quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Mudou muito. Vai mudar mais?

Pelo menos nestas datas FIFA, a seleção masculina da Holanda será treinada por Dwight Lodeweges. Que terá um caminho cheio de encruzilhadas... (Pro Shots)


Quando 2020 começou, a expectativa sobre a seleção masculina da Holanda (Países Baixos) residia em duas perguntas: como seria seu desempenho na Euro? E como ela conseguiria se recompor de duas prováveis ausências sentidas no ataque - Memphis Depay e Donyell Malen, ambos se recuperando de lesões graves no joelho? Amistosos contra Espanha e Estados Unidos, marcados para março, começariam a responder tais perguntas. A pré-convocação para eles já estava feita. Mas semanas antes dos jogos, a pandemia de COVID-19 eclodiu dramaticamente na Europa. E o mundo mudou. Obviamente, também mudou o cenário para a Laranja: não haveria mais amistosos, a Euro só se dará (a princípio) em 2021, e só agora a seleção de homens voltará aos campos, nas duas primeiras rodadas da Liga das Nações da UEFA, contra Polônia (nesta sexta) e Itália (na próxima segunda), ambos os jogos em Amsterdã, ambos sem público. Já eram mudanças de abalar qualquer alicerce. Mas, bem ou mal, a vida seguia para a Oranje. 

Até 14 de agosto de 2020, quando o Barcelona teve esfregada em sua cara a necessidade de mudanças dentro e fora de campo, com a goleada do Bayern de Munique, por 8 a 2, nas quartas de final da Liga dos Campeões. Era lícito e até óbvio supor: uma das tentativas de mudança do Barça seria voltar à carga para tentar tirar da seleção neerlandesa masculina seu técnico, Ronald Koeman - focado no trabalho com a Holanda, mas que sempre apregoou o sonho de treinar o time catalão onde marcara época como jogador. E surgiu aí a segunda grande mudança que balançou a Oranje. Koeman tinha em seu contrato com a federação neerlandesa uma cláusula: se o Barcelona (e só o Barcelona) chegasse com uma oferta vantajosa, ele seria liberado pela entidade sem problemas para realizar seu sonho de carreira. Antes mesmo de Quique Setién ir treinar a equipe espanhola, Koeman foi sondado, em meados de 2019: não aceitou. Já com Setién contestado, novamente foi cogitado pelo Barcelona no fim do ano passado: balançou, mas preferiu ficar na Holanda, no mínimo, até a Euro. 

O Barcelona sondou Ronald Koeman uma vez, duas vezes... na terceira vez, com as incertezas que a pandemia trouxe para o trabalho na seleção, Koeman preferiu realizar seu sonho (European Press Agency)

Chegou a pandemia. Chegou a terceira oferta do Barcelona, já após os 8 a 2 do Bayern. E às 22h50 (horário de Amsterdã) de 17 de agosto, segunda-feira, Koeman telefonou para Eric Gudde, diretor geral da federação holandesa. Segundo o jornal Algemeen Dagblad, Koeman foi direto: "Eu não vou recusar o Barcelona uma terceira vez". E a KNVB não teve muita saída, a não ser aceitar que perderia o treinador da seleção masculina. Na entrevista coletiva de apresentação, no Camp Nou, Koeman foi novamente honesto sobre os motivos da aceitação: "Muita coisa mudou no mundo. Tudo é incerto. Quem me garante que a Liga das Nações começará em setembro, ou que a Euro terá público?"

Ao mesmo tempo em que anunciava ao Algemeen Dagblad que Dwight Lodeweges, auxiliar de Ronald Koeman, seria o treinador interino contra Polônia e Itália, Eric Gudde se disse surpreso: "Eu nunca tinha me preocupado com as sondagens do Barcelona (...) Na semana anterior, ainda tínhamos nos reunido. Se o placar não tivesse sido 8 a 2 para o Bayern, mas 1 a 0 para o Barcelona com um gol em posição irregular, Koeman ainda seria o nosso técnico". Ainda assim, em geral, até pela honestidade que o treinador da seleção sempre mostrara em relação ao sonho de comandar o Barcelona, o tom geral foi de compreensão. A começar do próprio Gudde: "Respeito a decisão". Continuando até por Theo Pouw, presidente da associação de torcedores da seleção, à emissora de tevê RTL: "Eu o entendo. É seu sonho, um emprego maravilhoso. Seria egoísta querer mantê-lo".

E a aceitação seguiu na apresentação dos jogadores, nesta semana, no centro de treinamentos de Zeist. Presente na entrevista coletiva da segunda-feira passada, o capitão Virgil van Dijk foi também compreensivo: "É chato, claro. Estamos todos tristes por ver um técnico maravilhoso partir, mas desejamos o melhor a ele, de coração. Era o grande sonho dele. Nesses tempos que vivemos, com toda a incerteza do coronavírus, sem saber se a Euro acontecerá... quando uma chance dessas aparece, eu entendo". Ao lado de Van Dijk, Dwight Lodeweges - ao pé da letra, o primeiro estrangeiro a treinar a Laranja em 42 anos (apesar da família holandesa, Lodeweges nasceu no Canadá) - também fechou o "assunto Koeman" com serenidade: "É assim que o mundo do futebol funciona. Ele já tinha dito 'não' duas vezes ao Barcelona, mas na terceira, é hora de entendê-lo".

Só as mudanças trazidas pela pandemia e pela troca inesperada de técnicos já fariam os treinos da Holanda serem vistos com maior curiosidade. Eis que a convocação de 25 jogadores - e o que ocorreu após ela - ampliaram essa curiosidade. Até porque Lodeweges já sinalizou: fará mudanças em relação à escalação habitual que Koeman fazia. Algumas delas já seriam obrigatórias, com as duas ausências mais sentidas da convocação: Matthijs de Ligt, que operou o ombro e só volta em três meses, e Daley Blind, novamente às voltas com dúvidas sobre o rumo da carreira após mais um susto que o coração lhe causou no Ajax.

Sem De Ligt, De Vrij teria a grande chance para mostrar talento entre os titulares da zaga. Uma lesão impertinente o impedirá (Divulgação/KNVB)

Com isso, certamente seriam titulares tanto Nathan Aké - atraindo grandes expectativas na temporada, ao se transferir para o Manchester City - quanto Stefan de Vrij - vivendo a melhor fase da carreira na Internazionale, escolhido como um dos melhores zagueiros do Campeonato Italiano encerrado. Pelo menos para De Vrij, a expectativa virou frustração nesta quinta: lesionado, o defensor foi cortado da relação (Dwight Lodeweges se compadeceu, na entrevista coletiva: "Ele estava muito triste, era a sua chance"). O que aumentou as expectativas justamente sobre dois dos três estreantes na seleção masculina: crescem as possibilidades de escalação imediata tanto para Perr Schuurs, zagueiro de 20 anos que deverá enfim ser titular do Ajax após a "preparação" por que passou em dois anos de time B, quanto para Owen Wijndal, lateral esquerdo de 20 anos, um dos dínamos dos velozes ataques do AZ. Dwight Lodeweges já sinalizou que pode jogar um dos dois às feras, sem medo: "Se fosse para hesitar, eu nem os teria convocado".

Também há pontos de interrogação na lateral direita, que não terá Denzel Dumfries contra a Polônia - Dumfries curtirá o filho recém-nascido. Aí, disputam a vaga Kenny Tete, chamado exatamente pelos compromissos pessoais de Dumfries, e Hans Hateboer, com vantagem para o jogador da Atalanta (por enquanto: Hateboer já anunciou que deseja deixar o clube italiano). No meio-campo e no ataque, por ora, os titulares são mais certos. Mas como ignorar a possibilidade de escalar Mohamed Ihattaren, estreando na seleção que escolheu para defender, podendo ser o armador que ainda falta à equipe dos Países Baixos? E quem sabe uma chance dada a Luuk de Jong como titular, no ataque?

Entre os três estreantes na Laranja, Schuurs e Wijndal podem já estrear de cara - e não dá para descartar Ihattaren, o da foto (Divulgação/Pro Shots/onsoranje.nl)

Todas essas mudanças, e o texto nem citou a pergunta maior: quem, afinal, será o sucessor definitivo de Ronald Koeman? Erik ten Hag já disse que não deixa o Ajax, com o qual tem contrato até 2022 ("Nessa temporada, sem chance"). Peter Bosz também afastou o perigo de deixar o Bayer Leverkusen - seu contrato também vai até 2022 ("Eu só falaria sobre isso se tivessem me procurado, e ninguém me procurou"). Nenhum dos candidatos citados - Frank de Boer e Phillip Cocu à frente - animam plenamente. E só agora cresce, pouco a pouco, a possibilidade que a imprensa sugeriu: Louis van Gaal deixando temporariamente a aposentadoria para ser um "bombeiro", treinando a seleção até a Euro 2021. Segundo o narrador Arno Vermeulen, da emissora NOS, Van Gaal lhe teria dito que pensaria bem na hipótese caso fosse chamado. Mas ainda é uma possibilidade mais no campo dos boatos do que dos fatos. Discretamente, o capitão Van Dijk pediu definição da federação: "Precisamos seguir, a direção precisa achar um substituto. Até fomos ouvidos sobre isso, e gostamos". A chance de continuar nem passa pela cabeça de Dwight Lodeweges: "Nem falei sobre isso. Alguém vai vir". Que tal Van Gaal, Van Dijk? "Eu nunca trabalhei com ele, mas é lógico que é alguém que significa muito para o futebol holandês".

Com mais dúvidas do que certezas, a Holanda volta a aparecer no futebol de seleções masculinas. Muito mudou nela. O que mais mudará? Resultados? Titulares? Respostas a partir desta sexta-feira.

Um comentário:

  1. O trio de meio campo da holanda talvez seja um dos mais fortes do mundo hoje em dia

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