quarta-feira, 3 de julho de 2019

O teste que faltava

Numa semifinal equilibradíssima contra a Suécia, a Holanda conseguiu acertar a chance que teve. Conseguiu ser precisa defensivamente. E chegou à final da Copa. Merece aplausos ainda mais fortes (Getty Images)

"Jij krijgt die lach niet van mijn gezicht" (em holandês, "você não tira o sorriso do meu rosto") é o título de uma das canções mais queridas do grupo de jogadoras da seleção feminina da Holanda. A música do cantor John de Bever já descrevia bem o clima com que as Leoas Laranjas encaravam a chegada às semifinais da Copa do Mundo feminina: ganhando ou perdendo, manteriam o sorriso no rosto, pois já faziam história apenas na segunda participação do país num Mundial. Mas, claro, dava para superar a Suécia. E numa campanha que teve atuações de todos os jeitos, a Holanda passou pelo teste que lhe faltava: numa partida altamente equilibrada, em que erros eram proibidos, a Laranja quase não errou. Aguentou a pressão psicológica. Foi eficiente. Fez 1 a 0. E está na final.

Se o ponto de vista aqui fosse o da seleção da Suécia, seria possível dizer que foi uma classificação injusta. Ainda mais pelo que se viu no primeiro tempo, no Parc Olympique Lyonnais, em Lyon. Jogando mais avançada do que se supunha, a seleção auriazul dominou as ações. Pelas pontas, Lina Hurtig e Sofia Jakobsson causavam tormentos. Hurtig foi ativa num cruzamento aos 9' (Sari van Veenendaal defendeu). E Jakobsson, o destaque da classificação sueca para cima da Alemanha, foi ainda mais perigosa aos 13': a camisa 10 fez bela jogada, se livrando de Sherida Spitse com um giro, carregando a bola no contra-ataque e passando para Stina Blackstenius bater cruzado. Mas Van Veenendaal mostrou segurança, de novo: a goleira da Holanda pegou, e resistiu às dores após pisão involuntário de Jakobsson.

Claro que, de vez em quando, a Holanda tentava. Mas diante de uma zaga experiente e muito fechada (e de Hedvig Lindahl, talvez a melhor goleira da Copa), só se viam chutes inócuos. Enfim tendo a chance que tanto queria como titular, Lineth Beerensteyn tentou aos 17', mas Lindahl pegou. Lieke Martens não tinha espaço e nem mostrava ritmo. Vivianne Miedema sempre dava um toque a mais na bola. Daniëlle van de Donk tinha atuação ruim, perdendo muitas bolas ou errando os passes nas raras jogadas. Restava à Holanda ter cuidado na defesa. Principalmente nas bolas paradas, como os escanteios cobrados por Magdalena Eriksson - foi assim que aos 37', após escanteio, Hurtig ficou com a sobra, na área, e chutou cruzado, para Van Veenendaal evitar o gol sueco com os pés, e Stefanie van der Gragt afastar.

Era a sorte holandesa: além da segurança de Van Veenendaal no gol, o miolo de zaga se mostrava muito atento. Tanto Van der Gragt quanto Dominique Bloodworth eram precisas nos desarmes e nas devoluções. A mesma coisa nas laterais, com Desiree van Lunteren contendo Hurtig (ainda que com dificuldades) e Merel van Dongen crescendo mais e mais na partida, mostrando admirável poder de antecipação. Mesmo se houvesse o erro de uma, outra consertava - foi assim aos 48', quando Van Dongen errou passe, Blackstenius puxou o contra-ataque com a bola que sobrara, mas Bloodworth desarmou a atacante da Suécia na área, na exata hora do chute. E mesmo se a bola passasse da zaga das Leoas Laranjas, a sorte as ajudava: como na grande chance sueca para o 1 a 0, aos 56', quando Nilla Fischer chutou cruzado, Van Veenendaal desviou, e a bola foi para a trave.

A Suécia foi melhor em boa parte do tempo normal, atacando mais. Parou nas excelentes atuações de defesa da Holanda (Getty Images)

Faltava o ataque e o meio-campo crescerem, manterem mais a posse de bola, fazerem a defesa adversária trabalhar. Começou a acontecer, com o cansaço maior da Suécia. Van de Donk começou a acertar mais as jogadas. Spitse auxiliava na marcação. E Jackie Groenen, sempre incansável, despontava como destaque no meio-campo da Holanda: corria, desarmava, vinha com a bola para ajudar Beerensteyn na direita, não parava. A bola que Miedema mandou no travessão de Lindahl, de cabeça, após escanteio, aos 64', era um auspicioso sinal: a Holanda estava viva.

E a entrada de Shanice van de Sanden - desta vez, no banco -, no lugar de uma Beerensteyn discreta, ampliou a sensação de reação da Holanda. Não que a camisa 7 estivesse embalada, mas conseguiu reter mais a bola, dar mais trabalho a Eriksson na direita, fazer mais tabelas e jogadas. A Holanda cresceu, teve chance com Van de Donk (errou o chute, aos 85') e Van de Sanden (defesa de Lindahl nos acréscimos), mas começou a se resguardar para a prorrogação que vinha. E a Suécia, mais cansada, também.

Terminaram os 90 minutos. Começou a prorrogação. E a sensação era de jogo de bichos grandes: ninguém podia errar. A Suécia parecia mais ofensiva, rondando a área de Van Veenendaal. Até que uma hora, aos 99', Van der Gragt devolveu um chutão ao meio-campo. Spitse pegou a bola e passou a Van de Donk. Desta, a bola foi para Groenen. A camisa 14 (como a de Johan Cruyff, seu ídolo) viu o espaço. Decidiu fazer o que lhe pediram nos treinos: chutar a gol. Bola precisa, no canto direito de Lindahl. Era o 1 a 0. A Holanda acertava a chance que precisava acertar.

Groenen experimentou o que lhe pediam: chutar de fora da área. Conseguiu o gol da vitória (Getty Images)

O que não significava, nem de longe, que a Suécia tinha desistido. Ao contrário: cresceu na segunda metade da prorrogação. Julia Zigiotti e Madelen Janogy ajudavam o ataque a manter a posse de bola. Blackstenius, Jakobsson e Kosovare Asllani tentavam. Mas agora, elas é que paravam no monolito defensivo holandês, com as grandes atuações de Van Veenendaal, Van der Gragt e Bloodworth - única chance perigosa foi um chute por cobertura de Asllani, aos 119'. A Holanda corria perigos, seguia sem a bola. E quando a tinha, perdia chances incríveis - como nos acréscimos, quando Van de Sanden errou bisonhamente um chute na área.

Asllani teve azar: atingida por uma bola no rosto, ficou com sérias dores no pescoço e teve de sair. O que só aumentou o drama: os dois minutos de descontos na prorrogação chegaram a sete, com o atendimento à sueca. Mas Van Veenendaal pegou a bola vinda de um cruzamento de Jakobsson, aos 120' + 7. Caiu no chão. E o apito final se ouviu. A Holanda tinha superado o teste que faltava. Jogou medianamente, e dificilmente superará os Estados Unidos, muito favoritos a conquistarem o quarto título mundial no domingo. Tudo bem: nada mais tirará o sorriso no rosto das jogadoras holandesas.

Copa do Mundo feminina - semifinal
Holanda 1x0 Suécia
Data: 3 de julho de 2019
Local: Groupama Stadium/Parc OL (Lyon)
Árbitro: Marie-Soleil Beaudoin (Canadá)
Gol: Jackie Groenen, aos 99'

Holanda
Sari van Veenendaal; Desiree van Lunteren, Dominique Bloodworth, Stefanie van der Gragt e Merel van Dongen; Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk e Sherida Spitse; Lineth Beerensteyn (Shanice van de Sanden), Vivianne Miedema e Lieke Martens (Jill Roord). Técnica: Sarina Wiegman

Suécia 
Hedvig Lindahl; Hanna Glas, Nilla Fischer, Linda Sembrandt e Magdalena Eriksson (Mimmi Larsson); Elin Rubensson (Julia Zigiotti), Kosovare Asllani e Caroline Seger; Sofia Jakobsson, Stina Blackstenius (Jonna Andersson) e Lina Hurtig (Madelen Janogy). Técnico: Peter Gerhardsson

Um comentário:

  1. Não esqueça de comentar sobre um dos melhores jogadores holandeses de todos os tempos, que se aposenta hoje do futebol.

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