terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Sorte até no azar

A seleção feminina da Holanda oscilou, mas se esforçou. Teve um prêmio comovente: classificação eletrizante às semifinais da Liga das Nações (KNVB Media/Divulgação)

Quando terminou o jogo entre Holanda e Inglaterra, pela Liga das Nações feminina, o técnico Andries Jonker se manteve tranquilo. Até comemorou, falando à emissora NOS: "Uma das metas da Liga das Nações é a classificação para os Jogos Olímpicos. Podíamos passar por uma derrota por um gol de diferença. E tomamos, por um fio, no segundo tempo. Mas ao conseguir isso... bacana". Pois é. Até mesmo em momentos de decepção, as Leoas Laranjas mantinham as chances de irem às semifinais da Nations League. Como sempre, em se tratando da equipe de mulheres holandesas, esforço não faltou. E somado à sorte, ele rendeu um prêmio inesperadamente dramático: a goleada por 4 a 0 sobre a Bélgica, garantindo a esperada vaga nas semifinais, mantendo a esperança de um lugar no torneio olímpico, já está entronizada como um dos momentos mais comoventes da história recente do futebol feminino neerlandês.

Poderia ter sido mais tranquilo, é verdade. Porque o primeiro tempo em Wembley, na sexta passada, foi exemplar do que os Países Baixos podem jogar no futebol feminino, diante de uma Inglaterra vice-campeã mundial, que obviamente iria com tudo em busca do primeiro lugar do grupo 1 da liga A. Na defesa, Daphne van Domselaar fez uma ótima defesa em chute de Lauren Hemp, aos 11' (em lance no qual a Holanda até foi favorecida pela juíza sueca Tess Olofsson - afinal, não foi marcado escanteio). No ataque, Lineth Beerensteyn enfim aproveitou muitas chances de ataque. Na primeira, aos 12', após lançamento primoroso de Victoria Pelova, a atacante ajeitou, aproveitou falha da defesa inglesa e fez 1 a 0; no segundo, aos 35', ela recebeu a bola ajeitada de cabeça por Lieke Martens e chutou bola defensável... mas que entrou, em falha inegável da goleira Mary Earps. E as neerlandesas tiveram até chances de ampliar, surpreendendo pelo domínio e pela eficiência: Daniëlle van de Donk mandou para fora aos 17', e Jill Roord acertou o travessão aos 22'. Tudo isso, amparado em uma atuação soberana de Jackie Groenen, evitando qualquer problema para a defesa ao ser incansável na marcação, no 1º tempo. As Leoas - no caso, "Lionesses", não as "Leeuwinnen" - só chegaram com Lauren James, aos 24', e Chloe Kelly, aos 37'.

Só que Groenen se machucou já no primeiro tempo, e teve de sair no intervalo. Já mais recuperada após o rompimento de seu ligamento cruzado anterior, Beth Mead veio a campo para ser mais uma a fortalecer a pressão que a Inglaterra certamente faria na etapa final, além de quem já estava em campo (Georgia Stanway, Lauren James, Chloë Kelly, Lauren Hemp, Lucy Bronze ajudando...). Diante de uma Holanda que demorou para se assentar, o empate demorou só dois minutos: Stanway cabeceou cruzamento primoroso de James aos 58', e Lauren Hemp bateu forte após Stanway ajeitar na área aos 60'. A coisa foi piorando para a Holanda: Sherida Spitse sentiu dores e teve de sair aos 70' - tirando a experiência de uma zaga cronicamente problemática -, Van de Donk também deixou o campo aos 85' (sentia tantas cãibras que se temeu até lesão grave), a Inglaterra pressionava cada vez mais (em que pese tentativa de Martens aos 89')... e Andries Jonker resumiu à ESPN neerlandesa: "Não aguentamos". No primeiro minuto dos acréscimos, mais um cruzamento preciso de Lauren James, Ella Toone cabeceou à queima-roupa, Inglaterra 3 a 2. E as inglesas quiseram mais gols. Não conseguiram.

Foi o que animou um pouco a Holanda: afinal, a liderança no grupo ainda estava mantida, pela vantagem no saldo de gols. Mesmo com o descuido da UEFA ao permitir Inglaterra e Escócia na mesma chave (com a Inglaterra mantendo a chance de ir aos Jogos Olímpicos, como Grã-Bretanha, com algumas jogadoras escocesas podendo entrar debaixo do "guarda-chuva" britânico...), havia plena confiança em uma vitória contra a Bélgica. Confiança que se esvaiu, pelo menos no primeiro tempo. Porque no jogo em Tilburg, as holandesas mais perderam chances - Esmee Brugts aos 25', Damaris Egurrola aos 33', até um gol anulado de Lieke Martens - do que fizeram gols. Só Beerensteyn abriu o placar, aos 34'. Vantagem que parecia insuficiente, tendo em vista que a Inglaterra, com todos os destaques ofensivos, já fazia 4 a 0 na Escócia, prometendo fazer mais no segundo tempo.

Fez 5 a 0, com Lucy Bronze, tão logo a etapa final começou. Mesmo fazendo rapidamente 2 a 0 - também Beerensteyn, 11º gol dela pela seleção no ano -, a Holanda sofria. Sofria para tentar achar espaços, numa Bélgica bem postada defensivamente, com várias zagueiras impedindo espaços em frente ao gol de Nicky Evrard. Sofria até na defesa, cedendo espaços para alguns contragolpes (Daphne van Domselaar até fez defesa importante aos 69', em chute de Tessa Wullaert). Restava a Andries Jonker colocar toda a força ofensiva que convocou, especialmente para momentos assim. Primeiro, com o nome mais importante: Vivianne Miedema, vinda aos 66' (e tendo chance para um golaço aos 80', driblando cinco zagueiras antes do chute que Evrard pegou). Depois, Katja Snoeijs, Renate Jansen, Romée Leuchter... tudo por um gol. Que veio, no primeiro minuto dos acréscimos, com Damaris Egurrola Wienke, substituindo a machucada Jackie Groenen nos 90 minutos.

O segundo gol de Damaris Egurrola, contra a Bélgica, já nasceu histórico: loucura em campo e na torcida em Tilburg (KNVB Media/Divulgação)

Poderia ser o final heróico, já que a Holanda superava a Inglaterra no saldo de gols. Inglesas que tinham parado nos 5 a 0... até fazerem o sexto gol, segundos depois do 3 a 0 de Damaris, com Lucy Bronze. Decepção pesada? Não. Porque, num "ataque contra defesa" absoluto dos minutos finais, com a goleira trocada na Bélgica (Diede Lemey, que joga no Fortuna Sittard holandês, no lugar da machucada Evrard), Leuchter cruzou, aos 90' + 5, o último minuto dos acréscimos. Damaris, já avançada, cabeceou. E a bola foi, lenta, lenta... até o canto direito de Lemey. Era o 4 a 0 que enlouqueceu quem estava em campo e fora dele em Tilburg. O gol que fazia a Holanda superar de novo o saldo da Inglaterra, cujo jogo já acabara em Glasgow - e cujos destaques viram, impotentes e lamuriosas, as Leoas Laranjas assegurarem a vaga nas semifinais da Liga das Nações.

Vaga até merecida, pelo esforço que a Holanda sempre demonstrou após a derrota para a Bélgica na estreia. Esforço que, até mesmo no azar da derrota da sexta-feira passada, teve sorte. Mas se a sorte às vezes ajuda quem cumpre sua tarefa... as Leoas Laranjas cumpriram. E agora podem esperar ansiosa e gostosamente pelo sorteio da semifinal (contra França, Alemanha ou Espanha) a ser jogada em fevereiro. Podem continuar sonhando com os Jogos Olímpicos.

Liga das Nações da UEFA - Liga A - Grupo 1

Inglaterra 3x2 Holanda
Data: 1º de dezembro de 2023
Local: Wembley (Londres)
Árbitra: Tess Olofsson (Suécia)
Gols: Lineth Beerensteyn, aos 12' e aos 35', Georgia Stanway, aos 58', Lauren Hemp, aos 60', e Ella Toone, aos 90' + 1

INGLATERRA
Mary Earps; Lucy Bronze, Jessica Carter (Esme Morgan, aos 63'), Alex Greenwood e Niamh Charles (Rachel Daly, aos 85'); Fran Kirby, Keira Walsh e Georgia Stanway (Ella Toone, aos 68'); Chloe Kelly (Beth Mead, aos 46'), Lauren Hemp (Alessia Russo, aos 68') e Lauren James. Técnica: Sarina Wiegman

HOLANDA
Daphne van Domselaar; Caitlin Dijkstra, Sherida Spitse (Merel van Dongen, aos 70') e Dominique Janssen (Kerstin Casparij, aos 63'); Victoria Pelova (Renate Jansen, aos 63'), Jackie Groenen (Damaris Egurrola Wienke, aos 46'), Daniëlle van de Donk (Shanice van de Sanden, aos 85') e Esmee Brugts; Jill Roord; Lieke Martens e Lineth Beerensteyn. Técnico: Andries Jonker


Holanda 4x0 Bélgica
Data: 5 de dezembro de 2023
Local: Willem II Stadion (Tilburg)
Árbitra: Stéphanie Frappart (França)
Gols: Lineth Beerensteyn, aos 34' e aos 54', e Damaris Egurrola Wienke, aos 90' + 1 e aos 90' + 5

HOLANDA
Daphne van Domselaar; Caitlin Dijkstra, Sherida Spitse (Kerstin Casparij, aos 73') e Dominique Janssen (Katja Snoeijs, aos 74'); Victoria Pelova (Renate Jansen, aos 88'), Damaris Egurrola Wienke, Daniëlle van de Donk e Esmee Brugts (Vivianne Miedema, aos 66'); Jill Roord; Lieke Martens e Lineth Beerensteyn (Romée Leuchter, aos 88'). Técnico: Andries Jonker

BÉLGICA
Nicky Evrard (Diede Lemey, aos 90' + 4);  Féli Delacauw (Jassina Blom, aos 46'), Janice Cayman, Sari Kees e Laura Deloose (Davina Philtjens, aos 76');  Tine de Caigny,  Kassandra Missipo (Welma Fon, aos 77') e Justine Vanhaevermaet; Marie Detruyer, Tessa Wullaert e Sarah Wijnants (Jody Vangheluwe, aos 76'). Técnico: Ives Serneels


Nenhum comentário:

Postar um comentário