sábado, 2 de maio de 2020

Os dez anos do Twente campeão holandês: foi aquela vez

Há 10 anos, o Twente vivia o auge de sua reestruturação: a torcida celebrava o primeiro título holandês dos Tukkers (Koen van Weel/ANP)

"Eenmaal zullen we de kampioen zijn/FC Twente, FC Twente/Eenmaal zullen we de kampioen zijn/En dan kan niemand in de wereld iets aan doen" ("Alguma vez seremos campeões/FC Twente, FC Twente/Alguma vez seremos campeões/E ninguém poderá evitar isso"). Lançada pelo ex-jogador Eddy Achterberg em 1974 - ele mesmo, Achterberg, um símbolo do Twente vice-campeão da Copa da UEFA em 1974/75 -, essa canção virou uma das mais queridas da torcida do clube de Enschede. Até que em 2 de maio de 2010, enfim, a torcida dos Tukkers conseguiu concretizar o sonho cantado: há dez anos, o clube vermelho conquistava um título histórico na Eredivisie. Certo, o tempo revelou que aquele sonho estava sob bases muito frágeis e um tanto quanto ilusórias, e tudo foi punido com sanções financeiras - e o rebaixamento, em 2017/18. Mas, há dez anos, a alegria do Twente encantou o Campeonato Holandês.

E a alegria já andava próxima, havia pelo menos duas temporadas. Desde que assumira o comando do clube, em 2003, em meio a grave crise financeira, o empresário Joop Munsterman tentava estruturar o Twente para que o clube ostentasse certa grandeza, como fizera no meio dos anos 1970. Na temporada 2006/07, o primeiro sinal: ir à fase de grupos da Copa da UEFA. No fim da temporada 2007/08, o projeto de reestruturação deu seu primeiro grande fruto: disputando os play-offs por vaga na Liga dos Campeões, o time ganhou o lugar na terceira fase preliminar, eliminando o Ajax na decisão (2 a 1 em Enschede, 0 a 0 seguro em plena Amsterdam Arena). Caiu na Champions da temporada 2008/09, eliminado previsivelmente pelo Arsenal, mas o sinal do ressurgimento estava firmado. E ficou ainda mais forte com outro grande resultado: o vice-campeonato holandês, ao final da mesma temporada 2008/09, garantindo outra vez vaga na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões 2009/10. Tudo isso, sem contar a (re)inauguração do antigo estádio Arke, ainda em 2008, renomeado como De Grolsch Veste em razão da cervejaria que comprara os direitos do nome.

Nisso tudo, jogadores se faziam presentes temporada após temporada, configurando uma base sólida em campo. No gol, o veterano Sander Boschker já se transformara num estandarte do Twente: o arqueiro de 39 anos surgira no clube, nele jogava desde 1989 (com uma pausa na temporada 2003/04, quando foi reserva no Ajax), era o mais querido da torcida. No miolo de zaga, o brasileiro Douglas Franco - vindo do Joinville catarinense, para se acostumar na Holanda a tal ponto de se naturalizar e até ser cogitado como opção para a seleção de lá, em 2012 (nunca foi chamado) - e Peter Wisgerhof também estavam plenamente entrosados. No meio de campo, a prioridade ia para a dupla Theo Janssen-Wout Brama: aquele, um trator a carregar a bola para o ataque, enquanto Brama era outro ídolo dos adeptos, nascido e criado futebolisticamente em Enschede. Finalmente, no ataque, mais um nome caminhando para a história: o suíço Blaise Nkufo, o símbolo daquela evolução do Twente, vindo em 2003 para se tornar o maior goleador da história do clube (114 gols em 223 jogos, entre 2003 e 2010).

Nkufo teria mais nomes para dividir os gols, mas era o grande ídolo do Twente, ao lado de Boschker (ANP)

E o projeto do Twente já ganhava atenção e respaldo a ponto de merecer vindas notáveis e de atrair reforços. No primeiro quesito, estava Steve McClaren: em baixa abissal após ser o técnico da Inglaterra que ficou fora da Euro 2008, o treinador britânico precisava reabilitar seu nome, e teve em Enschede o cenário para isso, desde 2008.  No segundo, estavam nomes baratos, que chegavam para fortalecer a espinha dorsal Boschker-Douglas-Wisgerhof-Brama-Janssen-Nkufo. Nomes como um jovem atacante vindo do De Graafschap, a fazer 20 anos em 2010, chamado Luuk de Jong. Como outro jovem atacante, o eslovaco Miroslav Stoch, emprestado pelo Chelsea. Como o costarriquenho Bryan Ruiz, que já tinha bom desempenho no Gent, da Bélgica, de onde veio. Como o experiente Kenneth Perez, dispensado pelo PSV e contratado imediatamente. Como o jovem zagueiro Slobodan Rajkovic, mais um cedido pelo Chelsea. Como o lateral direito Dwight Tiendalli, que deixou a grave crise vivida pelo Feyenoord naqueles tempos para ser mais um reforço do Twente para a temporada 2009/10.  E como outros nomes periféricos, tendo como exemplo o atacante sul-africano Bernard Parker e o volante iraquiano Nashat Akram.

O Twente caiu na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões, para o Sporting-POR. Ficou na fase de grupos da Liga Europa. Mas bastou o Campeonato Holandês começar para que o Twente se mostrasse um time incrivelmente regular. Fosse uma máquina, e "azeitado" seria o melhor adjetivo a descrevê-la: a dupla Nkufo-Ruiz se entrosava às maravilhas no ataque (com o auxílio de Stoch, muito rápido), Brama e Janssen seguravam as pontas no meio, Kenneth Perez armava bem as jogadas, Douglas e Wisgerhof formavam a melhor dupla de zaga da Eredivisie... e os bons resultados se avolumavam. A tal ponto que os Tukkers passaram o primeiro turno invicto naquela temporada: 15 vitórias e dois empates, ambos contra PSV (1 a 1, na 2ª rodada) e Feyenoord (também 1 a 1, na 5ª rodada). De quebra, Nkufo se tornou o maior goleador da história do Twente na 3ª rodada, fazendo o gol da vitória sobre o ADO Den Haag, fora de casa - 1 a 0. Na 10ª rodada, o então campeão - e fragilizado - AZ foi superado: 3 a 2, com gol de Nkufo no último minuto. Na 13ª rodada, o Ajax sucumbiu em De Grolsch Veste: 1 a 0.

A rigor, o Twente só tomou o primeiro solavanco no returno. Na 18ª rodada, empatar por 0 a 0 com o Groningen deixou o PSV na liderança; na 21ª rodada, o Ajax fez 3 a 0 em Amsterdã, a primeira derrota dos Tukkers na temporada da Eredivisie. As vitórias passaram a ser mais dramáticas - em 13 de fevereiro de 2010, na 22ª rodada, o time fez 2 a 1 em cima do Vitesse com dois gols nos últimos dez minutos. A grande arrancada começou a partir da 27ª rodada: em 12 de março de 2010, o time de Enschede reassumiu a liderança ao fazer 3 a 1 no ADO Den Haag, enquanto o PSV sucumbiu ao Ajax (4 a 1 em Amsterdã) e caiu para o segundo lugar. Na rodada seguinte, o duelo direto entre líder e vice-líder, em Eindhoven. E o Twente saiu com um empate valioso: 1 a 1. Tirava um concorrente do páreo: ali o PSV perdia também a vice-liderança para o Ajax, que perseguiria o Twente até o fim, carregado pela esplendorosa temporada que Luis Suárez fazia.

Mas o clube vermelho de Enschede já atingira o sonhado "embalo". Boschker, Douglas, Wisgerhof, Theo Janssen, Brama, Nkufo, Bryan Ruiz, Stoch, os reservas Luuk de Jong e Parker... eles não fraquejariam. E o Twente seguiu vencendo. Houve um susto, é verdade: na 32ª rodada, houve a segunda derrota da temporada (1 a 0 para o AZ), o Ajax venceu (2 a 0 no Willem II), e a vantagem caiu a apenas um ponto. Qualquer tropeço nas duas rodadas finais seria o fim do sonho. Mas o Twente não deixou. Em casa, na penúltima rodada, fez 2 a 0 no Feyenoord. E finalmente, na rodada derradeira do Holandês, naquele 2 de maio de 2010, Ruiz e Stoch tiveram a rapidez premiada - no caso de Ruiz, o faro de gol: o costarriquenho marcou pela 24ª vez no campeonato, o eslovaco fez outro, e o Twente fez 2 a 0 no NAC Breda, fora de casa.

A torcida podia celebrar: daquela vez, o Twente era campeão. Mais do que isso: jogadores como Boschker, Nkufo e Parker iriam à Copa do Mundo disputada pouco depois, aumentando o orgulho. Está certo que a derrocada começou a partir dali: ambicionando manter o clube brigando na parte de cima, Joop Munsterman tomou decisões que dilapidaram os cofres e diminuíram a respeitabilidade do clube, dali a alguns anos. A queda doeu. E agora, num cenário de pandemia, o Twente volta a duvidar de seu futuro. 

Mas, para consolo dos torcedores, sempre haverá a lembrança do 2 de maio de 2010. Alguma vez, o Twente seria campeão. Foi naquela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário