segunda-feira, 19 de abril de 2021

Grandes jogadores holandeses de quem você nunca ouviu falar: Van der Kuylen

Willy van der Kuylen pode não ter sido conhecido no resto do mundo. Na Holanda, porém, sempre será um dos melhores atacantes que o país já viu - em especial, no PSV (Pro Shots)

"O melhor jogador esquecido da Holanda". Assim o diário Algemeen Dagblad abriu o obituário do ex-jogador Willy van der Kuylen, falecido nesta segunda-feira, aos 74 anos, de causas naturais, acrescentadas das complicações do Mal de Alzheimer. Talvez não seja para tanto. Mas também não está tão longe da verdade. Se jogou pouco pela seleção dos Países Baixos (e se é pouco conhecido fora das fronteiras holandesas, por isso), Van der Kuylen é simplesmente o maior jogador da história do PSV - talvez, só Romário chegue perto da representatividade que ele teve para o clube de Eindhoven. De quebra, é o maior goleador da história do Campeonato Holandês: nada menos do que 311 gols pela Eredivisie, entre 1964 e 1982. Por isso, embora pouco falado, Willy mereceu as homenagens recebidas - principal e obviamente, em Eindhoven, onde o PSV viveu um dia de luto.

O amor do futebol logo foi encontrado

Nascido em Helmond, Van der Kuylen começou a jogar no HVV Helmond, clube amador da própria cidade natal, em 1955. Ficou nas categorias de base até 1962, quando teve as primeiras oportunidades no time principal do HVV Helmond. Mas a verdade é que o meio-campista/atacante só começou a carreira profissional para valer a partir de 1964, quando tomou o caminho do PSV (Eindhoven e Helmond são cidades muito próximas). Ali se iniciava uma das grandes histórias de fidelidade que o futebol dos Países Baixos já viu. 

Já na primeira temporada, Van der Kuylen disse a que veio: 20 gols em 27 jogos. Em 1965/66, a segunda temporada, veio a prova definitiva: 22 gols em 30 jogos, e a primeira artilharia de Eredivisie na carreira (dividida com Piet Kruiver, do Feyenoord). Até logicamente, surgiu a primeira convocação para a seleção holandesa - o jogador estreou pela Laranja em 22 de março de 1966, num amistoso contra a Alemanha (derrota por 4 a 2). No mesmo ano, ainda, veio seu primeiro gol pela Oranje, num 3 a 1 contra a Bélgica, em outro amistoso.

Mesmo em meio a uma geração fulgurante de atacantes - Piet Keizer, Sjaak Swart, o próprio Johan Cruyff -, Van der Kuylen começava a se destacar por vários motivos. Primeiro, pela técnica demonstrada: era considerado um jogador classudo, que tanto sabia armar jogadas quanto finalizar (método expresso numa frase dele mesmo: "O futebol é um jogo, não uma guerra, oras"). Depois, pela precisão na hora de concluir para o gol. Por último, pela força nos chutes: seus arremates - com as duas pernas - eram tão fortes que lhe renderam o apelido pelo qual será eternamente conhecido pela torcida do PSV: "Skiete Willy"  (Foguete Willy).

Falando em PSV, o destaque em Eindhoven continuava. Ainda se tratava de um clube médio, os títulos não vinham, o equilíbrio era grande - para nem citar Ajax, havia Feyenoord e Twente como concorrentes. Mas Van der Kuylen se destacava, cada vez mais se consolidava como o grande destaque dos Boeren. E tinha conquistas esportivas para justificar isso. Por exemplo, na temporada 1969/70: com 26 gols, sua melhor marca até então no Campeonato Holandês, mais uma artilharia - e agora, sem ninguém para dividir.

Van der Kuylen (mão esticada) teve a vida encurtada na seleção pela concorrência - e principalmente, pelas tensões com Johan Cruyff (Martens/ANP)

Na seleção, a briga que encurtou o caminho

Se no PSV Van der Kuylen era absoluto, na seleção holandesa o funil começava a ficar estreito demais para ele. Em primeiro lugar, pela concorrência que crescia no meio-campo e no ataque: Willem van Hanegem, Theo de Jong, Robert Rensenbrink, Johnny Rep, Piet Keizer, os irmãos Van de Kerkhof que eram seus colegas de clube... só isso já fez com que sua frequência pela Laranja diminuísse, quando os anos 1970 chegaram. Tanto que a ausência chegou a três anos, entre 1970 e 1973.

Em grande parte, tudo isso se deveu a uma briga semiexplícita de Willy com o principal luminar daquela geração que colocava a Holanda no mapa do futebol mundial. Ele (e outro destaque do PSV que tinha grande talento, o goleiro Jan van Beveren) discordavam em muitas coisas e comportamentos da geração do Ajax que tomava a seleção, Johan Cruyff à frente. Os nomes do PSV preferiam mais discrição; os do Ajax não fugiam de uma boa discussão. Os nomes do PSV prezavam, por exemplo, o orgulho em defender a seleção do país natal; os jogadores do Ajax valorizavam cada vez mais os ganhos financeiros. E assim se ia.

O racha implícito já serviu para que, em 1974, implicitamente, se soubesse que a seleção holandesa estava pequena demais para Cruyff e Van der Kuylen (por tabela, Van Beveren também). A balança pendeu a favor do "Nummer 14", já se destacando no Barcelona, e ainda com os ecos do tricampeonato europeu em que capitaneara o Ajax. E "Skiete Willy" foi ignorado deliberadamente na lista dos 22 convocados para a campanha que marcou época na Alemanha. Mesmo que 1973/74 tenha sido a melhor temporada de sua carreira: não só artilheiro da Eredivisie pela terceira vez (27 gols em 34 jogos), mas enfim com um título a ser comemorado pelo clube de Eindhoven: a Copa da Holanda. Conquistada, aliás, com três gols de Van der Kuylen na goleada da final - 6 a 0 no NAC Breda.

Depois da Copa de 1974, houve um "cessar-fogo": no fim daquele ano, Van der Kuylen não só voltou às convocações, como até atuou nas eliminatórias da Euro 1976, se destacando num jogo da campanha - contra a Finlândia, três gols na goleada holandesa por 4 a 1. Porém, pouco depois, a temperatura da briga com Cruyff, no entanto, voltou a subir. Foi em setembro de 1975, dias antes da quarta partida pelas eliminatórias da Euro, contra a Polônia, fora de casa. Cruyff e Neeskens, ambos já no Barcelona, pediram para se apresentarem mais tarde, ao contrário dos outros convocados do técnico George Knobel. Pedido atendido - para irritação de Van der Kuylen e Van Beveren, com os privilégios. Bastou ambos se apresentarem, para que no dia, Van Beveren verbalizasse, irônico: "Lá vêm os reis da Espanha..." Foi o bastante: ali, sim, a briga ficou explícita, num pedido de Cruyff - ou eles saíam, ou ele saía da seleção. Outra vez, a disputa de poder ficou desigual: os dois nomes do PSV foram cortados no dia seguinte.

Van der Kuylen até voltou a jogar pela seleção holandesa depois daquela briga em 1975: foram mais cinco jogos nos dois anos seguintes, sendo quatro deles pelas eliminatórias da Copa de 1978. Todavia, a tensão com Cruyff lhe cobrou um duro preço: mesmo reconhecido como um dos melhores avantes do país, nunca teria o protagonismo no ataque da seleção laranja. Seu último jogo foi vindo do banco, substituindo exatamente Cruyff, nos 4 a 1 sobre a Irlanda do Norte, que confirmaram a vaga na Copa de 1978, em 12 de outubro de 1977. Capítulo final discreto.

O título da Copa da UEFA em 1977/78 foi o marco da transformação do PSV em time grande na Holanda - e Van der Kuylen, capitão e artilheiro, erguendo a taça, simbolizou isso (DCI Media)

No PSV, o brilho para a eternidade

Pelo menos para a torcida do PSV, tudo bem que Van der Kuylen tivesse vida entrecortada na seleção. Porque foi exatamente naquela metade de década de 1970 que o clube de Eindhoven partiu para se converter num dos grandes clubes dos Países Baixos - e o atacante, na fase madura da carreira, foi talvez o principal personagem desta transformação. Na temporada 1974/75 da Eredivisie, os Boeren enfim foram campeões - e Van der Kuylen, com 28 gols, só não foi o goleador do campeonato porque encontrou adversário ainda mais faminto de bolas na rede: Ruud Geels fez 30 gols, pelo Ajax.

E os títulos começaram a aparecer. Em 1975/76, dupla coroa para o PSV - campeonato e copa neerlandeses (com o atacante fazendo 27 gols na Eredivisie). Só que o melhor viria na temporada 1977/78. Não só por mais uma conquista da liga para os Eindhovenaren, mas também pelo primeiro título europeu da história da agremiação: a Copa da UEFA. Capitão da equipe desde o começo da campanha, Van der Kuylen provou porque era absoluto no ataque do PSV, ao lado do sueco Ralf Edström: marcou dois gols na primeira fase, contra o Glentoran norte-irlandês (6 a 2, no jogo de ida). Mais um na ida da segunda fase, contra o Widzew Lodz polonês (5 a 3). Mais outro nas oitavas de final, contra o Eintracht Braunschweig, da antiga Alemanha Oriental. E só para coroar o tamanho de sua influência na transformação do tamanho do PSV, Van der Kuylen fez um dos gols dos 3 a 0 sobre o Bastia francês, na final daquela Copa da UEFA.

Havia outros destaques históricos naquele PSV: Van Beveren no gol, Huub Stevens e Ernie Brandts na zaga, os irmãos Van de Kerkhof. Mas é possível dizer: o grande símbolo daquele clube médio que virou grande a partir daqueles tempos, na Holanda, foi Willy van der Kuylen.


A partir dali, sua produtividade na frente do gol foi caindo: 14 gols pela Eredivisie na temporada 1978/79, 12 gols em 1979/80, 8 em 1980/81. A titularidade foi sendo perdida gradativamente. E no início da temporada 1981/82, já posto no banco pelo técnico Thijs Libregts, o atacante entrou para jogar apenas cinco minutos contra o NEC. 

Foi um sinal pessoal: era hora de viver o fim da carreira em outros campos. Van der Kuylen pediu para deixar o PSV, e foi atendido. Saiu sob aplausos, com vários motivos para ser reconhecido como o mais importante atleta a ter vestido a camiseta dos Boeren - não bastassem os títulos, nenhum outro fez tantos gols pelo PSV (308 gols), nenhum outro marcou tanto pelo clube em competições europeias (29 gols). Recordes que seguem, mesmo com tantos outros atacantes históricos que passaram por Eindhoven. 

Aquele resto de temporada 1981/82 foi passado no MVV Maastricht. Em 1982/83, Van der Kuylen teve uma experiência na Bélgica, pelo KVV Overpelt, da segunda divisão. E sua carreira acabou ali. O vínculo com o PSV, não.

Van der Kuylen já era eterno para o PSV antes de dar razão a uma estátua no portão do Philips Stadion (Jean Pierre Reijnen/DCI Media)

Para sempre o "Mister PSV"

Já em 1984, Van der Kuylen voltou ao meio do PSV que conhecia tanto. Lá, ocuparia os mais variados cargos: treinou vários times das categorias de base, foi auxiliar técnico, foi "olheiro", ajudou a treinar os atacantes que passaram pelo clube. Só teria uma pausa entre 1991 e 1993, quando foi auxiliar no Roda JC. De resto, se acostumou a ser rosto conhecido no Philips Stadion, reverenciado pela torcida, respeitado pelos adversários, apelidado para sempre como o "Mister PSV".

A veneração de que era alvo em Eindhoven foi eternizada com dois atos em 2011 - uma biografia ("Onze Willy" - "Nosso Willy", em português -, de Frans van den Nieuwenhof) e uma estátua, na porta do Philips Stadion. Sempre que possível, seguia vendo os jogos do clube. Seguia respeitado como símbolo - tanto que foi ele o nome escolhido para entregar a taça ao PSV campeão holandês, em 2014/15.

Não houve muitas mobilizações públicas de pranto pela morte de Van der Kuylen em Eindhoven, em tempos de pandemia. Porém, os ramalhetes de flores aos pés de sua estátua deixam claro o tamanho da importância que ele teve na história do PSV. Se não deixarem, serve uma frase dita ao jornal Algemeen Dagblad citado no começo do texto: "Ele foi o Johan Cruyff do PSV". Não é exagero.

Wilhelmus Martinus Johannes Leonardus "Willy" van der Kuijlen
Nascimento: 6 de dezembro de 1946, em Helmond, Holanda
Carreira: HVV Helmond (1962 a 1964), PSV (1964 a 1981), MVV Maastricht (1981 a 1982) e KVV Overpelt-BEL (1982 a 1983)
Seleção: 22 jogos e 7 gols, entre 1966 e 1977


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