segunda-feira, 8 de maio de 2023

Eredivisie feminina: troca de hegemonias

Por muito tempo no Campeonato Holandês de mulheres, o Ajax pareceu desanimado. Até que uma fagulha bastou para se acreditar no título, após cinco anos. E ele veio (Ajax.nl)

Twente e Ajax, Ajax e Twente. Estes dois times dominavam o futebol feminino na Holanda (Países Baixos) antes da temporada 2022/23, estes dois times continuam dominando no final da temporada. Na verdade, o Twente é que ensaiava um domínio maior. Afinal de contas, ganhou a Eredivisie Cup passada - espécie de "copa da liga" neerlandesa de mulheres -, vinha de um tricampeonato na liga (que só não foi tetra porque 2019/20 ficou sem encerramento), foi o líder do Campeonato Holandês feminino por 20 das 22 rodadas... mas fraquejou na hora decisiva. O Ajax aproveitou. E comemora, agora, o terceiro título da história de sua equipe de mulheres, após cinco anos sem ter a "Eredivisieschaal" - em holandês, a "salva da Eredivisie". O que demonstra o bom momento das duas equipes. Mas também demonstra como a modalidade tem muito a crescer na Holanda.

Primeiramente, porque o Ajax seguiu à espreita do Twente por todo esse tempo no futebol feminino. Nas quatro temporadas anteriores, só ficou fora da segunda posição em 2020/21, quando foi terceiro lugar. Em relação a investimentos, a diretora de futebol feminino, Daphne Koster, tinha condições de conduzir algumas contratações ambiciosas (Stefanie van der Gragt, num primeiro momento, e Sherida Spitse). Sobrava interesse Ajacied na formação de jogadoras - que o dissessem nomes mais experientes, como a goleira Lize Kop e a atacante Romée Leuchter, ou novidades como Kay-lee de Sanders e Rosa van Gool. E na participação nas fases preliminares da Liga dos Campeões feminina, o time de Amsterdã chegou perto da fase de grupos: nos play-offs por um lugar nela, segurou 0 a 0 contra o Arsenal na ida (jogando com as traves do estádio fora da medida regulamentar, verdade), e só caiu por 1 a 0, na volta.

Ainda assim, demorou para o Ajax ganhar confiança em campo. Com a técnica Suzanne Bakker em sua primeira temporada, o time tinha um jeito de jogar bem definido - força nas pontas, com Chasity Grant e Tiny Hoekstra, mais Victoria Pelova comandando a criação de jogadas no meio. Só faltava um espírito vencedor: com um domínio massivo do Twente durante a maior parte do campeonato, as Ajacieden pareciam não acreditar. Algo que Sherida Spitse, símbolo de experiência (não só no time, mas em todo o futebol feminino holandês), criticou ao festejar o título: "Vocês me conhecem, eu sou uma vencedora. O Ajax foi feito para vencer troféus". Tanto que um dos grandes destaques preferiu ir para um centro mais competitivo a ficar no clube até o fim da temporada: logo em janeiro, Pelova tomou o rumo do Arsenal - e, de fato, evolui a olhos vistos, num campeonato mais exigente como o Inglês é.

Victoria Pelova era o grande destaque do Ajax. Só que desejava um cenário mais competitivo. E se foi para o Arsenal no meio da temporada (Alex Burstow/Arsenal/Getty Images)

Segundo Spitse, só na 16ª das 22 rodadas é que o Ajax passou a acreditar. Inicialmente, desceu ao fundo: justamente no primeiro jogo oficial do time de mulheres na Johan Cruyff Arena, em 4 de março, empate em 1 a 1 no "Klassieker feminino" contra o Feyenoord. No dia seguinte, se o Twente vencesse o Fortuna Sittard, ficaria cinco pontos à frente na liderança. Para um time que tinha 15 vitórias em 15 jogos até ali, nada difícil. Só que as Tukkers... perderam (2 a 1). Foi quando Spitse descreveu sentir algo, na festa do título, à emissora NOS: "Surgiu um pouquinho de confiança. Talvez por isso venha a emoção do título. Porque é isso que se quer para um time. Entrar em campo como vencedor, e sair de campo também como vencedor".

O que era do Ajax estava guardado. E o time sabia bem qual seria a hora de buscar: 29 de abril, 21ª e penúltima rodada, o jogo direto contra o líder Twente, dois pontos à frente na tabela. Pois já no começo, Tiny Hoekstra fez 1 a 0. Lize Kop (de volta à plena forma, após uma séria concussão cerebral na temporada passada) fez defesas fundamentais. A vitória desejada viera - e a comemoração após ela pareceu de título. O título que as jogadoras sabiam estar próximo - afinal, o Ajax passara à liderança, um ponto à frente. O título confirmado com goleada, neste domingo, 7 de maio: 6 a 1 no Zwolle, sob os olhos do diretor geral Edwin van der Sar, da supracitada Daphne Koster, de Victoria Pelova (que entregou o troféu). Era a sensação resumida, novamente, por Sherida Spitse: "Foi para isso que voltei [à Holanda]".

O fim foi doloroso para o Twente: mais vitórias na temporada, mais gols marcados, menos gols sofridos... e mesmo assim, o vice-campeonato (Bas Everhard/Twente)

Ao Twente, restou a decepção absoluta. Tratou-se de um time absolutamente regular durante a maior parte do campeonato. O time que mais gols marcou (81, em 22 rodadas!). Que menos gols sofreu (6!). Que sonhou ganhar o título com 100% de aproveitamento. Que teve entrosamento tão grande quanto o do Ajax. Que acumula estrelas nascentes no futebol feminino do país: a goleira Daphne van Domselaar, as laterais Caitlin Dijkstra e Marisa Olislagers, as atacantes Fenna Kalma (artilheira da Vrouwen Eredivisie pelo segundo ano seguido, com 30 gols) e Renate Jansen... Só que o Twente perdeu dois jogos contra os times que mais lhe ameaçaram. Na 16ª rodada, fora de casa, tomou a virada do Fortuna Sittard (2 a 1). Na supracitada penúltima rodada, o 1 a 0 doloroso do Ajax. E mesmo com o retrospecto incrível, veio o vice-campeonato.

Ainda assim, mesmo com os bons papéis de Ajax e Twente, a Eredivisie das mulheres continuou com a impressão incômoda de se tratar de um campeonato para dois, ainda. Certo, houve uma grande e positiva surpresa, com o Fortuna Sittard: na primeira temporada de sua equipe feminina, o time auriverde achou um técnico experiente em futebol feminino (Roger Reijners, que comandou a Holanda na Copa de 2015), teve boas contratações (Samantha van Duinen, a islandesa Maria Catharina Olafsdóttir Gros e, principalmente, a atacante belga Tessa Wullaert), e terminou num terceiro lugar de se aplaudir. 

A belga Tessa Wullaert foi uma das boas atacantes do campeonato - e simbolizou a boa surpresa do Fortuna Sittard (Joris Verwijst/BSR Agency/Getty Images)

Porém, foi só. O PSV ainda não fez jus à sua grandeza e capacidade de investimento; o ADO Den Haag tem boas jogadoras, mas pena com os problemas financeiros do clube (e ainda teve duas atacantes lesionadas gravemente, Jaimy Ravensbergen e Kirsten van de Westeringh); o Feyenoord ainda começa sua trajetória no futebol feminino; e o resto dos times sequer pode ser profissional. Que o diga o VV Alkmaar, que encerrou sua passagem nesta temporada, e dará lugar ao conterrâneo famoso AZ a partir de 2023/24. Cenário que causa desconfiança de nomes como Vivianne Miedema, que ecoa a ideia comum: não é por ter mais times - além do AZ, o Utrecht virá à tona - que a Eredivisie necessariamente melhorará de nível técnico. A jogadora holandesa que quiser melhorar de nível, invariavelmente acaba saindo, tal a falta de competitividade. Aconteceu com Victoria Pelova. Acontecerá com Fenna Kalma e Daphne van Domselaar, provavelmente.

Só que... além das experientes, o talento surge. Surge em Wieke Kaptein (meio-campo do Twente), em Liz Rijsbergen (atacante do ADO Den Haag), em Rosa van Gool (meio-campo do Ajax), em Alieke Tuin (ala esquerda do Fortuna Sittard), em Danielle de Jong (goleira do PSV, já acertada com o Twente para a próxima temporada), em Senna Koeleman (zagueira do PSV), em Esmee Brugts (titular absoluta do PSV, titular da seleção, provável convocada para a Copa do Mundo feminina). Esse talento, a evolução contínua da Holanda - quarta colocada no Mundial sub-20 -, tudo isso indica: dias melhores e mais competitivos virão.

Por enquanto, a festa é de Ajax e Twente. Agora, mais do Ajax.

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