terça-feira, 5 de março de 2019

Agora é merecido

O Ajax investiu muito nesta temporada. Exatamente para ter momentos inesquecíveis como contra o Real Madrid (@AFCAjax/Twitter)

Este blog sabe: os textos aqui são bem menos frequentes do que deveriam. Ainda mais em dias de participação holandesa nas competições europeias: o Espreme a Laranja só costuma aparecer nelas quando os times do país avançam às fases decisivas - o que tem sido raro. Mas acontece. Basta lembrar que, em 2015/16, o PSV causou certas dificuldades ao Atlético de Madrid, nas oitavas de final da Liga dos Campeões - só foi eliminado pelo Atleti nos pênaltis. Em 2016/17, do nada, o Ajax foi evoluindo, evoluindo... e alcançou a final da Liga Europa. De resto, atuações apagadas são a regra nos clubes holandeses, nos últimos anos. Não é à toa que o país tem caído pelas tabelas na lista de coeficientes da UEFA: atualmente, disputa ponto a ponto com a Áustria a 11ª posição, que dá lugar direto na fase de grupos da Liga dos Campeões. Mas talvez seja a hora de começar a escrever aqui com mais frequência.

Porque só assim a maioria das pessoas saberia que o Ajax se planejou nesta temporada, exatamente para não fazer feio em campeonatos maiores. Por isso, os € 11,4 milhões pagos ao Southampton para levar Dusan Tadic a Amsterdã, tentando fazer do meio-campista sérvio a base para um time que mesclaria melhor experiência e juventude. Por isso, também, os € 16 milhões gastos para repatriar Daley Blind, mais um jogador calejado a acalmar os novatos talentosos. Por isso, o esforço para manter tais novatos: Matthijs de Ligt, Frenkie de Jong, Donny van de Beek, David Neres. O clube da estação Bijlmer Arena já estava havia muito tempo sem títulos. Depois da turbulenta temporada passada, que teve vários problemas, do ataque cardíaco que deixou Abdelhak "Appie" Nouri em estado vegetativo à perda do Campeonato Holandês justamente num clássico para o PSV, os Ajacieden tinham de apostar tudo.

Apostaram. De lá para cá, a temporada veio irregular. O Ajax até começou bem no Campeonato Holandês, mas viu o PSV começar melhor ainda. Na Copa da Holanda, foi seguindo meio despreocupadamente - afinal, é um torneio pequeno para um clube grande. De certa forma, a atenção estava toda na Liga dos Campeões. E nela, os Ajacieden foram bem. Superaram as fases preliminares (Standard Liège, Sturm Graz e Dynamo Kiev) com facilidade. E na fase de grupos, já mereciam mais atenção. Das fáceis vitórias sobre o AEK, do valor provado contra o Benfica (o 1 a 1 em Lisboa, decisivo para a classificação às oitavas de final, foi um momento de experimentação para o grupo), das atuações corajosas contra o Bayern de Munique. Aí, talvez, o blog já devesse ter escrito.

Mas não. Não escreveu nem mesmo no difícil começo de ano que o Ajax teve em 2019. As atuações inconstantes na Florida Cup mostraram que havia diferença preocupante entre o nível técnico dos titulares e dos reservas. E tal diferença ficou clara no ponto mais baixo do clube na temporada: o 6 a 2 que o Feyenoord lhe impôs, no Klassieker de 27 de janeiro. Parecia que tudo estava perdido, e que o Real Madrid, em crescimento àquela altura, imporia uma previsível eliminação na Liga dos Campeões. A derrota para o Heracles Almelo (1 a 0, na 21ª rodada, justamente antes do jogo de ida das oitavas de final) aumentava essa sensação.

Sensação que se dissipou, com o que se viu no dia 13 de fevereiro, na Johan Cruyff Arena. Sim, a vitória ficou com o Real Madrid, por 2 a 1. Mas os Ajacieden impressionaram, jogando no "modo Champions" - ou seja, com Tadic no meio do ataque e David Neres sendo titular, na ponta direita. Criou chances, pressionou a saída de bola do time espanhol, não deixou o tricampeão da Champions League respirar. Deixou a melhor das impressões. Mesmo que a eliminação viesse, um espírito positivo foi readquirido pelos Amsterdammers. E o "modo Champions" foi assumido definitivamente, com os dois atacantes de ofício, Kasper Dolberg e Klaas-Jan Huntelaar, indo para o banco de reservas.

Bastou para a reação no Campeonato Holandês: de seis pontos, a desvantagem para o líder PSV caiu para dois - e dá para pensar que o Ajax pode chegar à liderança, pelo jogo atrasado da 24ª rodada (contra o Zwolle, no próximo dia 13) e pelo jogo direto (no próximo dia 31) ser em Amsterdã. Na Copa da Holanda, uma oportunidade se abriu para dar uma satisfação à torcida: o sorteio reservou outro Klassieker contra o Feyenoord, exatamente um mês após o 6 a 2 pela Eredivisie, e os Godenzonen conseguiram a vaga na decisão da KNVB Beker, com 3 a 0 em pleno De Kuip. Mas faltava o blog escrever mais sobre o estado de coisas no Ajax.

Quem sabe assim, mais gente soubesse que o time de Amsterdã voltara a ter técnica e espírito de luta capazes de sobrepujarem o Real Madrid. Mais gente soubesse que o Ajax teria frieza e eficiência para aproveitar as primeiras chances e abrir 2 a 0, graças à estupenda atuação de Tadic, sendo um "falso 9" por excelência: voltando ao meio-campo para ajudar, e também indo ao ataque. Mais gente soubesse o meio-campista primoroso que Hakim Ziyech se revela, cada vez mais. Mais gente conhecesse Frenkie de Jong, que justifica mais e mais a badalação, controlando o jogo a seu bel-prazer como volante. Mais gente visse a mescla perfeita na zaga do Ajax, com a experiência e a precisão de Daley Blind se aliando à garra e à liderança de De Ligt. Mais gente visse um Nicolás Tagliafico que parte da lateral esquerda para estar em todas as jogadas importantes. Mais gente visse um Van de Beek muito capacitado para ser o "homem-surpresa" nas chegadas ao ataque. Mais gente visse um David Neres que tenta reagir na temporada, jogando na sua - e sendo premiado com um dos gols.

Enfim, quem sabe assim, escrevendo mais aqui, mais gente respeitasse o Ajax. Mais gente respeitasse o futebol holandês, de um modo geral. Mas o 4 a 1 primoroso no Santiago Bernabéu, que devolveu os Ajacieden às quartas de final de uma Liga dos Campeões após 16 anos (em que pese a bola duvidosamente tirada da lateral por Noussair Mazraoui no terceiro gol), fará o blog mudar o comportamento. E escrever sobre toda e qualquer participação holandesa em torneios europeus, ainda que seja para descrever vexames. Porque dias como este 5 de março de 2019, em que todo o futebol holandês comemorou (bem, talvez não os torcedores de Feyenoord e PSV), valem o sacrifício.

2 comentários:

  1. Texto muito bom!! O Ajax foi incrível, e Tadic foi impecável!!

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  2. Vitória esmagadora e incontestável. Partida perfeita do Ajax. Espero que o milagre de repita nas quartas, nas semi, na final...

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