sexta-feira, 5 de maio de 2017

18 anos em duas semanas

Feyenoord sorri nos treinos, com a segurança de quem tem tudo para fazer história (Marco de Swart/AD Sportwereld)

Quanto tempo demoram duas semanas? 14 dias, ora bolas. De fato, é a resposta mais clássica. Porém, segundo várias teorias, essa demora pode variar. Há o tempo lógico de Jacques Lacan, o tempo relativo de Albert Einstein... e o tempo dos torcedores do Feyenoord. Nessas duas semanas que se passaram entre a vitória por 2 a 0 sobre o Vitesse (agora campeão da Copa da Holanda) e o jogo contra o Excelsior, neste domingo, pela 33ª e penúltima rodada do Campeonato Holandês, que pode acabar com o jejum de títulos na Eredivisie, a demora foi exatamente o tempo do jejum: 18 anos.

Duas semanas de “18 anos” em que muito se lembrou dos destaques daquele Feyenoord da temporada 1998/99, campeão com 15 pontos à frente do Willem II, segundo colocado: Jerzy Dudek, Ulrich van Gobbel, Kees van Wonderen, Patrick Paauwe, Paul Bosvelt, Bonaventure Kalou, o volante brasileiro Tininho, Jean-Paul van Gastel (hoje, auxiliar de Giovanni van Bronckhorst na comissão técnica), Jon Dahl Tomasson, Peter van Vossen... e, claro, as lembranças eram salpicadas de declarações destes protagonistas. Ao diário Algemeen Dagblad, um dos maiores da Holanda (e baseado em Roterdã), Van Vossen reconheceu: “Como sempre acompanho o Feyenoord, também estou começando a sentir o frio na barriga. Ver um título tão perto, após tanto tempo, é sensacional”.

Duas semanas em que também se falou muito sobre os tempos bicudos e difíceis que o Feyenoord viveu – principalmente após o caótico fim de administração do presidente Jorien van den Herik, em 2006. As turbulentas passagens de alguns técnicos por De Kuip – como Gertjan Verbeek, demitido na metade da temporada 2008/09, após incompatibilidade com vários veteranos que viviam a fase final de suas carreiras, como Roy Makaay, Tim de Cler e o próprio Van Bronckhorst. Acima de tudo, aquele que talvez tenha sido o ponto mais baixo da história de quase 109 anos do Stadionclub: os 10 a 0 sofridos para o PSV, em 24 de outubro de 2010, maior derrota que o clube sofreu em sua história no Campeonato Holandês.

Duas semanas em que se lembrou também da reação. Cujo ponto inicial, segundo a maioria da imprensa e da torcida, veio com a contratação de Ronald Koeman, em julho de 2011. Foi o casamento perfeito: se o Feyenoord precisava se recompor, Koeman também, após passagens malogradas por Valencia e AZ. E mostrando a garra tão valorizada por Het Legioen – nome dado à torcida do clube -, veio o vice-campeonato na temporada 2011/12, que já massageou o ego da torcida, dando a esperança de que dias melhores viriam. E que rendeu um novo ídolo, o símbolo daquela reação nascente: John Guidetti. Pois o atacante do Celta de Vigo (que chegou a provocar o Ajax ao marcar dois gols no jogo entre ambos, na fase de grupos da Liga Europa) também demonstrou ter o Feyenoord no coração, falando à FOX Sports holandesa: “Eu vejo tudo. Rezo todas as noites para o Feyenoord ser campeão. Eles merecem”.

Com os gols de Guidetti, a boa geração que surgia na defesa (Bruno Martins Indi e Stefan de Vrij como símbolos) e Koeman comandando tudo, o Feyenoord foi subindo. Guidetti voltou ao Manchester City que o emprestara, mas chegou Graziano Pellè, destaque em outro vice-campeonato, na temporada 2013/14. Enfim, Ronald Koeman deixou o Feyenoord, com a carreira refeita. E deixando uma marca, como reconheceu Martijn Krabbendam, setorista do Feyenoord, para a Voetbal International, revista em que trabalha: “Koeman trouxe uma mentalidade vencedora para o Feyenoord”.

Mas nestas duas semanas, também se debateram assuntos da atualidade. Hoje reserva, Dirk Kuyt desconversou sobre a possibilidade de encerrar a carreira com o título. Tonny Vilhena, por sua vez, se antecipou aos previsíveis boatos de saída: renovou com o Feyenoord até 2020. Até Jens Toornstra, outro possível alvo para negociações, parece mais próximo de prolongar seu compromisso com o Stadionclub.

Se a torcida lotou os jogos do Feyenoord em casa, é de se pensar o que fará na festa do título (Pro Shots)

Obviamente, também se combinou sobre a festa. Já no dia seguinte à vitória sobre o Vitesse, a prefeitura de Roterdã anunciou o planejamento para a aguardada recepção na avenida Coolsingel: em caso de confirmação do título, será realizada na próxima segunda. E no domingo, vindo a vitória “fora de casa” sobre o Excelsior (as aspas devem-se ao fato de também ser um clube de Roterdã – logo, não é tão fora de casa), a Eredivisieschaal não será erguida no estádio: os jogadores andarão alguns quilômetros de ônibus, rumo a De Kuip, para receberem a taça na casa do Feyenoord, onde 34 mil torcedores estarão, após comprarem ingressos para acompanhar o jogo em quatro telões. Mas o prefeito Ahmed Aboutaleb já anunciou: caso haja turbulência de torcedores no caminho até De Kuip, nada de recepção na Coolsingel, como “castigo”.

Claro, pode dar tudo errado. Até porque o Excelsior tem alguns bons atacantes, como Stanley Elbers e Nigel Hasselbaink. Um time rápido, que garantiu sua permanência na primeira divisão graças a uma sequência de três vitórias - com uma facilidade até inesperada, diante do sofrimento das últimas temporadas. E causou certos problemas aos grandes na temporada – até “ajudou” o Feyenoord indiretamente, empatando com o Ajax há seis rodadas. Falando em Ajax, como esquecer dele: semifinalista da Liga Europa, sempre à espreita para aproveitar falhas do arquirrival – e tendo um adversário frágil na rodada, o Go Ahead Eagles, virtualmente rebaixado?  Só mesmo a provável escalação de alguns reservas faz crer num tropeço Ajacied – porque, claro, há o jogo de volta contra o Lyon à espera.

Entretanto, mesmo com um Ajax atento (e de um modo diferente, tão motivado quanto o Feyenoord), Het Legioen, a imprensa, Roterdã, a Holanda inteira tem a sensação: chegou a hora das duas semanas de 18 anos acabarem. O anúncio de que Dudek, o goleiro do título de 1998/99, entregará a taça numa eventual cerimônia, só aumenta essa sensação. E será um bonito fecho para o calvário Feyenoorder. 

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 5 de maio de 2017)

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