O Cambuur liderava a segunda divisão, o De Graafschap era o vice-líder... mas a pandemia (e a decisão da federação) acabaram com o sonho do acesso. Ele recomeça agora para ambos (degraafschap.nl) |
Março de 2020. Adiantada em relação à primeira divisão, como sempre, a segunda divisão do futebol na Holanda (Países Baixos) já ia pela sua 29ª rodada - nove antes do final da temporada regular. E dois clubes já se destacavam para ficarem com as vagas de campeão e vice - que dariam, pela primeira vez, direito ao acesso direto à Eredivisie (sem contar a terceira vaga, que seria disputada na repescagem de famigerado regulamento). Eram o Cambuur, líder da Eerste Divisie, e o De Graafschap, então segundo colocado. Faziam por merecer - principalmente o Cambuur, que já contava dez pontos acima do Volendam, o terceiro colocado. Mas a COVID-19, já tomando a Europa à força entre o fim de fevereiro e o começo do citado março, forçou a parada de tudo.
O futebol não pôde ficar imune a isso: nos Países Baixos, os eventos públicos foram proibidos - a princípio, até setembro - por ordem do governo. A federação "lavou as mãos", deixou aos clubes a responsabilidade da decisão sobre os rumos da temporada interrompida, estes obviamente não quiseram comprometer os futuros dos co-irmãos... e a KNVB retomou a frente para tomar o polêmico caminho: a temporada 2019/20 estava encerrada, em todos os níveis. No caso da segunda divisão, a resolução era ainda mais dramática: sem acesso, sem descenso, os 20 clubes de 2019/20 seriam os mesmos para 2020/21. Claro, a queixa foi gigante por parte de Cambuur e De Graafschap: o sonho do retorno à primeira divisão (para aquele, após quatro anos; para este, o "bate-e-volta" após a queda em 2018/19) estava perto de acontecer... e foi encerrado, pelo menos por enquanto, após a canetada da federação.
Houve ameaças de protesto aqui e ali - principalmente do Cambuur -, mas aos poucos as ameaças foram diminuindo previsivelmente: afinal, alguma resolução para a temporada 2019/20 a federação tinha de tomar (e ela estava de mãos atadas, pelas medidas do governo holandês). Tomou do jeito errado, mas tomou. E só o tempo permitiu alguma retomada. Antecipada a partir de julho, com a abertura de clubes. Aprofundada com os treinos. E que será completa a partir desta sexta-feira, quando dois jogos - o time B do Utrecht contra o FC Eindhoven, Cambuur contra NEC - abrirão a Keuken Kampioen Divisie, o "nome patrocinado" da Eerste Divisie, a segunda divisão da Holanda. Cinco meses depois da pandemia ser decretada e jogar o futebol (e o mundo) num monte de incertezas, a primeira delas na Eerste Divisie é óbvia: quem são os favoritos ao acesso?
Robert Mühren era o nome dos gols no Cambuur até a COVID-19 interromper o futebol. Continuará sendo, pelo menos enquanto a segunda divisão puder ocorrer (Pics United) |
Os favoritos
De certa forma, nem mesmo a pandemia mudou o cenário. O Cambuur desponta, novamente, como o grande favorito ao título. Não só pela vantagem que a equipe de Leeuwarden já ostentava na temporada passada, mas porque o grupo de jogadores dos Leeuwarders, treinado por Henk de Jong, passou relativamente incólume pela pandemia. Os destaques são os mesmos, com experiência em times menores da Holanda: o goleiro Sonny Stevens, o zagueiro Calvin MacIntosch, o ponta-de-lança Mitchel Paulissen e, principalmente, o atacante Robert Mühren. Autor de 26 gols em 2019/20, Mühren teve seu empréstimo ao Cambuur prolongado pelo Zulte Waregem, da Bélgica, clube ao qual o centroavante pertence. É o centro do time. E se fizer em 2020/21 tantos gols como vinha fazendo, pode ser o dínamo de outra campanha que levaria a um eventual retorno do Cambuur à divisão de elite.
Se o Cambuur tem um time calejado nas profundezas dos pequenos do futebol holandês, o De Graafschap (vice-líder até a parada) aposta num time um pouco mais jovem para conseguir até posição melhor. Os Superboeren tiveram bons resultados na pré-temporada, e se valeram de negócios baratos para fortalecerem o grupo comandado pelo técnico Mike Snoei: chegaram ao clube da cidade de Doetinchem nomes como o goleiro Rody de Boer (emprestado pelo AZ), o lateral Julian Lelieveld (vindo do Vitesse, de graça) e o atacante Joey Konings (vindo do Heracles Almelo). Estes se somam a nomes mais experimentados que também chegaram - os atacantes Ralf Seuntjens e Johnatan Opoku sendo os principais.
Mas como se sabe, as duas primeiras posições não são o único caminho para se chegar à primeira divisão na Holanda: há a temida e emocionante repescagem após a temporada regular, valendo uma vaga. Lembrando rapidamente seu complicado regulamento: as 38 rodadas da Eerste Divisie são divididas em quatro "períodos" de nove rodadas, a partir da 3ª rodada. O melhor time de cada um desses períodos - o periodekampioen, literalmente "campeão de período" - já é garantido na repescagem. Estes quatro times, mais os dois melhores colocados da temporada regular sem terem sido "campeões de período" (podem ser mais, se um dos campeões de período tiver subido direto, como campeão ou vice), vão para a repescagem, esperando o 16º (antepenúltimo) colocado da Eredivisie. Num mata-mata simples, os seis se enfrentam na "primeira fase"; os três ganhadores vão para as "semifinais" junto do egresso da Eredivisie, em dois jogos; e os vencedores definem, enfim, a vaga.
O Volendam poderá contar com Francesco Antonucci por mais uma temporada (Pics United) |
E se há times que podem ficar mais atrás na disputa do título da segunda divisão, a briga pelo "título" dos "períodos" tem muito mais concorrentes. Com um time jovem e pregando estilo ofensivo - bem ao gosto do técnico, o ex-volante Wim Jonk -, o Volendam aposta pesadamente no belga Francesco Antonucci, já emprestado na temporada passada, que ficará mais este campeonato na "Outra Laranja" (apelido do Volendam) antes de voltar ao Feyenoord. O NEC Nijmegen, velho conhecido da Eredivisie, tenta o retorno a ela após quatro anos, contando com o retorno de outro velho conhecido: o volante paraguaio Edgar Barreto, 36 anos, que passara pelos Nijmegenaren entre 2003 e 2007 antes de fazer carreira regular na Itália (Reggina, Atalanta, Palermo e Sampdoria). O NAC Breda, bem mais ambicioso, querendo voltar após três anos de ausência, já é mais ambicioso: não só conta com nomes promissores, como o goleiro Nick Olij e o atacante Sydney van Hooijdonk - sim, filho de Pierre -, mas também com vindas experientes, como a do lateral direito Dion Malone, tirado do ADO Den Haag.
E os "times B"?
Vale citar ainda que, mesmo sem direito a promoção para a primeira divisão nem a participação na repescagem de acesso/descenso, por motivos óbvios, os times B têm lá sua atratividade na Keuken Kampioen Divisie. Principalmente o único deles que já foi campeão dela, em 2017/18: o Jong Ajax, que vinha em quarto lugar na temporada suspensa. É até "covardia" citar a relação de nomes promissores que a equipe B dos Ajacieden tem. Os goleiros Daan Reiziger e Calvin Raatsie; os zagueiros Neraysho Kasanwirjo e Devyne Rensch; os meio-campistas Kenneth Taylor e Naci Ünüvar (este, um dos mais valorizados); os atacantes Sontje Hansen e Brian Brobbey... todos eles fizeram parte da geração holandesa bicampeã europeia sub-17 (e quarta colocada no Mundial do ano passado), todos eles marcaram presença no Ajax semifinalista da Liga Jovem da UEFA, todos eles são relacionados vez por outra no time principal. E todos eles jogarão a segunda divisão - com um brasileiro como colega: o atacante Giovanni Manson, vindo do Santos, que até protestou, contra suposto aliciamento do Ajax.
Sontje Hansen na esquerda, Naci Ünüvar na direita: os jovens do Jong Ajax continuam badalados (BSR Agency/Soccrates) |
Mas o time B do PSV, outro a disputar a Eerste Divisie, também tem muitos jogadores jovens que se alternam com a equipe principal e também são promissores. O lateral direito Jordan Teze, o volante tcheco Michal Sadílek, o atacante Joël Piröe (retornando de empréstimo ao Sparta Rotterdam): todos eles já tiveram sua experiência no time de cima dos Boeren. E nem recai sobre eles a maior expectativa, mas sim sobre o atacante Noni Madueke, inglês de ascendência nigeriana, que já vinha tendo chances na equipe de Eindhoven antes da pandemia eclodir. Há até um brasileiro no Jong PSV: o zagueiro Luis Felipe, vindo do Coritiba.
O Jong Ajax pode até ser mais badalado, mas Noni Madueke também faz muitos gols pelo time B do PSV (BSR Agency) |
Finalmente, há os times B de AZ e Utrecht, dois clubes cada vez mais cuidadosos com suas categorias de base, e cada vez mais ambiciosos em desafiarem o trio de ferro neerlandês. No time de Alkmaar, o meio-campista Mohamed Taabouni foi promovido ao grupo principal, mas há de participar de algumas rodadas - bem como o zagueiro Maxim Gullit (sim, filho de Ruud), 19 anos; nos Utregs B, há nomes como o atacante Tim Pieters, o meio-campista francês Zineddine Bourebbaba... e o zagueiro Ruben Kluivert (sim, filho de Patrick e irmão de Justin). Também podem fazer seu barulho.
Mas todas essas são perspectivas antes do começo da segunda divisão. Porque a pandemia ainda está aí. As incertezas que ela traz, também. Os jogos ainda serão com público diminuto, no mínimo. E os números da COVID-19 na Holanda (Países Baixos) voltam a crescer - ainda em patamares controlados, principalmente no número de internados e mortos, mas crescem, trazendo o temor da "segunda onda". A federação holandesa até já criou procedimentos para resolver o resultado do torneio, em casos extremos como o que se vive. Mas a "segunda onda" certamente interromperia de novo o campeonato. Interromperia o sonho do acesso também?
Excelente explicação. Obrigado.
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