sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O lado bom da vida

Janssen (à esquerda) e Vlaar: cada um no seu setor, mas ajudando no crescimento do AZ (Jeroen Putmans/VI Images)
Quando começou o Campeonato Holandês da atual temporada, era justo supor que o AZ estava talhado para fazer uma campanha muito elogiável. Estar na zona dos play-offs por vaga na Liga Europa era o mais razoável, mas dava para pensar alto. Pensar em vaga na fase preliminar da Liga dos Campeões, como vice-campeão. Ou até em título. Por isso, a decepção ao final do primeiro turno era tão grande quanto as expectativas no início da Eredivisie: em 12º lugar, o time de Alkmaar perdera-se após as saídas de gente importante (Simon Poulsen, Nemanja Gudelj, Áron Jóhannsson), patinando na irregularidade.

De fato, tinham capacidade de fazer mais do que estavam fazendo. Pois bem: agora o AZ está fazendo esse “mais”. Se a sequência péssima do returno dizimou as esperanças de título para o Feyenoord, fazendo-o perder até a terceira posição, o alvirrubro de Alkmaar vive exatamente a sensação contrária: aquela gostosa impressão de que “está tudo dando certo”, de que a fase é boa. O time encaixou no returno, alguns jogadores cresceram de produção (até surpreendentemente, aliás), e o que se vê é uma equipe que terminara o turno em 12º lugar e... já está em 6º, tendo vencido todas as últimas cinco partidas, chegando aos 34 pontos. São quatro abaixo do Heracles Almelo, novo ocupante da terceira posição – justamente o adversário da 23ª rodada, neste sábado. Ou seja, o AZ chegou firme à disputa em que era cotado para estar no início da temporada: na zona para os play-offs de vaga à Liga Europa. Enfim, na parte superior da tabela. E disputando firme o posto de “melhor do resto”, já que PSV e Ajax ficaram com a disputa do título só para eles.

Mas, afinal, há razões para essa melhora vertiginosa do AZ? Fora de campo, só se pode elucubrar: afinal de contas, ninguém faz a menor ideia do que o técnico John van den Brom conversou com o elenco durante a intertemporada na cidade espanhola de Estepona. Mas dentro de campo, as razões são claras. Primeiro, os Alkmaarders se fixaram taticamente. Se as atuações do turno mostravam sérias incertezas (o time jogava no 3-5-2, no 4-3-3, no 4-4-2... e não se decidia por nenhum esquema básico), agora Van den Brom escala o time num 4-3-3. Claro, há as devidas alterações de acordo com as necessidades que cada partida traz, mas os jogadores já sabem como iniciar.

E alguns jogadores simbolizam claramente a ascensão irresistível que a torcida vê. O principal deles, a bem da verdade, já era até o destaque durante a primeira metade da temporada: Vincent Janssen. O atacante de 21 anos decolou de vez em 2016: em cinco partidas - quatro pela Eredivisie, uma pela Copa da Holanda -, sete gols, só tendo passado em branco nos 3 a 0 contra o NEC, há duas rodadas. Exemplo da boa fase foi o bonito gol que definiu o 1 a 0 sobre o Vitesse, na rodada passada: Janssen pegou a bola nas proximidades da área, driblou dois e encobriu o goleiro Eloy Room. Na lista de goleadores da liga holandesa, o camisa 18 do AZ já chegou a 13 gols – mesma quantidade de Christian Santos (NEC) e Dirk Kuyt (Feyenoord), só atrás de Luuk de Jong.

Em termos de seleção, Janssen já é titular da Jong Oranje, a seleção sub-21, que k. Continuando assim, pode muito bem entrar na relação que Danny Blind fará para os amistosos contra França e Inglaterra, mês que vem. Acertadamente, Janssen comporta-se com serenidade em relação à boa fase: “Eu queria fazer dez gols nesta temporada. Já cheguei a essa marca. Que continue tudo bem assim”. Aliás, cabe um parêntese: some-se Janssen com a boa fase de Luuk de Jong (sem desconsiderar Bas Dost), e dá para pensar se alguns atacantes holandeses de área não estão, enfim, convertendo-se em alternativas a Klaas-Jan Huntelaar e Robin van Persie. Mas esse assunto já é outra história.

Voltemos ao AZ, que não vive só de Janssen, claro. De nada adianta ter um finalizador que anda em estado de graça se outro atacante não lhe ajudasse, com movimentação veloz. E Janssen tem isso em um colega de time que já era cotado como revelação: Dabney dos Santos, que acelera as jogadas pelas pontas e quase sempre serve os passes ao destaque. Assim, a dupla Dabney-Janssen superou facilmente a defesa do Feyenoord, nos 4 a 2 impostos ao time de Roterdã. De quebra, nos últimos jogos, o iraniano Alireza Jahanbakhsh também subiu de produção, só aumentando a efetividade dos Alkmaarders.

O meio-campo talvez tenha sido o maior beneficiado pela permanência habitual do 4-3-3. Agora, os jogadores do setor sabem melhor o papel e o modo de jogar, sendo mais ofensivos ou defensivos. Assim, potencializou o crescimento de outra revelação, Joris van Overeem, que melhorou na criação. O que, por sua vez, só ajudou o crescimento de um jogador que já costuma se destacar, não só armando, mas até chegando à frente para finalizar: Markus Henriksen (não à toa, vice-goleador do AZ na temporada, com 9 gols). E enfim, Ben Rienstra repete o que fazia no Zwolle: protege a zaga com segurança. Sem contar que lhe ajuda a chegada de Stijn Wuytens, vindo do Willem II.

Falando na zaga, talvez esteja nela o outro grande destaque da reação do AZ. Ron Vlaar viveu dias de Cinderela na Copa de 2014: protegido pelo esquema com três zagueiros na seleção da Holanda, ele mostrou bom tempo de bola como líbero, sendo quase unanimemente apontado como um dos melhores defensores da competição. Mas Vlaar voltou a ser “gato borralheiro” no Aston Villa após o torneio: teve problemas na panturrilha e no joelho, durante a temporada 2014/15. Operado no menisco de um dos joelhos, decidiu recusar a renovação de contrato que os Villans lhe ofereceram. E passou metade desta temporada sem clube. 

Aí, no final de 2015, Vlaar foi convidado para recuperar a forma no AZ. Exercícios físicos ali, um treino sem bola com o elenco ali, e ocorreu o inevitável: uma oferta de contrato com o clube onde iniciou a carreira profissional, há 12 anos. O zagueiro assinou até o fim da temporada, estreou no fim do primeiro turno... e o time não perdeu ainda com seu novo contratado. Já está claro: não só Vlaar anulou qualquer problema eventual com a saída de Jeffrey Gouweleeuw, titular na quarta-zaga (recém-chegado ao Augsburg-ALE), mas também deu mais calma aos novatos, como o lateral esquerdo Ridgeciano Haps. E a evolução do jogador já até provocou o seguinte comentário de John van den Brom: “Ele pode voltar rápido à seleção, está em boa forma”. Com Jaïro Riedewald fora da temporada e Stefan de Vrij ainda em recuperação de lesão, Vlaar vê reaberto o caminho para um eventual retorno à Oranje.

Obviamente, o AZ tem coisas a consertar. Por exemplo, a irregularidade de seus goleiros: o uruguaio Sergio Rochet começou a temporada, mas falhou seguidas vezes. Vindo do Excelsior, Gino Coutinho tornou-se titular no resto do turno, mas também não saiu a contento. Rochet está de volta ao gol, atualmente, mas não se sabe até quando. Tanto que já se planeja a contratação de Robbin Ruiter, arqueiro do Utrecht (até tentada já nesta janela de transferências). Além do mais, é óbvio que a sequência invicta não durará para sempre. Vincent Janssen reconheceu: “Vamos perder um jogo novamente".

No entanto, é evidentemente reconfortante para os Alkmaarders saber que a situação já é cômoda a ponto de Van den Brom poder dar chance a novatos, como o lateral direito Levi Opdam (19 anos), o volante Thomas Ouwejan (19 anos) e o atacante Levi Garcia (trinitário de 18 anos - o mais jovem nativo de Trinidad & Tobago a estrear numa liga europeia, mais jovem até do que gente como Dwight Yorke ou Russell Latapy). Além do mais, Janssen também preconizou: "Devemos alcançar [a zona dos] play-offs, e jogar competições europeias é nossa meta final”. O AZ parece muito mais próximo dessa meta do que no primeiro turno. Já não era sem tempo.

(Coluna originalmente publicada na Trivela.com, em 12 de fevereiro de 2016)

Um comentário: