terça-feira, 22 de março de 2016

Grandes jogadores holandeses de que você nunca ouviu falar: Sjaak Swart

Swart homenageado em seu jogo de despedida: não dá para imaginá-lo sem a camisa do Ajax (ANP Archief)
Em 2012, como o leitor deve se lembrar, o Ajax fez sua intertemporada na cidade de São Paulo: treinou por uma semana na capital paulista, antes de um amistoso em 14 de janeiro, no Pacaembu, contra o Palmeiras - Pedro Carmona fez, nos acréscimos do segundo tempo (47 minutos), o gol palestrino, único do jogo. E naquela semana, enquanto os Ajacieden se preparavam, o Palmeiras celebrava o fim da carreira daquele que é um de seus jogadores mais marcantes: Marcos, festejado e cantado em prosa e verso pelos adeptos alviverdes. A ponto de Palmeiras x Ajax ter sido precedido por uma procissão em honra ao ex-goleiro palmeirense. E na nota sobre o amistoso, o site do Ajax comentou: "A lenda do clube, Marcos, colocou a cabeça para fora da tribuna de honra, no alto do estádio, pouco antes do jogo. E o ex-goleiro de 38 anos foi ovacionado pelos torcedores".

Todavia, é a frase seguinte do texto sobre o jogo que faz relação com o jogador descrito neste texto: "Por 19 temporadas, o 'Sjaak Swart' do Palmeiras defendeu as cores do clube de São Paulo". Pois é: assim como Marcos notabilizou-se pelo tempo e pela dedicação com que defendeu o gol palmeirense em toda a sua carreira, virando figura quase mitológica para os torcedores, o Ajax também teve um jogador até hoje visto como "símbolo" do clube. Um jogador cuja imagem é indissociável dos Amsterdammers. Que, obviamente, é alvo de reverência e afeto quase inesgotáveis da torcida Ajacied. E que virou sinônimo de fidelidade tão grande que é a medida pela qual Marcos foi descrito para os holandeses que porventura leram o texto. Esse jogador é Sjaak Swart - ou melhor, Jesaia Swart, como ele foi batizado ao nascer, em 3 de julho de 1938, em Muiderberg.

Se não fez fama mundial, "Paco" (apelido de Swart) pode ser descrito, sem dúvidas, como um elemento de ligação entre o clube regional que os Ajacieden eram, e a potência mundial que a equipe se tornou, no início dos anos 1970. No entanto, este momento de apogeu parecia distante quando Swart estreou pelo Ajax, aos 18 anos, em 16 de setembro de 1956, na partida contra o Stormvogels (um dos clubes fundidos na união que gerou o atual Telstar), pela segunda fase da Copa da Holanda, na temporada 1956/57, a primeira do futebol holandês sob o profissionalismo. E o Ajax acabou conquistando o campeonato nacional, naquele ano. Mas Swart, ainda iniciante, participou de poucos jogos na campanha do título: cinco.

A conquista da primeira Eredivisie da era profissional do futebol holandês rendeu ao Ajax a participação na Copa dos Campeões 1957/58. Logo, rendeu a Swart as duas primeiras partidas por competições europeias: aos 19 anos, já foi titular nos dois jogos contra o SC Wismut, da Áustria, em novembro de 1957. Mas o importante daquela temporada veio novamente num Campeonato Holandês. Sjaak marcou o primeiro gol de sua carreira: em 6 de outubro de 1957, pela sétima rodada do campeonato, na vitória fora de casa sobre o NOAD (mais um clube participante de fusão: junto do ADVENDO, gerou o NAC Breda).

Porém, tal gol iniciou também um incômodo e curioso tabu: desde sua estreia profissional, Swart só marcou em jogos fora de casa. A sequência só foi quebrada na temporada 1958/59: em 1º de janeiro de 1959, na primeira fase da Copa da Holanda, o atacante marcou um dos gols na goleada sobre o JOS (8 a 3). Era o início da fase em que Swart despontou, aos 21 anos: em 1959/60, o Ajax novamente conquistou o título holandês, e o atacante teve claro salto de desempenho, marcando 18 gols em 29 jogos. Um desses gols, por sinal, foi marcante: na goleada por 9 a 0 sobre o Volendam, em 18 de abril de 1960, pela 30ª rodada do campeonato, "Paco" marcou o 100º gol do Ajax no torneio, na primeira vez em que um clube holandês passou da centena de gols numa competição.

A evolução lhe rendeu, então, a primeira chance na seleção holandesa: em 26 de junho de 1960, Swart jogou 56 minutos no amistoso contra o México, em que a Oranje caiu derrotada por 3 a 1, na Cidade do México. E aos poucos, a história daquele (ainda) jovem foi se consolidando no Ajax. Na temporada 1960/61, mais uma Copa dos Campeões: e Swart marcou o primeiro gol em campeonatos continentais, na derrota por 4 a 3 sobre o Frederikstad-DIN, em 31 de agosto. De quebra, pouco antes, Swart marcara o primeiro gol com a camisa da seleção: em outro 4 a 3, mas desta vez com vitória (da Oranje sobre o Suriname), em 3 de julho, o atacante marcou um dos gols.

E ao longo da década de 1960, a história de Swart foi se consolidando dentro do Ajax. Na temporada 1961/62, veio a primeira conquista europeia do clube, a Copa Intertoto. Pela seleção holandesa, ainda no segundo escalão do futebol europeu, Sjaak viveu momentos difíceis: participou das eliminatórias da Euro 1964 - ainda disputada em formato de quadrangular. E na qualificação, a Oranje foi derrotada por Luxemburgo, numa melhor de três (o jogador participou apenas do jogo de volta, empatado em 1 a 1, como na ida - os luxemburgueses fizeram 2 a 1 no jogo de desempate).

Tendo passado pelo difícil momento com a seleção, em que já era titular, Swart teve enfim a compensação em sua carreira através das profundas mudanças por que o Ajax passou no meio da década. Em 1965, Rinus Michels tornou-se técnico dos alvirrubros - onde já surgira um certo Johan Cruyff, no ano anterior. E os dois seriam os líderes da transformação mencionada no início deste texto, em que o Ajax deixou de ser regional. O que não quer dizer que Swart viu tudo isso como coadjuvante. Inclusive, o atacante foi titular na estreia de Cruyff pela seleção holandesa (jogo pelas eliminatórias da Euro 1968, contra a Hungria, empatado em 2 a 2, em 7 de setembro de 1966).

E a temporada 1966/67 já indicou as mudanças: não só o Ajax foi novamente campeão holandês com aquela geração que aparecia (Cruyff e o lateral direito Wim Suurbier já eram titulares), mas também teve sua primeira aparição assombrosa na Europa, ao eliminar o Liverpool nas oitavas de final da Copa dos Campeões, aplicando 5 a 1 nos Reds, em Amsterdã, no jogo de ida (a volta ficou no 2 a 2). Já a caminho dos 30 anos, Swart era um dos raros experientes do elenco que escapariam da reformulação que Rinus Michels fazia sem dó nem piedade.

Assim, mesmo perdendo espaço na seleção holandesa (apenas três jogos em 1968, mais um em 1970, e nunca mais foi convocado para a Oranje), o atacante seguiu como titular absoluto no Ajax. Em 1967/68, mais um título holandês. Ou seja, na temporada seguinte houve mais uma participação na Copa dos Campeões. Que rendeu a primeira final continental dos Ajacieden, naquela competição. Só que a decisão contra o Milan provou que ainda faltava algo à equipe de De Meer: 4 a 1 para os Rossoneri. Ali houve o ponto culminante da escalada do Ajax. Rinus Michels descartou vários jogadores do elenco (o zagueiro Theo van Duivenbode e o atacante Klaas Nuninga, titulares até então, foram dois dos jogadores barrados por Michels), em favor da garotada que surgia, com Ruud Krol e Barry Hulshoff já na zaga. Paralelamente, alguns veteranos eram contratados, como o zagueiro sérvio Velibor Vasovic. Ou então, eram mantidos.

Caso de... Swart. Que soube se encaixar naquele novo esquema tático que nascia, e teve a felicidade de participar, ativamente, da era do "Gloria Ajax". Nos últimos quatro anos de carreira, "Paco" ganhou títulos que nem sonhava ganhar quando começou a atuar. Em 1969/70, veio a dobradinha doméstica (campeonato e copa holandeses). E em 1970/71, o time de Amsterdã se apresentou à Europa em grande estilo, com o primeiro dos três títulos consecutivos na Copa dos Campeões. Em 1971/72 e 1972/73, mais dois títulos da Eredivisie; junto ao título de 1969/70, 1970/71 e 1971/72 renderam o tricampeonato da Copa da Holanda; em 1972, houve ainda a conquista do Mundial Interclubes; e a Supercopa da Europa foi conquistada em 1971/72 e 1972/73.

Em quase todas essas campanhas, Swart atuou como titular, ainda no ataque, sendo valioso coadjuvante para Johan Cruyff e Piet Keizer. Só foi desacelerar o ritmo em 1972/73: atuou mais na Eredivisie (26 jogos, 9 gols) do que pela Copa dos Campeões (3 jogos, 1 gol - este marcado na estreia do Ajax, vitória por 3 a 1 sobre o CSKA Sofia-BUL, nas oitavas de final). Ainda assim, encerrar sua carreira no dia 20 de maio de 1973, na última rodada do Campeonato Holandês que o Ajax já conquistara, foi um fecho merecidamente vitorioso para aquele que já carregava (e carrega desde então) o apelido de "Mister Ajax".

Decididamente, não é à toa: por 17 anos, entre 1956 e 1973, foram 603 jogos oficiais pelo Ajax - o jogador com mais partidas pelos Amsterdammers, quase cem partidas acima do segundo (Wim Suurbier, com 509). De quebra, foram 175 gols pela Eredivisie - número que o torna o terceiro maior goleador Ajacied pelo campeonato nacional, só abaixo de Johan Cruyff e Piet van Reenen. Após parar de jogar profissionalmente, Sjaak fez alguns negócios pessoais, como uma tabacaria, e até hoje atua como auxiliar do ex-jogador Sören Lerby no agenciamento de carreiras de jogadores.

Mas é óbvio: sua face mais visível ainda está ligada ao Ajax. Eleito conselheiro de honra do clube em 2010, Swart ainda assiste a todos os jogos na Amsterdam Arena. De quebra, aos 78 anos, ainda faz algumas partidas recreativas, como titular absoluto do Lucky Ajax, o time de masters do clube. Dá para cravar: Sjaak Swart é um marco na história do Ajax. Um Marcos do Ajax, que tal?

Sjaak Swart
Nascimento: 3 de julho de 1938, em Muiderberg, Holanda
Carreira: Ajax (1956 a 1973)
Seleção: 31 jogos, 10 gols

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