sexta-feira, 7 de abril de 2017

O "melhor do resto" pode ser o fiel da balança


Haller (em pé, no centro) é o protagonista da ótima campanha do Utrecht (Gerrit van Keulen/VI Images)
Ajax, PSV e Feyenoord, como em 2012/13. Ou Ajax, Feyenoord e PSV, como em 2011/12 e 2013/14. Ou PSV, Ajax e Feyenoord, como na temporada passada. Ou Feyenoord, Ajax e PSV, como na atual temporada do Campeonato Holandês. A ordem dos fatores até altera um pouco o produto, mas como qualquer acompanhante mediano de futebol sabe, os três grandes holandeses voltaram a monopolizar a disputa do título há alguns anos, depois de um período de brusca queda do Feyenoord (e de ascensão para AZ – esta, sustentável – e Twente – esta, artificial). A todos os outros 15 participantes da Eredivisie, resta buscar ser o que os holandeses – e vários outros países – chamam de “best of the rest”. Em bom inglês, “o melhor do resto”.

A cinco rodadas do fim da temporada regular, sabe-se que o título é assunto para Feyenoord e Ajax discutirem (ainda mais depois das goleadas que ambos deram na 29ª rodada deste meio de semana), e que dificilmente o PSV perderá a terceira posição. Sendo assim, resta a disputa pelo posto de “melhor do resto”. E em poucas temporadas o ocupante da quarta posição da tabela do Holandês foi tão merecedor. Se muita gente elogia quando um clube aposta firmemente no trabalho de um técnico e consegue campanhas regulares, apostando na continuidade de um grupo, o Utrecht preenche à perfeição essas duas características.

Além de terem uma das torcidas mais fanáticas do país, para o bem e para o mal – situada normalmente atrás de um dos gols do estádio Galgenwaard, a Bunnikside é respeitada pelo que pode fazer nas arquibancadas e nas brigas -, os Utregs também têm o saudável hábito de ser um clube com ambiente sob medida para o desenvolvimento de bons jogadores. Com a torcida compreendendo o status de “médio perfeito” (o clube dificilmente será campeão, mas fica constantemente numa parte segura da tabela), a pressão já é menor, e é possível para gente que chega lá usar o clube como catapulta para cenários mais nobres. Que o diga Dries Mertens, que só é um dos destaques do Campeonato Italiano, revelando inesperado talento para balançar as redes no Napoli, porque chamou atenção nos dois anos que passou no Utrecht, entre 2009 e 2011 – indo de lá para o PSV, e aí a história ficou mais conhecida.

Essa “falta de pressão” também foi usada a favor do clube quando a diretoria colocou todas as fichas na contratação de Erik ten Hag, para treinar a equipe a partir da temporada 2015/16. Era geral o descontentamento com o trabalho e o estilo tático do antecessor Rob Alflen, e sua saída também representou o ponto final do curto trabalho de Co Adriaanse como conselheiro técnico. Para marcar a mudança, Wilco van Schaik, presidente do clube, arriscou trazendo Ten Hag da equipe B do Bayern Munique – como o blog até já comentou, há pouco mais de um ano.

De lá para cá, Ten Hag se notabilizou por ser um dos técnicos holandeses mais modernos dos últimos tempos. No país do 4-3-3 com dois pontas ofensivos, o treinador do Utrecht experimentou vários esquemas, de acordo com o que tinha em mãos, até cair num 4-4-2 em losango. Acertou na mosca exatamente por isso: saiu da “camisa-de-força” tática e foi humilde para ajustar seu estilo aos jogadores que tem em mãos. E já dera relativamente certo na temporada passada: terminando em 6º lugar ao final das 34 rodadas, a equipe foi aos play-offs por uma vaga na Liga Europa. Só aí veio uma decepção: a perda da vaga para o Heracles Almelo, com uma derrota por 1 a 0 em casa na decisão. Assim como foi triste a derrota na final da Copa da Holanda, para o Feyenoord, frustrando o que poderia ter sido o primeiro título do clube desde 2003/04.

Mais moderno do que a média de seus pares, Erik ten Hag desponta como técnico promissor na Holanda (ANP/Pro Shots)

O começo da temporada atual foi até mais preocupante: sem vitórias nas seis primeiras rodadas da Eredivisie (três empates e três derrotas – entre as quais, um 5 a 1 para o Groningen em pleno Galgenwaard). Tudo bem: não se cogitou demissão, o trabalho continuou. E aos poucos, o Utrecht foi evoluindo. Conseguiu uma sequência positiva – dez jogos sem perder, com seis vitórias e quatro empates – justamente na virada para o returno, período em que outros candidatos a “melhor do resto”, como AZ e Heerenveen, fraquejaram. Até houve uma eliminação inesperada na Copa da Holanda (pegou mal cair para o Cambuur, da segunda divisão, nas quartas de final). Ainda assim, a regularidade na liga levou à quarta posição atual, da qual ninguém reclama.

E não reclamam pelo que se vê em campo: uma equipe entrosada, com a base vinda desde a temporada passada. Na defesa, há uma boa dupla de zagueiros: Mark van der Maarel é o grande líder do grupo, enquanto Willem Janssen (volante recuado) traz experiência. E se o goleiro Robbin Ruiter foi vitimado por uma grave concussão cerebral, da qual só agora se recuperou, o reserva David Jensen segura bem o rojão. No meio-campo, não bastasse o crescimento de Sofyan Amrabat como volante, a inteligente contratação de Wout Brama trouxe mais cadência ao setor. Enquanto isso, Nacer Barazite e Yassin Ayoub, já muito bons na temporada passada, seguiram sendo pontas-de-lança valiosos no “losango”, ajudando tanto na criação quanto na finalização. 

Finalmente, no ataque, Richairo Zivkovic e Gyrano Kerk disputam a posição de parceiro para Sébastien Haller. Este dispensa apresentações: o francês, mais uma vez, faz temporada elogiável. Já tem 13 gols no campeonato – o último deles, no 2 a 1 sobre o Excelsior, tornou “Séb” simplesmente o maior goleador estrangeiro da história do Utrecht na Eredivisie. São 41 gols, um acima do belga Stefaan Tanghe. Pode-se dizer: já demora a transferência para o exterior que Haller tanto quer e merece. Tanto que a crise do começo da Eredivisie é atribuída ao desânimo do atacante, por ver frustrada uma negociação.

De quebra, o Utrecht pode bater no peito e dizer que foi adversário duro para o trio de grandes da Holanda. Contra o Ajax, vendeu caro as derrotas (no turno, em Amsterdã, abriu o placar antes de levar a virada para 3 a 2; no returno, só foi vencido por 1 a 0, graças a um golaço de Lasse Schöne, em chute preciso no ângulo aos 38 do 2º tempo). Contra o PSV, na partida de estreia nesta temporada, também fez 1 a 0 e tomou a virada (2 a 1), enquanto o returno rendeu um triunfo mais sossegado dos Boeren (3 a 0). O Feyenoord até pode dizer que teve sorte contra os Utregs: no primeiro turno (no mesmo jogo em que o goleiro Ruiter sofreu a concussão, ao cair de mau jeito após uma disputa aérea), perdia por 3 a 1 até os acréscimos, quando Nicolai Jorgensen e Michiel Kramer conseguiram um milagroso empate para o líder da competição.

E agora, que só três pontos separam Feyenoord de Ajax na disputa do título, o Utrecht pode ser um “fiel da balança”, uma casca de banana no caminho do Stadionclub rumo ao fim do jejum. Por mais que a partida da 32ª rodada, no domingo de Páscoa, vá ser em De Kuip, a equipe sonha se consolidar como a melhor do resto, como apregoou Willem Janssen: “Se terminarmos logo atrás dos três grandes, já nos servirá como um título. Teremos mostrado uma performance fantástica, além de darmos mais dinheiro ao clube, pelo ranking de desempenhos para a tevê. E pelos play-offs para a Liga Europa, poderemos dar o próximo passo”. Se há um clube médio pronto para esse próximo passo na Holanda, é o Utrecht.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 7 de abril de 2017)

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