Assim como o dia 1º de julho de 1976 teve o nascimento de dois craques da Holanda (Países Baixos) - dois atacantes, Patrick Kluivert e Ruud van Nistelrooy -, o dia 29 de outubro de 1970 também tem a incrível coincidência de ser a data exata em que dois nomes marcantes na história da Laranja vieram ao mundo. Um deles, Edwin van der Sar, já teve texto em sua homenagem por aqui. Faltava a homenagem à carreira de seu contemporâneo e companheiro de aniversário.
Um nome que não brilhava tanto em sua geração quanto Dennis Bergkamp ou mesmo o supracitado Kluivert. Não tinha a personalidade forte de Clarence Seedorf e de Edgar Davids. Não tinha nem o aspecto marcante dos gêmeos Frank e Ronald de Boer. Mas era um meio-campo - às vezes, não somente - muito confiável. Por isso, Phillip Cocu teve tanto tempo de seleção holandesa. Por isso, também, pode-se dizer até mesmo um ídolo eterno de um clube: o PSV. Por isso, finalmente, teve uma carreira de sucesso.
O encontro marcado demorou
Nascido em Eindhoven, seria até previsível que Cocu fosse um jogador com toda a carreira vinculada ao PSV. Esse momento até chegaria, mas só depois. Até porque ele e os pais, Peter e Rina, logo deixaram a cidade quando o pequeno Phillip tinha três anos de idade, rumo ao município de Zevenaar. E só lá, quando criança, ele começou a jogar, no amador DFC - ainda passaria pelo De Graafschap. Mas ser jogador só se tornou uma possibilidade real quando a família Cocu se mudou para outra cidade dos Países Baixos com tradição no futebol: Alkmaar. Lá, Phillip seguiu nos campos. Primeiro, no amador AFC '34; depois, já com o profissionalismo encaminhado, no AZ, que o localizou no clube amador e o levou para o time juvenil. Dali Cocu seguiu. E foi no AZ, à época na segunda divisão holandesa, que Cocu estreou no futebol, em 22 de janeiro de 1989, numa derrota para o NEC (3 a 1).
Cocu ficaria pouco no AZ, até: com o clube tendo azar na Eerste Divisie - em 1988/89, ficou fora da repescagem de acesso por pouco; em 1989/90, até entrou na repescagem, mas logo foi eliminado -, ele aproveitou a chance surgida com o interesse do Vitesse, migrando para o clube de Arnhem no meio de 1990, pouco antes da temporada 1990/91 começar. Com o Vites vivendo um primeiro período de sonhar desafiar os grandes - terminara 1989/90 com um surpreendente quarto lugar na Eredivisie, logo na volta à primeira divisão -, Cocu era visto como nome promissor quando chegou ao clube aurinegro. Só teria uma grande dificuldade: logo na partida de estreia (1 a 1 entre Vitesse e Sparta Rotterdam, em 26 de agosto de 1990), ele sofreu grave fratura na fíbula. Por ela, e por intercorrências inesperadas, Cocu só voltou aos campos em abril de 1991. Seu salto de desempenho esperaria mais um pouco.
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| Cocu poderia ter começado no PSV da cidade natal. Mas começou no AZ. E no Vitesse despontou na carreira. Só depois veio o encontro marcado (Divulgação) |
Mas afinal aconteceu. Já na temporada 1991/92, em plena forma, Cocu já era titular num Vitesse que seguia surpreendendo. Não só por se manter perto do topo na liga holandesa - de novo, quarto colocado -, como por chegar até a terceira fase da Copa da UEFA (antecessora da Liga Europa), na qual foi eliminado pelo Real Madrid. Bastou para Cocu começar a atrair interesses de clubes maiores. De fora dos Países Baixos, sondagens do Arsenal. De dentro da terra natal, coisas mais concretas. Tão concretas que se cogitou até a convocação de Cocu para a Holanda que disputaria a Copa de 1994, mesmo sem partidas disputadas pela Laranja àquela altura (o que até aconteceu, coincidentemente, com Edwin van der Sar, seu "xará" de aniversário). A ascensão do meio-campista já era questão de tempo. E na metade de 1995, enfim se consumou o encontro esperado desde a maternidade: Phillip Cocu, que saíra de Eindhoven ainda no início da infância, foi contratado pelo PSV. Para, aí sim, confirmar a forte identificação com o clube.
Homem de confiança
Ao longo das três temporadas que durou sua primeira passagem pelo clube de Eindhoven, Cocu fortaleceu sua grande qualidade como jogador: a versatilidade. Tinha a posição original bem definida: o meio-campo, de preferência como homem central. Mas já no Vitesse, tivera suas experiências como ponta-esquerda. E em Eindhoven, quando necessário, jogou como meia-esquerda, ou até (muito de vez em quando) como lateral esquerdo. Se nomes como Luc Nilis ou Ronaldo - nos dois anos passados nos Boeren - chamavam mais a atenção, Cocu começou a ser visto como "homem de confiança" no time, um jogador taticamente importante, de atuações regulares, sem cair muito de produção.
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| Enfim no PSV, bastou a primeira passagem para Cocu já se fazer como um nome querido da torcida. Mas haveria a segunda, melhor ainda (Divulgação) |
Isso foi importante para que Cocu alcançasse outro ponto alto, enfim: a seleção holandesa. Nela, foi convocado pela primeira vez em 1996, estreando ao entrar no lugar de Richard Witschge, em 24 de abril daquele ano, num amistoso contra a Alemanha. E a constância de suas atuações o fizeram merecedor de lugar na convocação de Guus Hiddink, técnico da Laranja então, para a Eurocopa daquele ano. Mesmo num torneio cheio de turbulências internas entre os neerlandeses, Cocu já teve algum espaço: jogou as partidas contra Escócia e Inglaterra (fase de grupos), saindo do banco em ambas, e foi o titular nas quartas de final, contra a França, quando a Oranje foi eliminada nos pênaltis, preenchendo a lacuna aberta pelo corte de Edgar Davids.
E os anos seguintes foram de plena afirmação para Cocu. No final de 1996, com Davids ainda fora da seleção devido à briga com Guus Hiddink durante a Euro, o meio-campo já era titular absoluto da Laranja, e assim seguiria por 1997, nas eliminatórias para a Copa de 1998. Em clubes, então, não poderia ser melhor: o PSV voltou a ser campeão holandês na temporada 1996/97, após domínio do Ajax nos anos anteriores, e Cocu esteve em todas as 34 partidas da campanha.
Tudo isso culminou na ocasião de sua aparição no cenário mundial: a Copa de 1998. Nela, Cocu só não jogou todos os minutos da campanha da Laranja porque foi substituído no intervalo da decisão do terceiro lugar, contra a Croácia. De resto, mesmo sendo meio-campista e seguindo preferencialmente assim, foi importante como opção do técnico Guus Hiddink para alterações táticas: jogou como meia central, meia-esquerda e até mesmo como atacante, na goleada por 5 a 0 contra a Coreia do Sul, na fase de grupos (assim, aliás, fez um de seus gols naquela Copa - o outro foi no empate em 2 a 2 contra o México, último da Laranja naquela fase). Nem mesmo a cobrança perdida na eliminação contra o Brasil, nas semifinais, abalou o respeito por suas atuações.
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| Pela versatilidade tática, Cocu foi nome importante - embora menos falado - da Holanda na Copa de 1998 (Richard Sellers/Sportsphoto/Allstar via Getty Images) |
Cocu já tinha chegado à fase em que estava grande demais para o futebol holandês. E comunicou ao PSV: não renovaria o contrato após a Copa, esperando chance num centro mais visto do futebol europeu. Depois das atuações confiáveis vistas no torneio, era esperar pelas propostas, que viriam. Atlético de Madrid, Real Madrid, Juventus, Internazionale, Milan... todos sondaram. Mas o Barcelona - justamente no auge da fase "BarçAjax", quando o técnico Louis van Gaal trouxera vários holandeses para o clube catalão - foi quem levou Cocu, em agosto de 1998.
Referência na turbulência
No Barça, Cocu logo se firmou entre os holandeses que "deram certo" no clube e ficaram muito tempo nele, ao lado de Frank de Boer e Patrick Kluivert. Já na temporada 1998/99, que terminou com título espanhol barcelonista, ele se entrosou no meio-campo com Pep Guardiola e Luis Figo, mostrando até um lado "goleador" pouco visto em sua carreira (fez 12 gols, sua melhor marca numa só temporada, assim como no PSV, em 1995/96). Em 1999/2000, mesmo com o Barcelona caindo um pouco de produção - vice-campeão espanhol e semifinalista da Liga dos Campeões -, o holandês seguiu titular absoluto no meio. Como seria titular absoluto da Holanda na Euro 2000, a segunda de sua carreira: novamente, só não jogou todos os minutos da campanha laranja por ter sido substituído numa partida (saiu aos cinco minutos do primeiro tempo da prorrogação da semifinal, contra a Itália).
Mas seria dali por diante que, mais do que jogador importante, Cocu viraria referência. No Barcelona, entrando numa fase altamente turbulenta naquele período, as saídas de Figo (2000) e Guardiola (2001) o transformaram no único jogador experiente que o meio-campo titular tinha. E Cocu seria o homem a ajudar dois novatos que virariam titulares a partir de então, vindos da base do Barça: Xavi Hernández e Gabri.
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| Cocu ficou do lado dos holandeses que deram certo no Barcelona. E como: por seis anos, foi nome certo no meio-campo da equipe catalã (Shaun Botterill/Allsport) |
Na seleção holandesa, os tempos não seriam menos difíceis: ao longo da fracassada campanha nas eliminatórias da Copa de 2002, Cocu teve suas primeiras experiências como capitão da Laranja, com Frank de Boer suspenso por doping. Na entressafra vivida entre o trauma da ausência no Mundial e estar na Eurocopa, em 2004, o meio-campo já era visto como um dos experientes mais confiáveis, seguindo com atuações constantes.
Até por isso, mesmo quando seu ciclo no Barcelona dava mostras de chegar ao fim, Cocu foi tratado com respeito. Em 2003, no final de seu contrato, chegou a pensar em antecipar a saída (até porque o PSV já o sondava para um retorno), mas a condicionou aos resultados das eleições para a presidência do clube espanhol. Joan Laporta eleito, ainda renovou por mais um ano. Numa temporada em que a reconstrução do Barcelona se iniciou, com o vice-campeonato espanhol e o início da "era Ronaldinho" no clube, Cocu teve lá sua importância na temporada 2003/04: 36 jogos em La Liga. Contudo, ao final da temporada, o Barça ofereceu novo contrato com salário menor. Cocu, por sua vez, dizia sentir falta de estar perto da família. E enfim, saiu do Barcelona para retornar ao PSV que manteve a oferta de volta - não sem antes ser condecorado por Joan Laporta, com uma placa agradecendo pelos seis anos de passagem por Camp Nou.
Fins honrosos
Após jogar a terceira Eurocopa de sua carreira (nela, enfim, Cocu esteve em todos os minutos de todos os jogos da campanha semifinalista holandesa, mesmo perdendo sua cobrança nos pênaltis contra a Suécia, nas quartas de final), o meio-campo chegou de volta ao PSV. Se saíra ainda precisando se provar fora dos Países Baixos, Cocu já voltava como ídolo, só pelo fato de ter voltado a vestir a camisa listrada alvirrubra. Melhor ainda: voltava numa grande fase do PSV, que começaria ali a viver a jornada do segundo tetracampeonato holandês de sua história, começando com os títulos da Eredivisie em 2004/05 e 2005/06. Capitão em campo, liderando um time que contava com Gomes e Alex na defesa, o conhecimento tático fazia de Cocu capacitado a jogar mais recuado, até como um líbero. Ou mesmo como atacante - num período de ausência do marfinense Arouna Koné, atacante titular, Cocu foi até mesmo homem de área (e faria 10 gols na Eredivisie 2005/06). Coroando tudo isso, na campanha marcante do PSV na Champions 2004/05, indo às semifinais, Cocu foi o líder indubitável da equipe em campo.
As atuações no PSV serviram para que Cocu escapasse da "reformulação" por que a seleção da Holanda passara após a Euro 2004. Se o técnico Marco van Basten descartou vários veteranos, o meio-campo não foi um deles: só ficou fora de dois dos dez jogos da campanha nas eliminatórias para a Copa de 2006 (nas quais, inclusive, marcaria três gols). Presença certa na Copa, aos 35-para-36 anos, nela Cocu ainda começou todos os jogos como titular, sendo o responsável por variar posições: podia ajudar Mark van Bommel na marcação, ou até auxiliar Rafael van der Vaart (ou Wesley Sneijder) na criação de jogadas. Às vezes, até, tentava finalizar - chegou a acertar o travessão, no jogo das oitavas de final, contra Portugal. Entretanto, depois daquela eliminação, decidiu encerrar sua passagem pela Laranja em campo. Ainda atualmente, com 101 partidas vestindo laranja, é o 10º jogador com mais participações pela seleção masculina.
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| Cocu voltou ao PSV para ser referência em tempos gloriosos do clube: terminou sua passagem erguendo a salva de prata do tricampeonato (Divulgação) |
No PSV, Cocu ainda esteve em campo na temporada 2006/07 do Campeonato Holandês. Esteve bastante, até: dos 34 jogos da campanha do tricampeonato do clube, só esteve fora de um. E terminou do melhor jeito possível a segunda passagem que o confirmou como ídolo em Eindhoven: na última rodada, coube a ele fazer o quinto gol na goleada por 5 a 1 sobre o Vitesse, possibilitando ao PSV passar o Ajax no saldo de gols (a última rodada começara com PSV, Ajax e AZ empatados em pontos) e garantir o tricampeonato.
Como capitão, ele ergueu a salva de prata da Eredivisie. Mesmo já tendo uma proposta para ser auxiliar técnico do PSV, preferiu ainda uma temporada jogando sem pressões, entre 2007 e 2008, no Al-Jazira catarense, para, aí sim, encerrar a carreira nos campos. De modo honroso.
Como técnico: sempre próximo a Eindhoven
Bastou voltar à Holanda (Países Baixos), em 2008, após o fim da passagem pelo Catar, para Cocu começar o curso da federação holandesa para se tornar treinador. O convite do PSV continuou de pé, e agora Cocu aceitou, começando a treinar times de base. Foi até além: ainda em 2008, meses após iniciar sua passagem pela seleção holandesa, Bert van Marwijk convidou Cocu para ser um de seus auxiliares.
Deu tão certo que Cocu só aceitou ser auxiliar do time principal do PSV no primeiro semestre de 2009. Mais do que isso: recusou convite do VVV-Venlo, já em 2010, para começar ali sua carreira de técnico principal. Afinal de contas, o trabalho com Bert van Marwijk evoluía, a seleção da Holanda vivia uma ótima fase... e forneceu experiências valiosas a Cocu. Pelo lado bom, com o vice-campeonato na Copa de 2010. Pelo lado ruim, com a decepção da eliminação na fase de grupos da Euro 2012.
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| Cocu primeiro quis ser auxiliar técnico, para depois ser treinador. Teve experiência adequada, nos quatro anos ajudando Bert van Marwijk na seleção da Holanda (Phil Cole/Getty Images) |
Àquela altura, de modo um pouco acidentado, Cocu já se iniciara como treinador. No próprio PSV, por sinal: em crise após a demissão de Fred Rutten, na temporada 2011/12, a diretoria pediu ao ex-jogador que conduzisse o time no fim da temporada. Até conduziu (e até ganhou um título, a Copa da Holanda, para cuja final o PSV já estava classificado quando Rutten foi demitido), mas deixou claro: queria mais tempo como auxiliar. O tempo foi dado: na temporada 2012/13, Cocu ainda foi auxiliar técnico de Dick Advocaat.
Em 2013/14, a carreira começou para valer. Contrato assinado como treinador principal do PSV, Cocu ainda teve alguns percalços na primeira temporada, dentro de campo (o clube terminou o Campeonato Holandês em quarto lugar) e fora também (um tumor nas costas, em estágio inicial, forçou Cocu a ceder o cargo a seu auxiliar, Ernest Faber, nas últimas rodadas da Eredivisie). Mas nas temporadas seguintes, o agora técnico acrescentou mais capítulos vitoriosos à sua idolatria em Eindhoven: foram três títulos holandeses (bicampeonato em 2014/15 e 2015/16, este ganho na última rodada, mais 2017/18), uma campanha elogiável na Liga dos Campeões em 2015/16 (caiu nos pênaltis para o Atlético de Madrid, que seria vice-campeão da Champions), um time considerado muito sólido em campo. Foi com a apoteose vivida em 2017/18 - um título confirmado com três rodadas de antecipação, numa vitória em clássico, 3 a 0 contra o Ajax, no Philips Stadion -, que Cocu encerrou seu ciclo treinando o PSV. Queria novas experiências.
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| Cocu nem precisava de mais nada para ser ídolo no PSV, com o que fizera como jogador. Mas fez também como técnico (Edwin van Zandvoort/Soccrates/Getty Images) |
Elas não deram muito certo, é verdade. Cocu começou a temporada 2018/19 treinando o Fenerbahçe: foi demitido após quatro meses e 15 jogos. A tentativa seguinte foi no Derby County, então disputando a segunda divisão inglesa: só um ano e três meses, saindo em outubro de 2020. E na temporada 2022/23, o retorno a outro clube em que é ídolo: o Vitesse. Com o clube de Arnhem já vislumbrando a crise interna em que mergulharia, Cocu teria de manter os bons resultados vividos em tempos anteriores. Até conseguiu no começo, emplacou uma segunda temporada em Arnhem, mas com as dívidas já perturbando o Vites e fazendo a federação holandesa puni-lo com retiradas de pontos na tabela do Campeonato Holandês, Cocu se demitiu em novembro de 2023.
Para, desde então, aproveitar um pouco sua idolatria. No Barcelona, é comumente chamado para os jogos de veteranos do clube; no PSV, é nome respeitado a ponto de ter entregue a Luuk de Jong a salva de prata, pelo bicampeonato holandês ganho em 2024/25. Tudo isso, garantido pela confiabilidade que Phillip Cocu sempre mostrou ter em sua carreira.
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| (ProShots) |
Phillip John William Cocu
Data de nascimento: 29 de outubro de 1970, em Eindhoven
Clubes: AZ (1989 e 1990), Vitesse (1990 a 1995), PSV (1995 a 1998 e 2004 a 2007), Barcelona-ESP (1998 a 2004) e Al Jazira-CAT (2007 a 2008)
Seleção: 101 jogos e 10 gols, entre 1996 e 2006









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