Parece impossível imaginar algum jogador de outro clube holandês fora dos três grandes erguer a Eredivisieschaal. Mas Stijn Schaars conseguiu isso, em 2009, ano para sempre na história do AZ (az.nl) |
De um trauma se fez a força
Aliás, pode-se dizer que a história poderia ter tido esse fim antes, no Campeonato Holandês da temporada 2006/07. Já com Louis van Gaal como técnico, e boa parte dos jogadores que se consagrariam em 2009, o AZ fez uma ótima Eredivisie. Chegou à última rodada empatado com PSV e Ajax na liderança - todos tinham 72 pontos -, mas tinha maior saldo de gols (+53, contra +47 do Ajax e +46 do PSV) e enfrentaria o Excelsior, já destinado à repescagem de acesso/descenso. Parecia fácil para os Alkmaarders conseguirem o primeiro título holandês desde 1980/81. Mas foi um dia traumático: o goleiro Khalid Sinouh foi expulso ao cometer um pênalti, o Excelsior venceu o AZ por 3 a 2 e o PSV ficou com a taça. Impacto difícil de superar para os alvirrubros de Alkmaar. Tanto que a temporada seguinte, 2007/08, foi apagada para a equipe, com um esquecível 11º lugar na Eredivisie.
E depois de uma pré-temporada com vitórias sobre clubes amadores e derrotas para dois times italianos (3 a 1 para o Genoa, 2 a 0 para a Fiorentina), o campeonato de 2008/09 começou no mesmo ritmo pessimista para o AZ: duas derrotas. Na primeira rodada, 2 a 1 para o NAC Breda, em casa, no dia 31 de agosto de 2008. Em 13 de setembro, na segunda rodada, pior ainda: 3 a 0 para o ADO Den Haag. Parecia a gota d'água para Louis van Gaal - que precisava reagir na carreira, ainda vitimada pela campanha que deixou a Holanda fora da Copa de 2002 e pela má segunda passagem pelo Barcelona. E o técnico chegou a pedir demissão para a diretoria do AZ. Só foi impedido porque os próprios jogadores pediram a Van Gaal que ficasse. Só ele poderia dar o toque diferenciado para que aquele grupo chegasse a algum lugar na temporada.
Até porque muitos dos jogadores que pediram a permanência de Van Gaal já estavam com ele na decepção de 2006/07. Um bom exemplo era Kew Jaliens, lateral direito holandês (até estivera na Copa de 2006) convertido em zagueiro. Outro, o promissor volante Stijn Schaars, vindo do Vitesse, capitão da seleção holandesa sub-21 campeã europeia em 2006. Ao lado de Schaars, mais um volante, David Mendes da Silva, holandês de ascendência cabo-verdiana. Para trazer a bola do meio ao ataque, o meio-campista Demy de Zeeuw também já estava no AZ em 2007, assim como o belga Maarten Martens. Para ser o homem-gol, Mousa Dembélé - sim, na época o hoje volante belga jogava no ataque, deixando no banco Graziano Pellè, italiano vindo do Lecce. E uma promessa que surgia de Alkmaar era o atacante Jeremain Lens, 19 anos.
Entre 2007 e 2008, mais jogadores foram chegando a Alkmaar para Van Gaal poder formar um time. Como o atacante Mounir El Hamdaoui, marroquino nascido em Roterdã, que tivera passagem esquecível pelo Tottenham e reconstruía a carreira na Holanda. Como o goleiro argentino Sergio Romero, que surgia muito bem na seleção sub-20 de seu país, campeã mundial da categoria em 2007. Como o atacante brasileiro Ari (depois naturalizado russo), que vinha do Kalmar-SUE. Como o zagueiro finlandês Niklas Moisander, aposta egressa do Zwolle após aprender alguma coisa no Ajax ao chegar do país natal. Havia ainda coadjuvantes, como o zagueiro belga Gill Swerts - convertido em lateral direito no AZ - e os volantes Simon Poulsen e Nick van der Velden.
Da água para o vinho
Com os remanescentes de 2006/07 e quem chegara desde então, Van Gaal tinha de reagir na terceira rodada do Campeonato Holandês em 2008/09. Partida simplesmente contra o PSV, então tetracampeão da Eredivisie. Se ganhasse, haveria um respiro para o técnico continuar trabalhando, e para o AZ reagir no campeonato. Se perdesse, ficaria difícil evitar a demissão. Pois o AZ ganhou: 1 a 0 em Alkmaar, com Martens marcando o gol da vitória, aos 82'. Foi o momento da virada. Não só para os Alkmaarders reagirem na Eredivisie, mas para se transformarem num time campeão. Até porque os três grandes holandeses estavam em baixa.
O PSV vivia uma temporada de transição entre o time tetracampeão e uma nova fase (o grande símbolo do tetracampeonato, Gomes, saíra). O Ajax estava ainda mais confuso: como técnico, Marco van Basten sofria para dar rumo a um time que tinha talentos - Maarten Stekelenburg, Jan Vertonghen, Luis Suárez -, mas também contratações de qualidade duvidosa (os zagueiros Rob Wielaert e Oleguer, por exemplo). O Feyenoord, então, estava pior do que os outros dois: recheado de veteranos (Giovanni van Bronckhorst, Michael Mols, Roy Makaay, Jon Dahl Tomasson), o técnico Gertjan Verbeek teve problemas justamente com eles. E a torcida ficou do lado dele.
Enquanto isso, o AZ começou a ganhar, após aquela vitória fundamental sobre o PSV na terceira rodada. 5 a 2 no Willem II, 6 a 0 no Sparta Rotterdam, 2 a 0 no De Graafschap, 3 a 0 no Volendam... na 12ª rodada, assumiu a liderança do Campeonato Holandês. No ataque, Dembélé se valia da velocidade para ajudar a marcação no meio, enquanto El Hamdaoui, que pouco se destacara na carreira até então, virava o grande nome daquele campeonato, marcando gols e mais gols. No meio-campo, Demy de Zeeuw era outro a viver uma fase que nunca tinha vivido antes (e nunca viveria depois), marcando e avançando com a mesma eficiência, com a dupla Schaars-Mendes da Silva sendo firme no bloqueio aos ataques adversários. A defesa ia se encaixando, com o mexicano Héctor Moreno, outra contratação, se consolidando ao lado de Moisander na zaga, enquanto o belga Sébastien Pocognoli tomava conta da lateral esquerda. No gol, protegido por um time embalado, Romero começava a chegar perto de um recorde: cerca de 950 minutos sem sofrer gols na Eredivisie.
Mas foi no retorno da pausa de inverno - ou seja, na virada de turnos - que o AZ deixou de ser uma surpresa para virar real candidato ao título. O Ajax seguia os Alkmaarders na disputa do título, mas na 20ª rodada, em 31 de janeiro, perdeu para o Heerenveen em casa (0 a 1). Na rodada seguinte, também na Amsterdam Arena, empatou com o Heracles Almelo (2 a 2). Na 22ª rodada, em Arnhem, foi inapelavelmente goleado pelo Vitesse (4 a 1). Nas mesmas rodadas, o time de Van Gaal empilhou vitórias: 2 a 0 no Sparta Rotterdam, 1 a 0 no Roda JC, 3 a 1 no Willem II. A diferença de nove pontos poderia até ter ido além contra o PSV, em plena Eindhoven: o AZ chegou a fazer 2 a 0 no primeiro tempo, mas levou o empate dos Boeren, com dois gols de um jogador que passara por Alkmaar: o atacante Danny Koevermans.
Aos poucos, o AZ tinha algumas dificuldades. Por exemplo, no gol: Romero perdeu a reta final da temporada por um momento bizarro - o goleiro argentino socou furiosamente uma parede do estádio após a derrota para o NAC Breda, nas quartas de final da Copa da Holanda, e com isso quebrou o punho, tendo de deixar lugar para o croata Joey Didulica ir ao gol. Pelo menos, o meio-campo do AZ seguia muito sólido e entrosado, com Martens, Schaars, Mendes da Silva e De Zeeuw. No ataque, El Hamdaoui se convertia no nome do campeonato, fosse qual fosse seu parceiro (Ari, Dembélé ou Pellè). O título se aproximava. E era inegável: ele teria Van Gaal como grande responsável, num dos grandes trabalhos de sua carreira
Alarme falso, anticlímax e alívio
O momento para a comemoração que Alkmaar tanto esperava seria em 18 de abril de 2009: na 31ª rodada do Campeonato Holandês, com 76 pontos, nove à frente do vice-líder Twente, a situação era cômoda. Bastava vencer o Vitesse no DSB Stadion, naquele Sábado de Aleluia, para que o time alvirrubro se consagrasse como o primeiro a furar o domínio de Ajax, PSV e Feyenoord na Eredivisie desde o seu próprio título, em 1980/81.
Tudo começou bem em Alkmaar: aos 19 minutos, El Hamdaoui saiu da marcação com um drible de corpo na entrada da área e tocou na saída do goleiro Piet Velthuizen, fazendo 1 a 0 para o AZ e garantindo o título. Desde então, como sempre naquela temporada, o AZ controlou a vantagem. Manteve o jogo no seu ritmo, trocando passes, criando chances de vez em quando... até que algo saiu errado. Ainda no primeiro tempo, aos 36 minutos, Alexander Büttner cobrou falta, a bola desviou na barreira e enganou Didulica no gol: 1 a 1.
Tudo bem: a vitória ainda era possível. Mas a partida do título passou a ser tensa para o AZ. E a tensão foi para o pior caminho no fim do jogo, aos 84': após erro na saída de bola, um jovem Ricky van Wolfswinkel dominou na entrada da área e fez 2 a 1 para o Vitesse. Anticlímax em Alkmaar: não seria naquela noite que o AZ seria campeão holandês. Pelo menos o Twente também perdera para o Feyenoord naquele dia (1 a 0). Mas seria preciso esperar o clássico do vice-líder Ajax com o PSV, no dia seguinte, antes de soltar o grito de campeão. Até porque a rodada seguinte teria Ajax x AZ em Amsterdã...
O Excelsior 3x2 AZ da Eredivisie 2006/07: o time de Alkmaar chegou à última rodada como líder, com tudo para conquistar seu primeiro título desde 1981. Terminou em terceiro lugar. Foi traumático
E depois de uma pré-temporada com vitórias sobre clubes amadores e derrotas para dois times italianos (3 a 1 para o Genoa, 2 a 0 para a Fiorentina), o campeonato de 2008/09 começou no mesmo ritmo pessimista para o AZ: duas derrotas. Na primeira rodada, 2 a 1 para o NAC Breda, em casa, no dia 31 de agosto de 2008. Em 13 de setembro, na segunda rodada, pior ainda: 3 a 0 para o ADO Den Haag. Parecia a gota d'água para Louis van Gaal - que precisava reagir na carreira, ainda vitimada pela campanha que deixou a Holanda fora da Copa de 2002 e pela má segunda passagem pelo Barcelona. E o técnico chegou a pedir demissão para a diretoria do AZ. Só foi impedido porque os próprios jogadores pediram a Van Gaal que ficasse. Só ele poderia dar o toque diferenciado para que aquele grupo chegasse a algum lugar na temporada.
Van Gaal queria deixar o AZ. Ficou, e foi o artífice de um time histórico (Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images) |
Entre 2007 e 2008, mais jogadores foram chegando a Alkmaar para Van Gaal poder formar um time. Como o atacante Mounir El Hamdaoui, marroquino nascido em Roterdã, que tivera passagem esquecível pelo Tottenham e reconstruía a carreira na Holanda. Como o goleiro argentino Sergio Romero, que surgia muito bem na seleção sub-20 de seu país, campeã mundial da categoria em 2007. Como o atacante brasileiro Ari (depois naturalizado russo), que vinha do Kalmar-SUE. Como o zagueiro finlandês Niklas Moisander, aposta egressa do Zwolle após aprender alguma coisa no Ajax ao chegar do país natal. Havia ainda coadjuvantes, como o zagueiro belga Gill Swerts - convertido em lateral direito no AZ - e os volantes Simon Poulsen e Nick van der Velden.
Da água para o vinho
Com os remanescentes de 2006/07 e quem chegara desde então, Van Gaal tinha de reagir na terceira rodada do Campeonato Holandês em 2008/09. Partida simplesmente contra o PSV, então tetracampeão da Eredivisie. Se ganhasse, haveria um respiro para o técnico continuar trabalhando, e para o AZ reagir no campeonato. Se perdesse, ficaria difícil evitar a demissão. Pois o AZ ganhou: 1 a 0 em Alkmaar, com Martens marcando o gol da vitória, aos 82'. Foi o momento da virada. Não só para os Alkmaarders reagirem na Eredivisie, mas para se transformarem num time campeão. Até porque os três grandes holandeses estavam em baixa.
O PSV vivia uma temporada de transição entre o time tetracampeão e uma nova fase (o grande símbolo do tetracampeonato, Gomes, saíra). O Ajax estava ainda mais confuso: como técnico, Marco van Basten sofria para dar rumo a um time que tinha talentos - Maarten Stekelenburg, Jan Vertonghen, Luis Suárez -, mas também contratações de qualidade duvidosa (os zagueiros Rob Wielaert e Oleguer, por exemplo). O Feyenoord, então, estava pior do que os outros dois: recheado de veteranos (Giovanni van Bronckhorst, Michael Mols, Roy Makaay, Jon Dahl Tomasson), o técnico Gertjan Verbeek teve problemas justamente com eles. E a torcida ficou do lado dele.
Enquanto isso, o AZ começou a ganhar, após aquela vitória fundamental sobre o PSV na terceira rodada. 5 a 2 no Willem II, 6 a 0 no Sparta Rotterdam, 2 a 0 no De Graafschap, 3 a 0 no Volendam... na 12ª rodada, assumiu a liderança do Campeonato Holandês. No ataque, Dembélé se valia da velocidade para ajudar a marcação no meio, enquanto El Hamdaoui, que pouco se destacara na carreira até então, virava o grande nome daquele campeonato, marcando gols e mais gols. No meio-campo, Demy de Zeeuw era outro a viver uma fase que nunca tinha vivido antes (e nunca viveria depois), marcando e avançando com a mesma eficiência, com a dupla Schaars-Mendes da Silva sendo firme no bloqueio aos ataques adversários. A defesa ia se encaixando, com o mexicano Héctor Moreno, outra contratação, se consolidando ao lado de Moisander na zaga, enquanto o belga Sébastien Pocognoli tomava conta da lateral esquerda. No gol, protegido por um time embalado, Romero começava a chegar perto de um recorde: cerca de 950 minutos sem sofrer gols na Eredivisie.
El Hamdaoui nunca vivera um campeonato como o de 2008/09 (VI Images) |
Aos poucos, o AZ tinha algumas dificuldades. Por exemplo, no gol: Romero perdeu a reta final da temporada por um momento bizarro - o goleiro argentino socou furiosamente uma parede do estádio após a derrota para o NAC Breda, nas quartas de final da Copa da Holanda, e com isso quebrou o punho, tendo de deixar lugar para o croata Joey Didulica ir ao gol. Pelo menos, o meio-campo do AZ seguia muito sólido e entrosado, com Martens, Schaars, Mendes da Silva e De Zeeuw. No ataque, El Hamdaoui se convertia no nome do campeonato, fosse qual fosse seu parceiro (Ari, Dembélé ou Pellè). O título se aproximava. E era inegável: ele teria Van Gaal como grande responsável, num dos grandes trabalhos de sua carreira
Alarme falso, anticlímax e alívio
O momento para a comemoração que Alkmaar tanto esperava seria em 18 de abril de 2009: na 31ª rodada do Campeonato Holandês, com 76 pontos, nove à frente do vice-líder Twente, a situação era cômoda. Bastava vencer o Vitesse no DSB Stadion, naquele Sábado de Aleluia, para que o time alvirrubro se consagrasse como o primeiro a furar o domínio de Ajax, PSV e Feyenoord na Eredivisie desde o seu próprio título, em 1980/81.
Tudo começou bem em Alkmaar: aos 19 minutos, El Hamdaoui saiu da marcação com um drible de corpo na entrada da área e tocou na saída do goleiro Piet Velthuizen, fazendo 1 a 0 para o AZ e garantindo o título. Desde então, como sempre naquela temporada, o AZ controlou a vantagem. Manteve o jogo no seu ritmo, trocando passes, criando chances de vez em quando... até que algo saiu errado. Ainda no primeiro tempo, aos 36 minutos, Alexander Büttner cobrou falta, a bola desviou na barreira e enganou Didulica no gol: 1 a 1.
Tudo bem: a vitória ainda era possível. Mas a partida do título passou a ser tensa para o AZ. E a tensão foi para o pior caminho no fim do jogo, aos 84': após erro na saída de bola, um jovem Ricky van Wolfswinkel dominou na entrada da área e fez 2 a 1 para o Vitesse. Anticlímax em Alkmaar: não seria naquela noite que o AZ seria campeão holandês. Pelo menos o Twente também perdera para o Feyenoord naquele dia (1 a 0). Mas seria preciso esperar o clássico do vice-líder Ajax com o PSV, no dia seguinte, antes de soltar o grito de campeão. Até porque a rodada seguinte teria Ajax x AZ em Amsterdã...
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