quarta-feira, 24 de agosto de 2016

E a evolução era ilusória...

Resta pouco a dizer ao Ajax, após mais uma eliminação vexatória antes da fase de grupos da Liga dos Campeões (ANP/Pro Shots)

Na semana passada, este blog escreveu que o Ajax mostrara alguma evolução no jogo de ida dos play-offs da Liga dos Campeões, contra o Rostov, da Rússia. Em Amsterdã, o Ajax tivera 72% de posse de bola. E só tivera a lamentar a fragilidade da defesa em bolas paradas, como na falta transformada em gol por Christian Noboa. De resto, além do gol de pênalti, até mostrara mais rapidez no ataque, mais proximidade entre os setores do time... enfim, dava para esperar uma linha evolutiva ascendente da equipe de Peter Bosz.

A derrota algo vexatória para o Willem II, sábado passado, na terceira rodada do Campeonato Holandês, já amainara um pouco os ânimos, deixando claro que o Ajax ainda tem muito o que melhorar na temporada. Mas nada fazia crer que vinha por aí o desastre Ajacied que se viu nesta quarta, no estádio Olimp-2, em Rostov-na-Donu. O 4 a 1 imposto pela equipe de Dmitri Kirichenko, que condenou novamente os Amsterdammers a mais um vexame em competições europeias, mostrou como a equipe continua presa demais aos cânones táticos vistos sob o comando de Frank de Boer. Mais do que isso: como continua presa demais a ideias que precisam ser deixadas de lado às vezes, por mais que isso doa.

Escalado num 4-3-3 básico, o Ajax apostou nas mesmas opções de sempre: jogadas pelos lados, posse de bola, troca de passes... tudo para tentar vencer o 5-3-2 do Rostov. Só que viveu um dia péssimo. No ataque, Anwar El Ghazi passou quase despercebido, já que quase nunca tinha a bola nos pés; pela esquerda, Amin Younes até tocou nela, por duas vezes, sem nunca desenvolver a jogada; e a única vez que Bertrand Traoré teve boa oportunidade foi num erro da defesa do Selmashi (apelido do Rostov), aos 19': após cobrança ensaiada de falta, em que El Ghazi ajeitou e Nemanja Gudelj bateu, a bola desviou na barreira, quicou na área, zagueiros e goleiro ficaram no "deixa que eu deixo", e Traoré ganhou espaço para chutar por cima do gol defendido por Soslan Dzhanaev.

Mas foi o único raio de sol num dia que o Ajax terá de esquecer rapidamente. E terá de esquecer pelo desempenho tétrico da defesa e do meio-campo. Neste, Gudelj foi o único a tentar criar algo, e Klaassen ficou totalmente apagado. E naquela, as coisas foram ainda piores. Desde a bola aérea ganha por Sardar Azmoun, aos 9', dominando-a para entrar na área e forçar ótima defesa de Jasper Cillessen - em sua despedida do Ajax, depois confirmada -, a linha de quatro defensores dos Godenzonen sofreu barbaramente. Nas laterais, Kenny Tete e Nick Viergever davam espaço constante - principalmente Tete, que viu Timofei Kalachev oferecer constante opção de jogadas a Azmoun e Christian Noboa, criador do que o Rostov tinha para oferecer no ataque.

Como a linha de cinco defensores, muito bem postada, estava cuidando perfeitamente do inapetente e inócuo ataque Ajacied, os três meio-campistas ganhavam mais liberdade para jogarem, ajudando Azmoun (mais) e Dmitri Poloz (menos) na frente. Mais do que isso: perceberam a fragilidade de Joël Veltman e Jaïro Riedewald, formando o miolo de zaga, nas bolas aéreas. Aí, deixaram de arriscar chutes de fora - como Kalachev tentou em grande parte do primeiro tempo - para apostarem nos cruzamentos. Foi a chave para a vitória do Rostov, iniciada num desses cruzamentos: Denis Terentyev mandou a bola para a área aos 33', e Azmoun subiu para cabecear no canto, fazendo 1 a 0.

Defesa fechada, ataque eficiente e movimentado: o Rostov organizou-se e conseguiu merecidamente a vaga (Hollandse Hoogte)
Ao invés de fortalecer a defesa, Peter Bosz mudou o time no ataque: no intervalo, tirou El Ghazi para colocar Lasse Schöne - que poderia, de fato, ajudar até a compor o meio-campo, fazendo o Ajax alternar entre o 4-3-3 e o 4-4-2. Nem deu tempo para ver se isso prosperava: em uma nova bola parada, aos 52', Aleksandr Erokhin completou com a cabeça um escanteio cobrado por Kalachev para fazer 2 a 0. Começava aí o desespero: também mal no jogo, Riechedly Bazoer deu lugar a Kasper Dolberg, para que o dinamarquês fosse à frente, formando um 3-3-4 no esquema tático. Perdido por dois...

Que logo seria perdido por três, graças ao péssimo posicionamento da defesa na sobra de outro escanteio, permitindo que a bola voltasse ao Rostov: Ivan Novoseltsev bateu, Noboa desviou com o joelho e premiou sua ótima atuação com o terceiro gol, aos 60'. Aí, já praticamente sem perspectiva alguma de conseguir o que seria o empate da classificação (afinal, caso igualasse, o 3 a 3 dava a vaga, após o 1 a 1 da ida), o Ajax também mostrou uma falha não só sua, mas do futebol holandês: a distância entre os setores do time, no esquema tático. A defesa tentou se adiantar, só que meio-campo e ataque faziam o "abafa" de qualquer jeito. Um passe milimétrico em profundidade de Noboa, então, deixou Poloz com metade do campo disponível para dominar, driblar Cillessen e fazer 4 a 0, aos 66', consolidando a merecidíssima estreia do Rostov na fase de grupos da Liga dos Campeões.

Que o gol de pênalti, convertido por Klaassen aos 84', não tenha sido comemorado por ninguém, jogadores ou torcedores que viajaram ao Olimp-2, dá uma mostra do tamanho do trauma que os 4 a 1 do Rostov pespegaram no grupo Ajacied. Até pelo dinheiro que deixou de entrar: são 12 milhões de euros perdidos ao ficar fora da fase de grupos da Liga dos Campeões - e 3 mi a mais nos cofres do PSV, único holandês na Champions. Mas, principalmente, pelo domínio do Rostov. Um domínio que expôs o medo do Ajax, segundo Peter Bosz comentou: "Deu para ver rapidamente que jogamos com muito medo, que não ousamos jogar. E isso era necessário para obter o resultado aqui. Fomos lentos ao ter a posse de bola, e sentimos medo de avançar, desde o primeiro momento". Davy Klaassen estava até confuso, falando à tevê holandesa: "Qual foi a causa [da goleada]? Não sei. É difícil, estou sentindo muita coisa. Amanhã precisamos avaliar melhor".

A Jasper Cillessen, que já no vestiário se despediu dos quase ex-colegas antes de viajar na madrugada europeia, rumo a(o) Barcelona, restou um adeus melancólico, na única vez em que tomou quatro gols defendendo o Ajax: "Uma noite horrível. Eu preferia sair pela porta da frente, mas sairei pelos fundos. Queria ter ajudado uma última vez".

Cillessen: uma triste despedida (Erwin Spek/ANP)

Fica para o clube de Amsterdã a incômoda sensação de estar antiquado. Não só pelo que (não) se viu em campo, mas pelo que se vê fora dele, com o diretor de futebol Marc Overmars e o diretor geral Edwin van der Sar ainda muito hesitantes em melhorar a procura do clube por reforços bons e baratos, para juntarem com a base - que, por sua vez, ainda sofre num 4-3-3 à moda Cruyff, muito avançado para os anos 1970, mas cada vez mais atrasado taticamente nos dias atuais, onde a compactação e a velocidade são o caminho, com ou sem posse de bola. "Ah, mas o Jong Ajax lidera a segunda divisão holandesa". Pois é, mas jogadores da equipe B Ajacied também já tiveram espaço no time de cima, como o atacante Vaclav Cerny e o meio-campista Donny van de Beek. E nenhum deles impressionou até agora.

Kobenhavn (2006/07), Slavia Praga (2007/08), Rapid Viena (2015/16), o Rostov... os vexames do Ajax na Liga dos Campeões se avolumam. Bem como a distância de PSV e Feyenoord na tabela desta temporada do Campeonato Holandês: já são cinco pontos de distância, com apenas três rodadas. 

Ficava a impressão de evolução. Mas foi só impressão, mesmo. 

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