sexta-feira, 14 de abril de 2017

Mais uma fronteira

O Feyenoord ainda está em boas condições, mas corre sério risco de fraquejar (European Press Agency)

Há não mais do que duas semanas, este blog publicava: o Feyenoord parecia muito perto do título holandês. Entraria na 28ª rodada do Campeonato Holandês com seis pontos de vantagem para o Ajax, que enfrentaria em mais um Klassieker. Com um arquirrival tendo de acumular a Liga Europa em sua campanha na temporada, não era difícil pensar na eventualidade de uma vitória dos Rotterdammers na Amsterdam Arena, resultado que os colocaria na rota do título, para acabar com os 18 anos de tabu na Eredivisie.

Como se sabe, a vitória não veio. E a atuação categórica do Ajax nos 2 a 1 daquele Klassieker deu início àquela que, talvez, já seja a fase mais turbulenta do Feyenoord na sua trajetória empolgante nesta temporada. Claro, ainda poderia estar pior: a equipe de Roterdã ainda é líder, depende só de si para alcançar a Eredivisieschaal, tem saldo de gols bem maior do que o Ajax, há jogadores ali capazes de levarem o Stadionclub às vitórias necessárias nas quatro rodadas finais. Se o fracasso fosse líquido e certo, o time não teria competência para fazer o que fez contra o lanterna Go Ahead Eagles: ganhar muito bem, com uma ótima goleada (8 a 0, na 29ª rodada).

Ainda assim, alguns percalços fizeram o primeiro colocado da liga holandesa fraquejar claramente nas últimas rodadas. E aumentaram a desconfiança incômoda de que o Feyenoord sempre nega fogo na hora em que mais precisa dele. Os primeiros percalços, aliás, vieram antes mesmo do clássico contra o Ajax. A suspensão de Tonny Vilhena, um dos jogadores mais importantes de toda a campanha, por dois jogos; e as lesões que tiraram Terence Kongolo e Eljero Elia de campo por alguns jogos. Já eram golpes duros para a equipe.

Seria mais duro ainda ver Nicolai Jorgensen, o outro jogador fundamental dos Feyenoorders, deixar o Klassieker com meros 10 minutos de partida, por uma lesão muscular. Some-se a isso o precoce gol de Lasse Schöne, as atuações primorosas de Justin Kluivert e David Neres, outra lesão de titular absoluto (esta até mais grave: Rick Karsdorp distendeu ligamentos do joelho e contundiu o menisco)... a derrota por 2 a 1 foi até modesta, tantas foram as chances que o Ajax perdeu.

Vieram os 8 a 0 sobre o Go Ahead Eagles, prova inapelável do poder ofensivo do Feyenoord – e prova de como Jens Toornstra também tem talento para despontar na equipe. Porém, a montanha-russa de emoções teve continuidade contra o Zwolle, no domingo passado. Jogar fora de casa era o de menos: mesmo sendo adversários traiçoeiros, daqueles “chatos”, os “Dedos Azuis” buscam mais a permanência na primeira divisão (quase garantida) do que lugar nos play-offs por vaga na Liga Europa. A qualidade técnica tornava o Stadionclub favorito.

Essa crença na vitória sofreu sério abalo com a ausência repentina de Jorgensen: no aquecimento para a partida, o dinamarquês goleador desta Eredivisie (19 gols) voltou a sentir a lesão muscular sofrida contra o Ajax, tendo de ceder lugar a Dirk Kuyt. Pior: de novo, o Feyenoord ficou atrás rapidamente. Tomou o 1 a 0 do Zwolle com dois minutos de jogo – e, deixando muito espaço para os contra-ataques, chegou a ficar com a pesada desvantagem de 2 a 0. O desastre só não foi maior porque Steven Berghuis chamou a responsabilidade: empatou o jogo, com dois gols, e ainda rendeu um ponto aos visitantes. No entanto, a angústia era indisfarçável na torcida, ao fim do jogo.

E era indisfarçável, principalmente, porque sabia-se que a vantagem para o Ajax estava reduzida a apenas um ponto. Mais do que isso: como muitos times que terminam com a taça na mão, os Ajacieden mostram crescimento de produção na hora certa. O estilo de jogo da equipe está cada vez mais agradável de ser visto, com fluidez na troca de passes e posições no ataque. Já se sabe como a equipe jogou bem no Klassieker; contra o AZ, no meio da semana passada, nem mesmo levar o empate parcial tirou os Amsterdammers do prumo, e logo veio a goleada por 4 a 1; finalmente, contra o NEC, fora de casa, a superioridade foi tão impressionante (com 8 minutos do primeiro tempo, já estava 2 a 0 para os visitantes) que o time merecia até mais do que o 5 a 1 final. E o que dizer da atuação esplendorosa nos 2 a 0 sobre o Schalke 04, nesta quinta, deixando o time em ótima condição para o jogo de volta das quartas de final da Liga Europa?

Com o surgimento irresistível de Kluivert e a liderança de Klaassen, o Ajax cresce na hora certa (Sportfotodienst GmbH)

Esse crescimento é notável e notório por causa do salto de qualidade de alguns jogadores. Na defesa, mesmo com a segurança indo até o limite da irresponsabilidade, Davinson Sánchez pode ser considerado o equivalente europeu do compatriota Yerry Mina: respeitado pelo estilo de jogo, já é cravado como zagueiro a ir para centros mais prestigiosos em algum tempo. No meio-campo, difícil escolher o melhor: a experiência e a habilidade de Schöne nas bolas paradas, a capacidade de Hakim Ziyech em criar jogadas (e às vezes, finalizá-las ele mesmo) ou a liderança de Davy Klaassen. E no ataque, se Kasper Dolberg está lesionado, Bertrand Traoré se sai surpreendentemente bem improvisado no meio, enquanto Amin Younes faz o que sabe na esquerda, e a direita é palco para o surgimento promissor de Kluivert e David Neres.

Além do mais, os dois principais diretores da federação holandesa colocaram, involuntária e desnecessariamente, mais lenha na fogueira. Tudo por causa de declarações nas quais, abertamente, o diretor operacional Gijs de Jong e o diretor técnico Hans van Breukelen diziam querer ver o Feyenoord campeão da temporada. “Desculpe, Eindhoven, mas é sério. Finalmente aquele clube está à beira do título, e é bom para o futebol que o Feyenoord vença”, palpitou De Jong, ligado ao PSV; “Pessoalmente, prefiro que o Feyenoord ganhe, só por Dirk Kuyt e pelos diretores [Martin van Geel e Eric Gudde], que foram achincalhados”, externou Van Breukelen. Claro, pegou mal para os Ajacieden. Tanto que o diretor geral Edwin van der Sar respondeu com ironia às palavras de Van Breukelen: “Que ótimo ver, novamente, um diretor destacado da federação externar a escolha dele...”. Exagero dizer que a federação exercerá seu poder para fazer do Feyenoord campeão: se fosse assim, Vilhena escaparia da suspensão que cumpriu. Ainda assim, é daqueles momentos em que falar é prata, e calar, ouro.

E só traz mais pressão para os nervos de todos os envolvidos no Feyenoord. Que, além do Ajax, arquirrival sempre respeitado, terão de superar os próprios problemas (lesões, ansiedade, desconfiança) para conquistarem o título ainda tão perto. Vencer o Utrecht, “melhor do resto”, neste domingo, pela 31ª rodada, já seria uma boa forma de afastar a desconfiança e comprovar a garra que Berghuis exprimiu em suas palavras, após o jogo contra o Zwolle: “Nós somos responsáveis pelo clube, pela cidade, pela torcida e por nós mesmos. Faremos tudo para sermos campeões”. Pois bem: além do Ajax, a ansiedade será mais uma fronteira que o atual primeiro colocado do Campeonato Holandês terá de superar rumo à realização do sonho.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 14 de abril de 2017)

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