Pieters Graafland foi o grande goleiro da Holanda entre as décadas de 1950 e 1960 (Arquivo ANP) |
Certo, quando se fala em goleiros vindos da Holanda, o nome considerado melhor deles é Edwin van der Sar - e é uma escolha justificada. O que não quer dizer que nenhum outro arqueiro dos Países Baixos tenha sido marcante antes do atual diretor geral do Ajax. Vários nomes podem ser citados. Nos anos 1990, Ed de Goey; nos anos 1980, Hans van Breukelen; nos anos 1970, Piet Schrijvers, Jan van Beveren e até mesmo o discutível Jan Jongbloed... e um dos principais guarda-metas da história holandesa pré-Van der Sar, em clubes e seleções, faleceu nesta terça-feira, aos 86 anos: Eddy Pieters Graafland, o grande arqueiro da Holanda entre os anos 1950 e 1960.
A carreira de "Eddy PG", como ficou mais conhecido ao longo dos 20 anos de carreira, tinha tudo para ser extremamente ligada ao Ajax. Afinal, ele nasceu em Amsterdã, em 5 de janeiro de 1934, e já aos 11 anos de idade era sócio do clube - a idade mínima era 12 anos, é verdade, mas o pai possibilitou a "exceção", membro da direção Ajacied que era. Bastou: lá Pieters Graafland foi jogando, nas categorias de base. E lá chegou ao time principal, em 1950, jogando - e paralelamente desenvolvendo uma carreira na área audiovisual (o futebol na Holanda era amador até 1956).
Alto, Pieters Graafland foi ganhando carisma, ganhando espaço no time do Ajax... e viveu seu primeiro auge em 1957. Não só por ser titular absoluto do primeiro título holandês do clube de Amsterdã em dez anos, mas também por ter imposto no gol sua firmeza, sua calma, sua capacidade de defender pênaltis (sempre andava com um caderninho, trazendo batedores potenciais dos adversários e o canto em que preferiam bater). A ponto de também ganhar sua primeira chance na seleção holandesa, estreando num amistoso contra a Bélgica, em 28 de abril, naquele ano.
Na Laranja, o goleiro ainda demorou um pouco para assumir a titularidade, se alternando em seus primeiros anos de seleção com o veterano Frans de Munck. Mas em clubes, Pieters Graafland já provara seu valor. Valor tão grande que proporcionou uma das transferências mais faladas da história do futebol holandês, em 1958. Afinal de contas, mudar de Ajax para Feyenoord sempre será algo polêmico, em qualquer década. Será ainda mais falado se se trata da transferência mais cara da história do país. Foi exatamente o que aconteceu com Pieters Graafland: por 134 mil florins, maior quantia já gasta até então dentro do futebol holandês, o goleiro rumou do Ajax ao arquirrival Feyenoord, sem escalas.
Nos pênaltis ou na bola alta, Pieters Graafland (pulando à esquerda) foi soberano na meta do Feyenoord e da Laranja na década de 1960 (Arquivo ANP) |
Se fracassasse, poderia ter sido o fim. Como o próprio Pieters Graafland celebrou, "foi só o começo: quando fui para lá, só tive momentos bons". Porque a virada de década - e os anos 1960 - marcaram sua melhor fase. No Feyenoord, foram quatro títulos holandeses (1960/61, 1961/62, 1964/65 e 1968/69) e duas Copas da Holanda (1964/65 e 1968/69 - configurando duas duplas coroas para o Stadionclub). Mais do que isso: sem Frans de Munck para disputar posição, "Eddy PG" assumiu de vez a titularidade do gol na seleção da Holanda. Em tempos nos quais a seleção ainda era de segundo escalão, esteve em momentos sofridos - como a queda para Luxemburgo, nas eliminatórias da Euro 1964. Ainda assim, Pieters Graafland era um dos titulares absolutos da Laranja naquela década, entre 1960 e 1966.
E mantinha boa dose de seu respeito, dentro e fora de campo. Aliás, um lado até influenciava o outro. Em 1962, o seu fã-clube oficial decidiu iniciar uma votação sobre qual havia sido o melhor jogador do Campeonato Holandês na temporada 1962/63. Outro nome foi o mais votado - o meio-campista Reinier Kreijermaat, colega de Pieters Graafland no Feyenoord -, mas a semente foi colocada ali. A partir de 1966, a emissora de tevê NOS e a revista Revu assumiram o comando da votação. E a eleição organizada pelo fã-clube do goleiro deu origem à premiação ao melhor jogador da temporada da Eredivisie. Por sinal, já aos 33 anos, em 1967, Pieters Graafland foi o primeiro goleiro a ser escolhido o melhor do Holandês - recebendo seu troféu ao lado de um novato Johan Cruyff, eleito a revelação daquela temporada, aos 20 anos.
O melhor jogador da Eredivisie em 1966/67 não foi Cruyff (à esquerda), foi Pieters Graafland (Arquivo ANP) |
O tempo passou, e naturalmente Graafland foi decaindo. Parou com a seleção em 1967, após 47 jogos, abrindo espaço para a geração de Jan van Beveren, Piet Schrijvers e "Pim" Doesburg. No Feyenoord, a partir de 1968, foi cedendo a titularidade progressivamente a outro Eddy, o Treijtel (que seria terceiro goleiro da Holanda na Copa de 1974). Ainda assim, sua experiência era inquestionável e valiosa. A tal ponto que, quando o Feyenoord chegou à final da Copa dos Campeões em 1969/70, para enfrentar o Celtic, o técnico austríaco Ernst Happel nem se importou com a titularidade habitual de Treijtel: perguntou a Pieters Graafland, 36 anos então, se ele se intimidaria ao jogar a decisão. O já veterano pediu umas semanas para pensar, e mesmo com a esposa Teddy receosa, deu a resposta positiva a Happel. Pois bem: Eddy PG entrou, jogou, e na última partida de sua carreira, ajudou o Feyenoord a ser o primeiro clube dos Países Baixos a ser campeão europeu, em 6 de maio de 1970.
Carreira encerrada nos campos, carismático que era, Pieters Graafland seguiu sua vida na área de negócios. De quebra, mostrou um tesouro que colecionara ao largo da carreira de jogador: amante da área audiovisual, com uma câmera portátil, o ex-goleiro filmara eventos esportivos importantes no país ao longo dos anos 1950 e 1960 - parte do arquivo foi doada à televisão holandesa, e exibida em 2003. Além do mais, conseguira o feito de se fazer respeitado tanto no Ajax quanto no Feyenoord. Principalmente em Roterdã, é verdade: os vários títulos lá conquistados o transformaram num ídolo do Stadionclub. E ele sabia disso, como celebrou certa vez: "Quando eu leio agora notícias da época, é que eu me dou conta: vivi tempos de auge, no Feyenoord e na seleção".
Está certo, Edwin van der Sar é quase inquestionável como maior goleiro a ter saído da Holanda. Mas outros fizeram por merecer reconhecimento no país. Eddy Pieters Graafland foi um desses "melhores" antes do melhor.
Eddy Pieters Graafland
Data de nascimento: 5 de janeiro de 1934, em Amsterdã
Morte: 28 de abril de 2020
Morte: 28 de abril de 2020
Clubes: Ajax (1950 a 1958) e Feyenoord (1958 a 1970)
Seleção: 47 jogos e 73 gols sofridos, entre 1957 e 1967
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