outro nome que melhorou a contenção à intensidade que La Tri demonstrou em campo, impedindo que o placar ficasse pior do que o (já criticado) 1 a 1. E aí, sim, De Roon ganhou sua chance: por sua dedicação maior na proteção à defesa, ele se tornou o nome ideal para permitir que Frenkie de Jong avançasse mais ao ataque. Assim, ele foi titular no 2 a 0 contra o Catar. E virou o nome preferencial para tornar a Holanda mais combativa no meio-campo, até por ser o mais marcador dos convocados. Passou a ser até previsível: a Laranja começava com De Roon entre os titulares, e se fosse necessário ser mais ofensivo ou mesmo aproveitar os contra-ataques, ele era substituído por outro meio-campista. Foi assim contra Estados Unidos e Argentina: nas duas partidas, Teun Koopmeiners o substituiu para auxiliar os contragolpes (nas oitavas de final) ou para trazer mais perigo nas bolas paradas (nas quartas de final). De todo modo, mesmo sem aparecer, De Roon teve sua utilidade na campanha. Como quase sempre teve. E sobrou tempo até para as clássicas piadas em seu perfil no Twitter...

20-Teun Koopmeiners (5 jogos): Antes da Copa, Koopmeiners bradava: queria virar titular durante o torneio, e se conseguisse, não sairia mais. Deu a impressão de que conseguiria isso, nos primeiros jogos. Assim como Klaassen, entrou bem contra Senegal, ajudando a Holanda a sair dos apuros por que passava para conseguir a vitória. Também foi premiado com a titularidade desde o começo, contra o Equador. Mas decepcionou: mesmo tendo sua capacidade defensiva, Koopmeiners não foi páreo para a dupla Jhegson Méndez-Moisés Caicedo, perdendo boa parte das disputas pela bola. Resultado: voltou ao banco de reservas. Fim de linha para ele na Copa? Nem pensar. Contra o Catar, o meio-campista entrou no final (só aos 83'). Mas contra os Estados Unidos, com a Holanda já tendo 2 a 0 na frente no intervalo, Koopmeiners entrou no lugar de Klaassen, para ajudar nos contra-ataques, aproveitando os espaços que viriam. Nem apareceu tanto assim. Mas já protegeu um pouco a defesa, como era a intenção. E contra a Argentina... Koopmeiners vinha fracassando ao tentar fortalecer a criação no meio-campo, substituindo De Roon. Mas na reta final, começou a crescer. Nas faltas - seu ponto forte -, começou a ajudar a seleção. E coube a ele ter a calma, aos 90' + 11, para iniciar a jogada ensaiada que levou ao gol de empate de Weghorst. De quebra, até mesmo converteu sua cobrança na decisão por pênaltis. Enfim, Koopmeiners teve altos e baixos na Copa. Mas terminou em alta. Quem sabe, daqui a algum tempo, não venha a titularidade que ele tanto espera na seleção...

24-Kenneth Taylor (1 jogo)O meio-campista teve seus únicos minutos na Copa do Mundo numa das situações mais tranquilas para que isso pudesse acontecer - contra o Catar, na fase de grupos, substituindo Frenkie de Jong para os quatro minutos finais (mais acréscimos). Portanto, o meio-campista sequer pode ser julgado pelo que jogou. O que se pode dizer é que, se continuar tendo ritmo de jogo no Ajax em que está, Taylor tem condições de se manter no radar das convocações que Ronald Koeman fará. É um talento, que pode até ter a experiência final de base na Euro sub-21 do ano que vem. Mas a boa impressão poderia ter sido fortalecida por mais minutos na Copa.

25-Xavi Simons (1 jogo)Se jogou pouco como Taylor, quase nada, Xavi Simons deixou um gosto de "quero mais". Era quase unânime: nos treinos - principalmente nos coletivos após cada jogo, envolvendo os reservas -, poucos jogadores mostravam tanta técnica e tanta habilidade quanto o meio-campista. A imprensa chegou a garantir que ele seria titular contra o Catar, ainda na fase de grupos. Louis van Gaal desmentiu duramente, Xavi ficou na reserva... mas ficou subentendido que ele ainda teria sua chance na Copa. Pois teve, em momento até mais sério: nas oitavas de final, contra os Estados Unidos, no que foi a estreia do jovem pela Laranja. Pelo menos, quando ele substituiu Memphis Depay, a equipe holandesa acabara de fazer o gol que "matava" o jogo. E nos sete minutos (mais acréscimos) em que esteve em campo, Xavi Simons até criou alguma coisa no ataque, em parceria com Cody Gakpo e Steven Bergwijn. Quem sabe, pudesse ter entrado na prorrogação, contra a Argentina, para possibilitar à Holanda manter mais a posse de bola. Não aconteceu. Ainda assim, a impressão sobre o jovem segue inalterada em relação ao pré-Copa: trata-se de um jogador promissor e talentoso. Se continuar assim, Simons continuará nas convocações. Com muito mais tempo de jogo.

Revelação? Que nada: como melhor jogador da Holanda na Copa, Gakpo indicou que já é realidade (Manan Vatsyayana/AFP/Getty Images)

ATACANTES

10-Memphis Depay (5 jogos, 1 gol): Por ele, teria sido diferente: aqui e ali, Memphis Depay enfatizava que já se sentia bem, e que gostaria de ser titular. Mas a lesão muscular que sofreu em setembro (contra a Polônia, pela Liga das Nações), e da qual passou o resto do ano se recuperando, o colocou como peça-chave de um planejamento da comissão técnica. Na fase de grupos da Copa, Memphis se recuperaria e entraria paulatinamente, para voltar a ser titular de vez a partir das oitavas de final. Nos minutos em campo, caberia a ele tentar mostrar sua importância habitual no ataque. E aí o camisa 10 foi irregular. Na estreia contra Senegal, foram 28 minutos (mais acréscimos): se não marcou gol, pelo menos ajudou a Laranja a manter mais a posse de bola no campo de ataque, um dos fatores que levaram ao 2 a 0 na reta final de jogo. Contra o Equador, com a Holanda precisando mais dele, Memphis veio a campo no intervalo para o segundo tempo - e foi mal: totalmente envolvido na marcação equatoriana, sem muito ritmo de jogo, apareceu pouquíssimo. O Catar trazia pouca exigência técnica, e enfim o atacante pôde começar uma partida, na qual sua atuação foi alternada: apareceu, participou das jogadas de ataque, foi decisivo no lance do segundo gol, mas não chegou a ser o destaque ofensivo neerlandês. A partir das oitavas de final, com todo jogo podendo ser decisivo, Memphis Depay passaria a ser escalado como normalmente é. E os resultados foram alternados. Contra os Estados Unidos, ótimo resultado: um Memphis mostrando sua recuperação - veloz, atento, autor do primeiro gol, protagonista de um sem-número de chances. Já nas quartas de final contra a Argentina, o camisa 10 decepcionou: sequer criou possibilidades de gol, foi preso na marcação alviceleste, saiu substituído já aos 66', para Wout Weghorst concretizar a estratégia holandesa em busca do empate. Enfim, a lesão prejudicou o principal nome de ataque da Holanda, é verdade. Mas Memphis Depay também não se ajudou muito.

7-Steven Bergwijn (4 jogos): Sobrou paciência com ele. Bergwijn começou titular na estreia contra Senegal, e só foi substituído aos 79'. Contra o Equador, ele também iniciou jogando como titular, mas já saiu no intervalo. No entanto, nessas duas partidas, Bergwijn mostrou os mesmos problemas: lentidão, falta de chances criadas, falta de intensidade para atacar a defesa adversária. Diante das atuações que Cody Gakpo vinha tendo e de um Memphis Depay que entraria aos poucos, sobrou para ele, que se tornou reserva no decorrer da Copa. Ficou no banco contra o Catar, e justiça seja feita, viveu seu único bom momento na competição durante as oitavas de final contra os Estados Unidos: substituindo Klaassen no intervalo, ele cumpriu a intenção - ajudou Cody Gakpo e Memphis Depay com triangulações que mantiveram a bola no campo de ataque e criaram várias chances para a Holanda resolver a partida bem antes do que resolveu. Servia para aumentar as expectativas contra a Argentina, quando ele voltaria a fazer a dupla com Memphis, que lhe prefere como parceiro de ataque. Contudo, novamente fracassou: Bergwijn só apareceu num chute sem rumo para fora, no primeiro tempo, ao ser substituído por Steven Berghuis no intervalo, e ao levar cartão amarelo aos 90', já no banco de reservas, por se envolver na briga após o argentino Leandro Paredes chutar a bola contra os suplentes da Laranja. A participação decepcionante rendeu uma lição, quem sabe: em Copas, ou se é intenso em campo desde o primeiro minuto, ou ir para a reserva é inevitável. Bergwijn desperdiçou suas chances.

11-Steven Berghuis (4 jogos): Se seu "quase-xará" Steven Bergwijn foi mal na Copa, Berghuis pelo menos teve alguns bons momentos. É certo que também começou mal: escalado para criar as jogadas de ataque no meio-campo contra Senegal, o camisa 11 fracassou nisso na estreia. Somente com as entradas de Davy Klaassen e Teun Koopmeiners é que o meio-campo da Holanda passou a ajudar mais o ataque. Pelo menos, nos jogos seguintes da fase de grupos, Berghuis ajudou mais. Contra o Equador, ele veio do banco no lugar de Klaassen, aos 79' - se não mudou muito a pálida situação do ataque da Holanda, pelo menos ajudou no que podia, no meio-campo. Já contra o Catar, sua entrada foi mais efetiva: de fato, o camisa 11 ajudou o ataque, marcou um gol só invalidado por falta na origem do lance, e quase marcou outro num chute colocado que mandou a bola à trave. Passadas as oitavas de final, cuja vitória viu do banco, Berghuis voltou a entrar no segundo tempo contra a Argentina. E foi dos nomes mais úteis a ajudar a reação holandesa: partiu dele o cruzamento para o primeiro gol de Wout Weghorst, ele mesmo teve sua chance (chute forte na rede pelo lado de fora), ele foi um dos raros nomes a ter técnica com a bola nos pés para tentar alguma jogada durante a prorrogação. Está certo que seu lance final foi ruim: uma das cobranças perdidas da Holanda na série de chutes da marca do pênalti saiu dos pés dele. Ainda assim, Berghuis saiu deixando impressão um pouco melhor em campo, consertando a má impressão que deixara na primeira partida.

8-Cody Gakpo (5 jogos, 3 gols): Desde antes da Copa do Mundo começar, estava claro que Cody Gakpo era o maior candidato a revelação da Holanda - tanto para ela mesma, quanto para a Copa em si. O que não se sabia é que ele aproveitaria isso de maneira tão afirmativa, mudando sua imagem dentro da seleção em meio ao torneio - para muito melhor. Na estreia contra Senegal, mesmo antes de marcar o gol com que abriu o placar, era dos raros atacantes a tentar superar a sólida marcação adversária com jogadas individuais, se valendo de sua técnica. A boa impressão que deixou só melhorou contra o Equador: nos cinco minutos iniciais, ele abriu o placar de novo, mostrando a precisão na finalização que os torcedores do PSV conhecem tão bem - e sendo um dos raros nomes a sair ilesos da má atuação da Laranja naquele 1 a 1. E quando ele repetiu a dose contra o Catar - tabela com Davy Klaassen, chute colocado da entrada da área, gol para abrir o placar -, já não era mais segredo: de candidato a revelação, Gakpo se tornava o principal destaque da Holanda na Copa. Memphis Depay podia até dizer que preferia Steven Bergwijn como seu parceiro de ataque, mas não era nem caso do "campo falar", era caso de "gritar", mesmo: Gakpo era titular absoluto da Holanda, um dos atacantes preferenciais da dupla. De quebra, até mostrando o nascimento de algum entrosamento com Depay e Klaassen. Se fosse necessário mudar algo, Gakpo mudaria de posição: contra a Argentina, voltou a ser ponta-de-lança, enquanto Memphis e Bergwijn fizeram a dupla de ataque. Talvez não por acaso, foi sua pior atuação na campanha holandesa. Mas nem isso amenizou o destaque positivo que Gakpo foi para a Holanda nesta Copa do Mundo. De volta ao PSV, o clube de Eindhoven já sabe e já apregoa: venda-o em janeiro ou ao final da temporada, quer ter a maior venda de sua história com o dinheiro que obter graças à sua promessa. Promessa? Nada disso: pelo que mostrou na Copa, Gakpo já é realidade.

19-Wout Weghorst (4 jogos, 2 gols): Pensando retrospectivamente, talvez ter levado três atacantes de área tenha possibilitado uma espécie de disputa "involuntária" na seleção da Holanda. Quem ajudasse mais - e nem precisava fazer gol -, seria mais útil e mais utilizado por Van Gaal no decorrer da campanha da Laranja. Aos poucos, Weghorst foi ganhando essa "disputa". No difícil jogo contra o Equador, quando a derrota rondava perigosamente os neerlandeses, sua entrada aos 80', no lugar de Gakpo, trouxe uma força física que minorou o ímpeto de La Tri nas disputas pela bola. Conseguindo segurar mais a pelota do que Vincent Janssen fazia, o atacante da camisa 19 repetiu a dose contra Catar (entrou aos 86') e Estados Unidos (veio a campo já nos acréscimos): ajudava a Holanda a manter a posse de bola, evitando a pressão adversária, mesmo sem brilhar nem criar chances de gol. Mas ele "ganhou" mesmo a disputa de "utilidade" dos atacantes com o que fez ao entrar contra a Argentina, aos 78'. Nem tanto pelo gol de honra, de cabeça: era seu terceiro gol pela Laranja, num grande torneio, mas não mudava muita coisa. Mas sim pela jogada ensaiada pensada por ele, dos tempos de Wolfsburg, e finalizada também por ele para transformar o jogo das quartas de final num dos mais eletrizantes da Copa. No fim, não adiantou para a classificação - ainda que ele tenha batido, e convertido, uma das cobranças holandesas. Mas valeu para transformar Weghorst no "atacante de referência" que deve ser o preferencial, no caso das próximas convocações.

9-Luuk de Jong (1 jogo): Na convocação da Holanda, a preferência por três atacantes "de referência" chamou a atenção. Cabia imaginar que Luuk de Jong talvez tivesse importância; pela experiência, pela capacidade no jogo aéreo, até pelo poder de decisão que tem. Quando a Copa começou, contudo, Luuk caiu de ordem na preferência de substituição. Para segurar a bola perto da área e se esforçar mais, Vincent Janssen foi escolhido por Van Gaal; para a finalização (de preferência, de cabeça), Wout Weghorst acabou sendo mais usado. E Luuk de Jong só jogou a partir dos 64' contra a Argentina, nas quartas de final. Sem despontar tanto quanto Weghorst, que acabou roubando a cena no jogo da eliminação. Após ter participado de vários dos anos de baixa da Laranja, ficou até chato ver o veterano atacante ser relegado a um papel coadjuvante. Faz parte da vida - e da Copa.

18-Vincent Janssen (2 jogos): Desde o anúncio dos 26 jogadores da Holanda na Copa, Vincent Janssen continuou sendo visto como o "patinho feio": aquele atacante que não conseguia nem ser um finalizador notável, nem conseguia ser um pivô que efetivamente segurasse a bola no campo de ataque. Diante dessa visão negativa, até surpreendeu que Janssen fosse um dos nomes titulares na estreia, contra Senegal. Sem conseguir reverter as expectativas: de fato, o camisa 18 sequer conseguiu finalizar contra o gol dos Leões de Teranga, e nem conseguiu ajudar tanto nas jogadas de ataque, como Cody Gakpo fez desde então. Se serviu de consolo, quando entrou no segundo tempo contra os Estados Unidos - aos 66', no lugar de Memphis Depay -, Janssen participou um pouco mais das jogadas. Até mesmo colaborou para o que seria um gol de Steven Berghuis, anulado por falta de Gakpo na origem da jogada. No entanto, o atacante realmente ficou longe de fazer seus contestadores engolirem as opiniões contrárias à sua convocação

12-Noa Lang (1 jogo): Houve, aqui e ali, quem pedisse Noa Lang jogando mais na Copa do Mundo, para tornar a Holanda mais ofensiva, até por ser um dos raros jogadores convocados que tinha na ponta (a esquerda, no caso) sua posição principal. Nada ocorreu. Ou quase nada: Lang ainda veio a campo para os últimos sete minutos do segundo tempo da prorrogação contra a Argentina. Ainda assim, mal teve a bola nos pés para conseguir fazer qualquer jogada, num momento em que a Albiceleste já voltara a dominar a partida. E Noa Lang foi mais um jovem que teve pouco tempo para mostrar o que pode na Copa. E que dependerá da fase que vive no clube em que joga (no caso, o Club Brugge) para se manter nas convocações sob Ronald Koeman.

Louis van Gaal (técnico): No último trabalho de sua carreira - ou talvez não, já que não se negou a ouvir alguma proposta, desde que lhe fosse vantajosa profissionalmente -, Van Gaal confirmou para os olhos do mundo o que já se sabia nos Países Baixos: era um profissional muito mais ameno, e até amistoso, do que se viu nos tempos mais conhecidos de sua carreira. Em suma: fora de campo, com declarações engraçadas e atitudes bem humoradas, ele se mostrou um dos melhores personagens da Copa. Dentro de campo, as impressões foram alternadas. Já se sabia que o técnico apostaria firmemente no pragmatismo, como já fizera na Copa de 2014, para tentar levar a Holanda o mais longe possível. Mas o pragmatismo foi demasiado: sob seu comando, a Laranja da Copa de 2022 foi considerada eficiente até demais, morosa, até mesmo chata. Nada que perturbasse Van Gaal: as críticas do empate contra o Equador, por exemplo, foram levadas por ele com tranquilidade, na linha do "faz parte", como se ele tivesse certeza do caminho que seguia. Algumas vezes, de fato, ele teve a comprovação disso: contra os Estados Unidos, nas oitavas de final, de fato, a Holanda mostrou segurança para ninguém botar defeito. Ainda assim, contra a Argentina, a seleção que ele comandou deixou a desejar. Novamente, teve altas dificuldades diante de um adversário que também jogou com três zagueiros - e a marcou com facilidade. Além do mais, algumas alfinetadas dele diante dos argentinos tornaram a seleção sul-americana mais focada nas quartas de final - foco que, talvez, tenha ajudado mais na classificação dela. Finalmente, para um trabalho tão preocupado com treinos e simulações de decisão por pênaltis, a Holanda deixou demais a desejar na hora da verdade. Bem ou mal, porém, a Holanda cumpriu as expectativas: não exatamente candidata a título, não exatamente jogando bem, mas dona de uma boa campanha. Com Van Gaal, invicto em Copas, invicto em sua terceira passagem pela seleção, como um dos principais responsáveis por isso. Se a Holanda jogou mal sob ele, talvez isso tenha ocorrido porque não houvesse como ela ser melhor, com os jogadores que tem.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Até resistiu bastante

O choro holandês pela eliminação na Copa do Mundo poderia ter vindo após atuação apática. Teve o consolo na eletrizante reação que melhorou um pouco a impressão deixada (KNVB Media/Divulgação)

A história da eliminação da Holanda (Países Baixos) na Copa do Mundo de 2022 tem dois pontos de vista possíveis. Um, talvez, seja até o mais adequado: a Argentina passou porque jogou melhor ao longo dos 120 minutos, teve mais técnica, mais presença no ataque, mais domínio, mais competência, diante de uma Laranja que foi inofensiva durante a maior parte do jogo no estádio Lusail. Mas o outro tem a emoção que faz tão bem (e é tão necessária) ao futebol. Afinal de contas, os neerlandeses transformaram uma partida definida nos sete minutos finais, mais acréscimos. Ainda que no desespero, conseguiram levar a Albiceleste às últimas instâncias antes de vê-la classificada às semifinais. Se serve de consolo, até que a Holanda resistiu bastante antes da queda na Copa - até previsível.

No primeiro tempo, a partida teve o aspecto de "jogo de xadrez" que muita gente esperava para ela. De um lado, a Holanda que voltava a ter dificuldades: sem espaço nenhum para atacar, com seus atacantes (Memphis Depay e Steven Bergwijn - este, voltando a ser titular) rendidos à defesa argentina com três zagueiros, com os laterais fundamentais contra os Estados Unidos voltando a encontrar uma marcação que os bloqueava. Por mais que Cody Gakpo se esforçasse, chance de verdade, nos primeiros 45 minutos, a Holanda só teve no chute de Bergwijn para fora, aos 24', após tabela rápida com Memphis.

Se a decisão de jogar com o mesmo esquema da Holanda dava certo - três zagueiros, tendo Rodrigo de Paul superando as dores musculares para entrar como titular -, a Argentina também não tinha muito espaço. Era melhor do que a adversária, tinha mais a bola, tinha jogadas pelas laterais, tinha Enzo Fernández aparecendo bem... e tinha Lionel Messi, também buscando jogo. Só que o espaço não aparecia, já que a Holanda também se defendia bem. Ainda assim, bastou um erro, aos 32'. Com Messi tendo a bola, Blind foi lento para acompanhar a jogada, Nathan Aké teve dúvidas sobre quem marcaria... e apareceu o espaço que o camisa 10 argentino precisava. Ele passou, Nahuel Molina recebeu e bateu: 1 a 0. A Argentina conseguia uma vantagem importantíssima. E a presença de Messi ficava ainda mais preponderante - algo expresso em tentativas como o chute a gol, aos 40'.

A sensação de controle argentino no jogo ficou até maior no segundo tempo. Van Gaal alterou a Holanda já no intervalo, aumentando a força física no meio-campo com a entrada de Teun Koopmeiners e tentando trazer mais velocidade ao ataque, com a vinda de Steven Berghuis (no lugar de Bergwijn, em outra má partida na Copa). Nada. Ao contrário: a Argentina ficou até mais perigosa no ataque - De Paul quase fez aos 59', e Messi mandou cobrança de falta quase perfeita na rede por cima do gol, aos 63'. Veio uma mudança tática: Blind saiu, Luuk de Jong entrou, e voltava o 4-3-3 velho de guerra. Nada. Pior: Dumfries cometeu pênalti, derrubando Acuña para evitar drible. Messi cobrou com perfeição: o goleiro Andries Noppert mal teve como se mexer para evitar o 2 a 0. Parecia o fim.

Aí entrou Wout Weghorst.

Inicialmente, só para ser mais um a tentar aproveitar as bolas aéreas que a Holanda usaria cada vez mais em busca de algo. Conseguiu, aos 83': fez o primeiro da Laranja, num cruzamento de Berghuis, trazendo de volta a sensação de que, quem sabe, a Argentina outra vez sucumbisse ao nervosismo de um mau momento no jogo. E de que ainda era possível à Holanda. Berghuis tentou, aos 85': chute na rede pelo lado de fora. Virgil van Dijk foi para o ataque, como sempre acontece na hora do abafa. Várias faltas surgiram perto da área. Na primeira, aos 90' + 1, Gakpo chutou na barreira. Na segunda... no último dos 10 minutos de acréscimo, Koopmeiners rolou a bola, Weghorst dominou em meio à marcação e chutou para o 2 a 2 incrível. Até inacreditável, diante do que a Holanda (não) jogara. Uma jogada ensaiada e praticada com brilhantismo trouxera a Laranja de volta à vida.

Weghorst já reanimara a Holanda levemente, ao diminuir a vantagem da Argentina. Mas seria com o gol em jogada inesperadamente ensaiada que ele faria o jogo ganhar nova vida em definitivo (Alberto Pizzoli/Getty Images)

Mas ainda não tinha acabado.

E na prorrogação, é justo dizer, a Holanda mal conseguiu jogadas de ataque. Tinha o esforço, em Timber (ótima partida), em Luuk de Jong, num Weghorst que, pelo menos nesta partida, foi indiscutível. Só que faltava o talento - só presente em Berghuis, que tentou um chute a gol aos 119'. De resto, a Argentina voltou a se assentar aos poucos. Teve a entrada de Ángel di María, para ajudar na reta final. E terminou os 120 minutos com muito mais chances para a vitória: só Van Dijk evitou o gol de Enzo Fernández aos 114', Weghorst salvou na defesa (Enzo Fernández bateu dois minutos depois, e o desvio do atacante com a cabeça fez a bola sair por cima), e Noppert trouxe os lances finais de salvação: defesa em chute de Messi (119'), defesa que impediu gol olímpico de Di María (120'). Até a trave salvou, quando Enzo Fernández chutou, no último lance com bola rolando.

Nos pênaltis, falhar seria proibido. E a Holanda falhou demais para um time que se pretendia tão preparado para as séries de cobranças em momentos decisivos. Nos erros de Van Dijk e Berghuis, com as defesas que confirmaram Emiliano "Dibu" Martínez como um goleiro confiável na hora necessária. Nas cobranças perfeitas da Argentina, indefensáveis para Noppert, rendendo a ida da Albiceleste às semifinais.

Veio a eliminação. Pelo menos, a Holanda resistiu mais do que se esperava.

COPA DO MUNDO FIFA 2022 - QUARTAS DE FINAL

Holanda 2x2 Argentina - Argentina 4x3 nos pênaltis

Data: 9 de dezembro de 2022
Local: Lusail (Doha)
Árbitro: Antonio Mateu Lahoz (Espanha)
Gols: Nahuel Molina, aos 32', Lionel Messi, aos 73', e Wout Weghorst, aos 83' e aos 90' + 11
Ordem dos pênaltis: Van Dijk (0 a 0 - Emiliano Martínez pegou), Messi (1 a 0), Berghuis (1 a 0 - Emiliano Martínez pegou), Paredes (2 a 0), Koopmeiners (2 a 1), Montiel (3 a 1), Weghorst (3 a 2), Enzo Fernández (3 a 2 - cobrança para fora), Luuk de Jong (3 a 3) e Lautaro Martínez (4 a 3)

HOLANDA
Andries Noppert; Jurriën Timber, Virgil van Dijk e Nathan Aké; Denzel Dumfries, Marten de Roon (Teun Koopmeiners, aos 46'), Frenkie de Jong e Daley Blind (Luuk de Jong, aos 65'); Cody Gakpo (Noa Lang, aos 113'); Memphis Depay (Wout Weghorst, aos 78') e Steven Bergwijn (Steven Berghuis, aos 46'). Técnico: Louis van Gaal

ARGENTINA
Emiliano Martínez; Nahuel Molina (Gonzalo Montiel, aos 106'), Cristián Romero (Germán Pezzella, aos 78'), Nicolás Otamendi, Lisandro Martínez (Ángel di María, aos 111') e Marcos Acuña (Nicolás Tagliafico, aos 78'); Rodrigo de Paul (Leandro Paredes, aos 66'), Enzo Fernández e Alexis MacAllister; Lionel Messi e Julián Álvarez (Lautaro Martínez, aos 82'). Técnico: Lionel Scaloni

sábado, 3 de dezembro de 2022

O lado bom do pragmatismo

Agora, sim: Holanda enfim jogou bem na Copa, neutralizou os Estados Unidos com um bom plano tático, e alcançou as quartas de final que se esperava para elas (MB Media/Getty Images)

Desde o começo desta Copa do Mundo, a seleção da Holanda (Países Baixos) desejava buscar suas vitórias com pragmatismo, com eficiência, sem correr mais riscos além dos inevitáveis. Na fase de grupos, acabou exibindo a face criticável disso: atuações lentas, problemáticas, com alguns sofrimentos desnecessários, sem nunca convencer quem viu seus jogos. Só restava a Virgil van Dijk, líder inconteste do grupo de convocados, esperar: "Quem sabe o mata-mata nos desperte". Pois despertou. Contra os Estados Unidos, a Laranja foi pragmática do jeito certo: calma, eficiente, neutralizando os principais jogadores do Team USA, e aproveitando suas chances para conseguir a vitória por 3 a 1 - e a vaga nas quartas de final da Copa.

A rigor, tal tranquilidade já era visível na escalação: afinal de contas, Louis van Gaal repetia a escalação que iniciara a vitória contra o Catar, com Marten de Roon liberando mais Frenkie de Jong no ataque, e Memphis Depay iniciando o jogo no ataque ao lado de Cody Gakpo. Só que ela quase foi surpreendida pessimamente: logo aos 3', Timothy Weah passou a Christian Pulisic, que, livre na esquerda, chutou cruzado para grande defesa de um Andries Noppert que, cada vez mais, justifica a pesada aposta de Van Gaal (e do treinador de goleiros Frans Hoek) nele como goleiro titular. Continuava a lentidão de Denzel Dumfries e de Daley Blind na marcação pelas laterais. E, no meio-campo, perdia-se excessivamente a bola.

Mas nada disso causou problemas. Se avançava bastante, se tentava impor a velocidade habitual em suas partidas (com Sergiño Dest na direita, principalmente), a seleção dos Estados Unidos dava o espaço que a Holanda não tivera em suas partidas. Bastou encaixar uma jogada, aos 10', quando ainda sofria, para o 1 a 0: após 17 passes trocados, Cody Gakpo recebeu lançamento, passou, Dumfries cruzou, Memphis Depay fez o seu primeiro gol na Copa. De lá até o fim do primeiro tempo, a Laranja sofreu um pouco (Weah fez Noppert trabalhar aos 43', com chutes de fora), mas tinha os cruzamentos neutralizados pelas ótimas atuações de Virgil van Dijk e, principalmente, Nathan Aké. Anulava Pulisic e McKennie, responsáveis pelas jogadas ofensivas. Assustava outras tantas vezes - como num chute de Blind, aos 18', além das constantes perseguições a Tim Ream e Walker Zimmerman, que tiveram dia ruim no miolo de zaga. E o segundo gol provou isso, como se fosse uma "cópia" do primeiro: nos acréscimos, Dumfries recebeu, cruzou, Blind chegou pelo meio e finalizou, bola na rede.

Os criticados foram exaltados: Dumfries e Blind, contestados nas laterais, tiveram tremenda atuação em seus lados (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

O placar deixava o jogo à feição para a Holanda. E Van Gaal notou isso: no intervalo, as entradas de Teun Koopmeiners e Steven Bergwijn buscavam deixar o ataque holandês mais rápido, para aproveitar os espaços que os adversários norte-americanos certamente deixariam em busca do gol. Pois bem: houve inúmeras ocasiões para que o terceiro gol viesse. Principalmente no começo da etapa complementar. Aos 48', num toque fraco de calcanhar de Frenkie de Jong (outra boa atuação, em que pesem algumas perdas de bola); aos 50', num desvio de Memphis Depay após Dumfries cruzar; aos 71', numa ótima sequência de defesas de Matt Turner. Funcionava a formação de ataque habitual na Liga das Nações - Gakpo mais atrás, Memphis e Bergwijn na frente.

Só que os Estados Unidos, aqui e ali, sinalizavam que ainda viviam no jogo. Mesmo que o meio-campo fosse bem neutralizado - nem Tyler Adams nem Weston McKennie mostravam as atuações da fase de grupos -, havia chutes aqui e ali: Pulisic aos 53', McKennie no minuto seguinte. A entrada de Haji Wright dava mais força e altura, contra uma defesa que resistia nos cruzamentos. Alguns atos de desleixo da Holanda traziam perigo desnecessário - como aos 75', quando Memphis Depay errou recuo de bola, Wright driblou Noppert, mas Dumfries afastou em cima da linha. Porém, no escanteio subsequente, o gol norte-americano, num lance de sorte de Wright - a bola bateu em seu calcanhar e encobriu Noppert.

Poderia ter aumentado o drama. Mas a Holanda não deixou: pouco depois, os seus melhores aspectos na partida apareceram. Manutenção da posse de bola no campo de ataque, na troca de passes entre De Jong, Memphis Depay e Blind. E as chegadas ofensivas dos laterais - Blind cruzou, Dumfries chegou de voleio, 3 a 1. 

A Holanda pode ser eliminada, nas quartas de final da próxima sexta. Mas já não passará vergonha nesta Copa do Mundo. Afinal, era o seu "teto" nos prognósticos. E de mais a mais, hoje ela mostrou em campo o lado bom do pragmatismo.

COPA DO MUNDO FIFA 2022 - OITAVAS DE FINAL

Holanda 3x1 Estados Unidos

Data: 3 de dezembro de 2022
Local: Khalifa International Stadium (Al Rayyan)
Árbitro: Wilton Pereira Sampaio (Brasil)
Gols: Memphis Depay, aos 10', Daley Blind, aos 45' + 1, Haji Wright, aos 76', e Denzel Dumfries, aos 81'

HOLANDA
Andries Noppert; Jurriën Timber, Virgil van Dijk e Nathan Aké (Matthijs de Ligt, aos 90' + 3); Denzel Dumfries, Marten de Roon (Teun Koopmeiners, aos 46'), Frenkie de Jong e Daley Blind; Davy Klaassen (Steven Bergwijn, aos 46'); Memphis Depay (Xavi Simons, aos 82') e Cody Gakpo (Wout Weghorst, aos 90' + 3). Técnico: Louis van Gaal

ESTADOS UNIDOS
Matt Turner; Sergiño Dest (DeAndre Yedlin, aos 75'), Walker Zimmerman, Tim Ream e Antonee Robinson (Jordan Morris, aos 90' + 2); Tyler Adams, Yunus Musah e Weston McKennie (Haji Wright, aos 67'); Tim Weah (Brenden Aaronson, aos 67'), Jesús Ferreira (Giovanni Reyna, aos 46') e Christian Pulisic. Técnico: Gregg Berhalter