sexta-feira, 10 de março de 2017

Briga de foice

O equilíbrio ainda permite salvações, mas a expressão de Beugelsdijk deixa claro: o ADO Den Haag está a perigo na Eredivisie (Maurice van Steen/VI Images)

No mês passado, o site Trivela (de certa forma, irmão deste Espreme a Laranja) publicou uma curiosa variante para as típicas tabelas dos campeonatos de futebol. Tratava-se de um gráfico, feito pelo inglês Will Griffiths (disponível aqui), mostrando a pontuação das equipes nas mais tradicionais – e também nas menos - ligas europeias. Claro, os leitores comentaram. E um deles (Roberto Alvarenga) palpitou, com base no que o jornalista Leandro Stein comentou: “A luta contra o rebaixamento na Holanda vai ser uma briga de foice no escuro”. Outro leitor, Lucas Silva, concordou. E ainda acrescentou: “Parece-me que nessas últimas temporadas, as equipes holandesas, excetuando-se PSV e Ajax, estão mais fracas, especialmente Vitesse e Twente”.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Primeiro, porque o Campeonato Holandês tem clubes que não estão nem mais fracos, nem mais fortes; simplesmente, ficam na zona em que se espera que fiquem, no início da temporada. Um bom exemplo disso está na região que dá lugar nos play-offs após a temporada regular, por vaga na Liga Europa: excetuando-se o Twente (que está na 6ª posição, mas não participará dos play-offs, punido que foi pela federação holandesa no ano passado), estão Utrecht, AZ, Heerenveen e Vitesse – todos clubes médios, participantes comuns desses play-offs, que se raras vezes desafiam os três grandes do país para valer, tampouco sofrem com a ameaça de rebaixamento. E até aparecem numa fase preliminar de Liga Europa, aqui e ali. 

Segundo, porque nem os clubes realmente fracos são tão fracos que não consigam surpreender. Que o diga o líder Feyenoord: no domingo passado, o Stadionclub sofreu sua segunda derrota nesta Eredivisie, com o 1 a 0 para o Sparta Rotterdam - promovido nesta temporada, como campeão da segunda divisão. O fenômeno fica ainda mais notável quando se constata que a outra derrota dos Feyenoorders na temporada foi para... o outro clube promovido da Eerste Divisie, o Go Ahead Eagles (outro 1 a 0). Certo, tratam-se de times deficientes (basta lembrar que o Feyenoord pespegara 6 a 1 no Sparta, no turno). Ainda assim, proporcionam surpresas como estas – que tornam o primeiro colocado do Campeonato Holandês o segundo clube com piores resultados ao pegar os clubes que subiram de divisão nesta temporada.

E talvez seja por essa capacidade de pregar peças que a Eredivisie, de fato, esteja extremamente equilibrada na zona de rebaixamento – e de repescagem (o leitor deve-se lembrar do regulamento, no mínimo, intrincado dos play-offs de acesso/descenso – caso não se lembre, eis aqui esta coluna de 2015). Do 15º ao 18º e último colocado, há apenas um ponto de diferença – sendo que há empate triplo entre o 15º e o 17º colocado. E até mesmo clubes mais sossegados ainda precisam tomar cuidados antes de garantirem a salvação na divisão de elite do futebol holandês. Uma possível razão para o equilíbrio é o fato de nenhum dos times ameaçados de queda ser completamente desprovido de talento, ser irremediavelmente ruim – enfim, nenhum deles é “saco de pancadas”, sendo esmurrado rodada após rodada. 

Na verdade, o lanterna atual do Holandês viveu até uma “queda meteórica”. Não que ela não estivesse anunciada: já se abordou aqui o caos interno que vive o ADO Den Haag. A crise já estava indo para dentro de campo, e o início do returno deflagrou isso de vez: nada de vitórias para o clube de Haia, nas oito rodadas disputadas após a pausa de inverno. Foram dois empates e seis derrotas. Já houve consequências: previsivelmente, sobrou para o técnico (Zeljko Petrovic caiu, dando lugar a Alfons Groenendijk). Ainda assim, a sensação é de que o Den Haag pode reagir. Jogadores para isso, tem: na defesa (o duro zagueiro Tom Beugelsdijk, ídolo da torcida) e no ataque (Édouard Duplan, Sheraldo Becker, Ruben Schaken, Guyon Fernandez, até Mike Havenaar).

Do Roda JC, penúltimo colocado, também já se comentou aqui. Só que o ânimo ganho com a injeção de dinheiro do suíço-russo Aleksei Korotaev ainda não resultou em muita coisa dentro das quatro linhas: só duas vitórias no returno, e o time segue transitando entre as últimas posições. Pelo menos, ainda teria chance de segurar-se na Eredivisie, indo para a repescagem. Mesmo caso de outro clube que também é afligido pela ameaça do descenso há várias temporadas, e continua não aprendendo: o Excelsior, em 16º colocado. O clube de Roterdã nem perdeu tanto assim no returno. Mas também não ganhou, exagerando nos empates: quatro, nestas nove rodadas do segundo turno.

Esta é a sorte do Go Ahead Eagles: duas vitórias seguidas já bastaram para o clube de Deventer conseguir ficar no 15º lugar, o primeiro fora da zona de rebaixamento. E é até merecido, já que a equipe tem alguns jogadores de relativo talento – principalmente no ataque, com Jarchinio Antonia e Sam Hendriks, que periodicamente salvam o GAE numa ou noutra partida. No entanto, com o mesmo número de pontos dos dois clubes que vêm logo abaixo (20) e nove rodadas a disputar, sossegar não é uma opção.

Talvez não seja uma opção nem para os clubes que vêm acima dos quatro mais ameaçados pelo rebaixamento. Embora tenha uma equipe muito coesa (e tenha, ora bolas, vencido o líder do campeonato), o Sparta Rotterdam (14º, com 25 pontos) ainda procura afastar o temor. Após passar o turno ameaçado, sendo uma das grandes decepções da Eredivisie, enfim o Zwolle reagiu: alguns jogadores subiram de produção, o técnico Ron Jans anunciou demissão – na moda de “técnicos demissionários tranquilizam o clima no elenco” -, algumas vitórias vieram, e os Zwollenaren foram aos 27 pontos, na 13ª posição. A mesma coisa ocorre com o NEC: a equipe de Nijmegen ainda sofre com a irregularidade dentro de campo, mas está em 12º lugar, com 28 pontos. Todas essas, pontuações que dão mais segurança. Ainda assim, precisando de mais cuidados antes da salvação definitiva. 

Caso contrário, serão mais clubes a se juntar aos quatro que já são afligidos pela necessidade de fazer contas e jogar o futuro a cada rodada. De fato, como preconizou o leitor da Trivela, a disputa contra o rebaixamento na Holanda promete ser uma briga de foice no escuro.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 10 de março de 2017)

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