sexta-feira, 21 de abril de 2017

Uma deliciosa limonada

Quem diria: o Ajax alquebrado do começo da temporada virou semifinalista da Liga Europa (Ronald Bonestroo/VI Images)

Rostov, Rússia, 24 de agosto de 2016. Após já ter saído da Amsterdam Arena com um mau resultado (empate em 1 a 1), no jogo de ida da terceira fase preliminar da Liga dos Campeões, o Ajax é humilhado pelo Rostov, na volta. Com ótimas atuações de Sardar Azmoun, Dmitri Poloz e Cristian Noboa, era o caso de dizer que o time russo merecia até mais do que o 4 a 1 que conseguiu pespegar no time de Amsterdã.

Não era a primeira eliminação vexatória do Ajax numa terceira fase preliminar da Liga dos Campeões – na década passada, a equipe já perdera para Kobenhavn e Sparta Praga. Mesmo assim, parecia um sinal de que uma melancólica temporada estava à espera. Ainda mais porque já houvera derrota para o Willem II, no final de semana anterior, pela 3ª rodada do Campeonato Holandês (1 a 2, em plena Amsterdam Arena).

Quase oito meses depois daquele aziago 24 de agosto, é impossível não se impressionar ao ver a deliciosa limonada que o Ajax fez daquele amaríssimo limão “recebido” em Rostov do Don. Disputar o título holandês? Tudo bem, é ótimo ter reagido e ser um arquirrival ferrenho do líder Feyenoord até o final da competição, mas para o Ajax, isso é quase obrigatório a cada temporada. Mas chegar à primeira semifinal de competição europeia em 20 anos, como os Ajacieden chegaram na Liga Europa, não estava no roteiro – e simboliza como a equipe entrou nos eixos ao longo da temporada.

Quando Peter Bosz chegou para substituir Frank de Boer, causou (e causa até hoje) certa estranheza, visto que se trata de um personagem pouco conhecido fora da Holanda, com mais cancha fora das quatro linhas, como diretor, do que dentro, como técnico – embora tenha feito bom trabalho no Vitesse. Ainda assim, era difícil compreender porque o Ajax se interessara pelo ex-atacante a ponto de trazê-lo do Maccabi Tel Aviv para comandar a reformulação de um grupo que se mostrara taticamente repetitivo e pouco vibrante, nos últimos tempos sob Frank de Boer. Além do mais, o começo trôpego na temporada não ajudava.

Agora já não é mais tão difícil compreender. Como fizera no Vitesse – e foi exatamente pela boa experiência tida ali com Bertrand Traoré que Bosz pediu o empréstimo do atacante -, o técnico conseguiu dar ao Ajax uma cara ofensiva de verdade. Sim, a defesa corre riscos desnecessários. Mas é inegável que fazia falta um time Ajacied que realmente procura o gol. Com velocidade, toques rápidos, entrosamento. E é isso que a equipe está fazendo. Com Davy Klaassen, Hakim Ziyech, Lasse Schöne, o supracitado Traoré, Kasper Dolberg, Amin Younes, Justin Kluivert, David Neres...

Dos citados, Dolberg, Traoré, Younes, Klaassen e Schöne já faziam parte do grupo de jogadores do Ajax na goleada sofrida para o Rostov (Klaassen, aliás, foi o autor do gol de honra). Até como consequência indireta da eliminação, dias depois, o clube gastava 11 milhões de euros para trazer Hakin Ziyech. Isto é: a equipe ainda estava sendo reformulada. Custou uma possibilidade de vaga na fase de grupos da Liga dos Campeões – e isso prejudicou, inclusive financeiramente. Mas era daquelas situações em que engolir o sapo e continuar trabalhando era o mais prudente a ser feito. A prova disso não vem com a vaga nas semifinais da Liga Europa. E sim, com as atuações cada vez mais seguras e melhores no nível técnico, dentro do Campeonato Holandês. Basta citar que as três últimas vitórias na Eredivisie foram goleadas (4 a 1 no AZ e dois 5 a 1, em NEC e Heerenveen).

O que não quer dizer que o Ajax esteja perfeito. Longe disso. Aliás, na derrota “celebrada” para o Schalke 04 em Gelsenkirchen, não seria injustiça nenhuma dizer que perder a vaga nas semifinais seria castigo merecido, pelas tantas chances perdidas no jogo de ida. Ao invés de ter frieza e jogar mais cautelosamente – e o Ajax até fez isso na temporada -, a equipe tentou criar vários ataques, já no primeiro tempo. Talvez fosse hora de deixar o próprio estilo ofensivo de lado. Até porque a defesa esteve caótica nas laterais, tanto com Joël Veltman (não à toa, justamente expulso, tais os problemas que teve com Sead Kolasinac) quanto com Nick Viergever. E Davinson Sánchez arriscou demais em seus desarmes.

Bastaram os dois gols tomados em quatro minutos, e o Ajax se desmontou. A expulsão de Veltman e o mau retrospecto do clube em tempos extras (em competições continentais, jamais os Ajacieden venceram disputas de pênalti – e foram eliminados cinco vezes dessa maneira nelas) só preconizavam o melancólico fim que pareceu irremediável com o gol de Daniel Caligiuri. De novo, um clube holandês decepcionaria. Daria motivos para risada. Perderia uma vantagem grande. Faria um clube alemão mostrar como, mesmo no meio de tabela da Bundesliga, tem poder de decisão incomparavelmente maior do que um holandês.

Mas, quando menos se esperava, veio o gol salvador de Viergever (“Eu nem vi a bola entrando, estava com cãibras, só soube porque vieram me abraçar”, riu o lateral após o jogo). Depois, no desespero do Schalke, Younes aproveitou sua chance. E o Ajax conseguiu dar sequência à reação notável que teve na temporada. Não sem sequelas: seguirá cansado para o fundamental clássico contra o PSV, neste domingo, pela 32ª rodada da Eredivisie, como indicou ironicamente o diretor de futebol Marc Overmars: “Nós estamos muito felizes, e o Feyenoord também deve estar”.

Ainda assim, se um time talentoso precisava ser provado nas emoções de um mata-mata para mostrar sua raça, o Ajax mostrou. Passou na prova – com sofrimento, mas passou. De quebra, ainda favorece a Holanda no ranking de coeficientes da Uefa: se o país perderá sua vaga na fase de grupos em 2017/18, sai em vantagem para recuperá-la na temporada posterior, pelos pontos que a equipe vai ganhando.

Agora, na reta final, além da habilidade que aumenta a autoestima da torcida, talvez caiba ao Ajax ter algo que sobra na equipe do arquirrival Feyenoord, muito perto do título holandês: raça. De certa forma, já mostrou que teve, nesta quinta. Para uma equipe que parecia entregue quando a temporada começou, após o vexame contra o Rostov, os resultados já são um tremendo prêmio de consolação. Com ou sem qualquer título.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 21 de abril de 2017)

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