sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Qual o caminho?

Esta expressão é de tristeza da seleção masculina da Holanda, após a eliminação na Copa do Mundo. Mas pode ser de dúvida: qual o caminho a seguir para ser campeã? (Stefan Matzke/Sampics/Corbis via Getty Images)

Um lado: daqui a dois dias, em 1º de janeiro de 2023, Ronald Koeman voltará a treinar a seleção masculina da Holanda (Países Baixos) sabendo que a diretora geral da federação, Marianne van Leeuwen, já estipulou uma meta - a Laranja precisa ser campeã, de alguma coisa, qualquer coisa. Outro lado: após a participação da mesma seleção na Copa do Mundo, a impressão foi de uma campanha tão digna (afinal, chegou-se ao quinto lugar, invicto) quanto banal (talvez só tenha havido algum brilhantismo contra os Estados Unidos, nas oitavas de final, e no gol que empatou o jogo contra a Argentina). De certa forma, esta dualidade resumiu o 2022 do futebol holandês: uma encruzilhada entre o desejo de ser campeão e o desejo de jogar bem, de divertir a torcida. Qual o caminho a seguir?

Seleção masculina: tudo, exceto o principal

A rigor, poucos foram os momentos em que a Holanda encantou como seleção, neste ano que acabará no sábado. Houve "agrado", é verdade. Os amistosos em março - vitória contra a Dinamarca, por 4 a 2, e empate em 1 a 1 com a Alemanha - deram a confiante impressão de que a equipe estava capacitada para ir bem na Copa do Mundo. Nunca foi o caso de falar em título, mas a Laranja estava a postos para fazer uma boa campanha. Os jogadores eram bons, como já eram na Euro (Denzel Dumfries, Virgil van Dijk, Georginio Wijnaldum, Frenkie de Jong, Memphis Depay), e a organização que lhes faltou no torneio continental havia voltado sob o comando de Louis van Gaal. Isso se provou na Liga das Nações. Brilho, só nos 4 a 1 sobre a Bélgica - e ainda assim, depois de um começo em que os Diabos Vermelhos, rivais regionais, chegaram a mandar uma bola na trave. 

Ainda assim, a Holanda foi consistente. Mesmo em jogos mais difíceis - as duas vitórias contra País de Gales (2 a 1 e 3 a 2, ambas com os gols da vitória nos acréscimos), o 2 a 2 com a Polônia -, o time ia buscar o que precisava. Uma base sólida era formada. Sem deixar de dar a chance a novatos, aproveitassem (Teun Koopmeiners, Noa Lang, Cody Gakpo) ou não (Jerdy Schouten, Hans Hateboer). Terminar liderando o grupo, invicta, classificada para as semifinais em 2023 - na qual será o país-sede - já foi um fruto do trabalho de Van Gaal. Que perdeu um jogador importante: Wijnaldum havia caído de nível com a má passagem pelo Paris Saint-Germain, mas quando disputaria a vaga na convocação para os jogos de setembro (2 a 0 na Polônia, 1 a 0 na Bélgica), sofreu a fratura na tíbia que tirou suas chances de estar no segundo Mundial da carreira. Mesmo assim, se esperava o ápice na Copa.

Não foi bem o caso. Resultado, a Holanda teve: passou invicta pela fase de grupos no Catar, com duas vitórias e um empate. Passou pelos Estados Unidos com facilidade até maior do que se esperava, nas oitavas de final. Mas nunca chegou a agradar: teve momentos de inferioridade na estreia contra Senegal, foi definitivamente pior do que o Equador na segunda partida, e nem exibiu a autoridade que se esperava contra o Catar. E a partida da eliminação, nas quartas de final, contra a Argentina, exibiu esses dois lados. Durante 83 minutos, o que se viu foi uma Holanda estéril, incapaz de causar perigo contra a defesa argentina, totalmente vencida pela genialidade de Lionel Messi e por algumas boas atuações (Enzo Fernández, Nahuel Molina, Marcos Acuña). Aí, quando entraram dois atacantes altos, Wout Weghorst se sobressaiu. No gol de cabeça, na brilhante jogada individual do empate. Porém, na hora de aproveitar o bom momento, na hora de se agigantar para vencer... a Holanda se retraiu. A Argentina voltou a dominar o jogo na prorrogação. E venceu, até merecidamente, nos pênaltis.

De novo, mesmo com um bom ano, a Holanda terminou deixando a impressão de que faltara algo. O próprio país deixou isso claro: a torcida nunca ligou muito para a campanha, a imprensa criticou o excesso de pragmatismo ("Onde foi parar aquele futebol reconhecível? A tendência para ser aventureira e ofensiva?', indagou a revista Voetbal International). Não adianta: a Holanda pode jogar bem ou mal, mas só um título fará com que se perdoe a mudança de postura.

O Feyenoord se reanimou gradativamente, na ótima campanha pela Conference League 2021/22. E segue esperançoso na temporada atual (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Os times: a esperança continua

No ano passado, esta retrospectiva era intitulada "portas da esperança". Afinal, houvera indícios de que o futebol doméstico da Holanda (Países Baixos) poderia sonhar. Não, a situação não mudou muito: aqui e ali, há indícios de que os clubes do país podem ocupar um posto de relativo destaque. Só que o símbolo disso não foi o Ajax, cuja classificação categórica na fase de grupos da Liga dos Campeões passada foi revertida com uma eliminação algo inesperada e melancólica para o Benfica, nas oitavas de final. Foi o Feyenoord.

Nem se prestava muita atenção no Stadionclub, dentro da Conference League. O foco maior ia para PSV (destinado à Conference, após cair na fase de grupos da Liga Europa) e até para o AZ. Só que o clube de Alkmaar foi eliminado pelo Bodo/Glimt-NOR. O PSV avançou um pouco mais, porém também caiu, para o Leicester-ING, nas quartas de final. E o Feyenoord, no mesmo dia, se consolidou, eliminando o Sparta Praga-TCH na capital tcheca, indo às semifinais da Conference League.

Só aí, de certa forma, passaram a prestar atenção no time que Arne Slot tinha montado. Com vários nomes em grande fase: Marcos Senesi, Tyrell Malacia, Fredrik Aursnes, Orkun Kökcü, Cyriel Dessers, Luis Sinisterra... nomes que conseguiram grandes atuações na semifinal, contra o Olympique de Marselha, no 3 a 2 da ida e no 0 a 0 na volta, que devolveu o Feyenoord a uma final europeia, após 20 anos. Nela, contra a Roma, uma falha foi aproveitada pelo clube italiano, que fez 1 a 0 e se sagrou o primeiro campeão da história da Conference League. Mas o clube de Roterdã ganhara algo a mais: a confiança, um novo ânimo.

Ânimo confirmado agora, no Campeonato Holandês. Porque o Ajax viveu um fim de ciclo, com muitas saídas (André Onana, Noussair Mazraoui, Lisandro Martínez, Ryan Gravenberch, Antony, o técnico Erik ten Hag...). Está numa temporada relativamente apática: caiu melancolicamente na fase de grupos da Liga dos Campeões, e está na segunda posição do Campeonato Holandês. Mais preocupado do que o PSV, classificado para as oitavas de final da Liga Europa, com várias boas atuações (Xavi Simons, Luuk de Jong, Joey Veerman e Cody Gakpo, agora um nome que deixa saudades). 

E do que o... Feyenoord. Que já se remontou com novos candidatos a destaque: Dávid Hancko, Sebastian Szymanski, Danilo, Santiago "Bebote" Giménez. Que lidera o Campeonato Holandês. Que está nas oitavas de final da Liga Europa. E que sonha, de novo, em repetir a bonita história que viveu.

Van de Donk ainda é uma das veteranas na seleção feminina, mas Esmee Brugts (esquerda) e Romée Leuchter (direita) simbolizam a nova geração da Holanda que chega (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Seleção feminina: a hora das jovens se aproxima

Mesmo começando bem, a seleção feminina da Holanda estava mal. Nas vitórias, não convencia; nas derrotas e empates, preocupava. Foi assim no Torneio da França, em que ela terminou em segundo lugar, mas só vencendo a Finlândia, empatando com o Brasil e perdendo da França, seleções que lhe faziam frente. Mas o 3 a 0 nas finlandesas já dava um sinal: o técnico Mark Parsons experimentou várias novatas. A goleira Daphne van Domselaar, a atacante Esmee Brugts, a volante Jill Baijings: todas elas foram titulares. E o destino daria a elas o começo de um protagonismo.

A participação na Euro feminina ampliou isso. Em meio às turbulências de uma primeira fase em que até as duas vitórias foram sofridas (sem contar o 1 a 1 da estreia com a Suécia), os destaques não foram Vivianne Miedema (testou positivo para a COVID após a estreia), Lieke Martens (lesionada no pé, foi cortada da Euro após a fase de grupos), Sari van Veenendaal (a goleira lesionou o ombro e foi substituída também contra as suecas). Foram Romée Leuchter, Victoria Pelova, a supracitada Brugts, a supracitada Van Domselaar - esta, uma das melhores goleiras da Euro, responsável quase direta pela eliminação nas quartas de final, para a França, só ter acontecido na prorrogação.

Num trabalho dificultado por muitos fatores, Mark Parsons foi demitido logo após a Euro. Com mais boa vontade e interesse do que experiência no futebol feminino, Andries Jonker chegou para concluir uma campanha nas eliminatórias da Copa que tinha mais dificuldade do que se esperava. E que teve no jogo da vaga o símbolo disso. Precisando vencer a Islândia para passar à liderança do grupo, no jogo direto da última rodada, a Holanda foi muito superior. Criou muitas chances. Todas elas, parando na espessa defesa islandesa. Até que, aos 90' + 3, praticamente no último lance do jogo, coube a Brugts fazer o gol da salvação, da classificação para a terceira Copa da história das Leoas Laranjas.

Para elas, alguns caminhos já começam a se insinuar. Nos amistosos, Andries Jonker já começa a experimentar uma equipe com três zagueiras, recuando Sherida Spitse para a zaga. As novatas começam a ganhar destaque - como exemplifica, por exemplo, o quarto lugar no Mundial Sub-17 de mulheres. E o destino, de novo, apareceu nisso - de modo lamentável, com o rompimento de ligamento cruzado anterior que tirará Vivianne Miedema da Copa feminina. Que deverá servir, seja qual for o resultado, para a mudança definitiva de geração. Deverá ser a última Copa de Stefanie van der Gragt, Daniëlle van de Donk, Spitse, Martens. E a primeira de Van Domselaar, Kerstin Casparij, Brugts, Leuchter, Fenna Kalma... a geração que pode manter a Holanda uma seleção competitiva no futebol feminino mundial.

Que todas essas histórias tenham o melhor caminho possível. Que seja um feliz 2023 a todos - inclusive a quem ler este texto.

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