Van Basten recebeu a chance de Rinus Michels, após a derrota na estreia. E saiu do banco para ser aclamado na Euro 1988 (Bongarts/Getty Images) |
Embora com um time sem tantas novidades, a Inglaterra ainda sabia que Gary Lineker, Peter Beardsley e John Barnes tinham muito a contribuir, no ataque – e ainda havia Peter Shilton, já um estandarte do English Team, no gol. Finalmente, a Oranje teria a incógnita Irlanda como última adversária. Jogando a primeira grande competição de sua história, a seleção irlandesa era guiada pelo ideário do técnico inglês Jack Charlton, que pedia muita dedicação na defesa. Ou seja: embora Frank Stapleton, Tony Cascarino e John Aldridge dessem algum brilho ao ataque, o que impressionava no Eire era o esforço hercúleo na marcação, expresso em gente como o zagueiro Mick McCarthy e o volante Paul McGrath – na verdade, zagueiro adiantado.
E a Holanda? Já estava com a sua escalação definida, como se leu na primeira parte deste especial. Todavia, as opções de Rinus Michels desagradavam alguns personagens importantes. Um deles, claro, era Johan Cruyff: em sua coluna para o jornal espanhol El Periodico, o já então técnico do Barcelona elegeu a Laranja como sua favorita ao título da Euro: "Se o time jogar com três atacantes, garantirá o pânico em toda defesa adversária". Era um bom augúrio que continha crítica implícita: a opção de Michels por dois atacantes. Claro que o treinador holandês entendeu. E replicou duramente a opinião do principal jogador que treinou em campo: "Eu não faria isso com um colega de trabalho. Cruyff está sempre falando, em todos os canais (...). Ele diz que já somos campeões europeus. É muito fácil [falar isso] quando não se tem responsabilidade". Mas pelo sim, pelo não, o fato é que Michels ainda apostou num esquema com três atacantes para a estreia: além de Gullit e Bosman, John van't Schip começou jogando.
jogo na íntegra). No que daria aquele time meio desequilibrado taticamente, contra a equipe determinada e coesa de Valeri Lobanovsky? Deu numa partida dominada pelos de camisas laranjas. Mais impressionante: nenhum dos armadores destacou-se no ataque. Mais impressionante ainda: esse destaque não foi de Ruud Gullit. Foi da dupla de zaga. Avançando como elementos surpresas, Ronald Koeman e Rijkaard impressionaram. Ao mesmo tempo, a dedicação de Van Tiggelen, Van Aerle e Mühren impediu que a defesa ficasse absolutamente desguarnecida.
Aqui, faz-se necessário um parêntese: entre os dois “líberos” que a Holanda tinha, Rijkaard foi ainda mais impressionante. Marcou bem, saiu bem com a bola nos pés, trouxe perigo em chutes de fora da área, em trocas de passes... enfim, a atuação do camisa 17 foi classuda a ponto de impressionar o técnico argentino Cesar Luis Menotti, que estava em Colônia: “Eu nunca vi um líbero tão técnico na minha vida”.
Rijkaard chegara àquela Euro em baixa: após sair do Ajax brigado com o técnico Johan Cruyff, no meio de 1987, fora contratado pelo Sporting-POR. Mas a transação se deu fora do prazo, e o volante/zagueiro não poderia atuar pelos Leões. O jeito foi repassá-lo ao Zaragoza-ESP, ainda em 1987. Mas ele não impressionara ali. Até aquela partida contra a União Soviética. No estádio, estava Arrigo Sacchi, técnico do Milan. Impressionado, ali Sacchi decidiu pedir a contratação de Rijkaard a Silvio Berlusconi, já então o mecenas milanista. E o resto é história.
Mas voltemos ao jogo: a Holanda estava bem, até que houve uma falha de marcação de Van Tiggelen, pela esquerda, aos sete minutos do segundo tempo. Ele somente cercou o meia Vagiz Khidiatullin, sem dar o bote. E o soviético pôde inverter o jogo para Rats, que entrava pela área, do outro lado. O atacante bateu, de voleio, e fez 1 a 0 para a URSS. Nem com toda a ajuda de Koeman e Rijkaard ao ataque, a Oranje conseguiu vazar a meta de Dasaev. Rinus Michels, então, decidiu usar a arma que tinha no banco: tirou Vanenburg, apagado, e colocou Van Basten. O camisa 12 tentou. A insistência ofensiva foi grande: Dasaev defendeu um chute de Koeman, um cabeceio de Gullit, contou com a sorte ao ver a bola vinda da cabeça do próprio colega Vagiz Khidiatullin bater no travessão. E a União Soviética segurou o 1 a 0, saindo na frente, no grupo A da Euro.
Claro, a boa atuação na estreia já deixara uma impressão de que era possível ir longe na Euro. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas realmente era preferível vencer a Inglaterra. Ela fora derrotada por 1 a 0 pela Irlanda, começara pessimamente, mas era bom não brincar com um time experiente como o inglês. Mais uma derrota e a Holanda estaria eliminada. Ao mesmo tempo, após reconhecer o peso da derrota ("Certamente foi um golpe duro", falou à emissora pública de tevê NOS), Rinus Michels reconheceu os erros próprios ao escalar o time no 4-3-3 tipicamente holandês: "Achei que alguns tiveram timidez demais, não jogaram livres".
Era necessário ter alguém que trouxesse mais técnica ao ataque. Era necessário ter alguém que trouxesse mais temor à zaga adversária. John Bosman não causara muito tormento entre os soviéticos, na estreia. Enfim: mesmo que ele não estivesse em perfeita forma, Van Basten tinha de iniciar a partida. Era preciso correr riscos. Rinus Michels decidiu corrê-los.
Em Dusseldorf, no dia 15 de junho, Van Basten substituiu Bosman na escalação que começou o jogo contra o English Team (a íntegra aqui). E que início cheio de sustos. No primeiro deles, Van Breukelen saiu mal do gol e foi driblado por Lineker, que chutou na trave. E a bola voltou ao goleiro holandês. No segundo susto, Glenn Hoddle cobrou falta na mesma trave que Lineker acertara. A bola bateu no poste, rolou próxima à linha do gol e foi dominada pela defesa holandesa.
Era necessário ter alguém que trouxesse mais técnica ao ataque. Era necessário ter alguém que trouxesse mais temor à zaga adversária. John Bosman não causara muito tormento entre os soviéticos, na estreia. Enfim: mesmo que ele não estivesse em perfeita forma, Van Basten tinha de iniciar a partida. Era preciso correr riscos. Rinus Michels decidiu corrê-los.
Em Dusseldorf, no dia 15 de junho, Van Basten substituiu Bosman na escalação que começou o jogo contra o English Team (a íntegra aqui). E que início cheio de sustos. No primeiro deles, Van Breukelen saiu mal do gol e foi driblado por Lineker, que chutou na trave. E a bola voltou ao goleiro holandês. No segundo susto, Glenn Hoddle cobrou falta na mesma trave que Lineker acertara. A bola bateu no poste, rolou próxima à linha do gol e foi dominada pela defesa holandesa.
A sorte estava virando. Prova disso foi o que se viu aos 44 minutos do primeiro tempo: após cruzamento de Gullit, da esquerda, Van Basten dominou na área, deu um drible humilhante em Tony Adams e bateu na saída de Shilton para abrir o placar. Eis ali a prova de que o camisa 12 tinha a habilidade que John Bosman não possuía, por mais esforçado e dedicado ao time que fosse.
No segundo tempo, aos seis minutos, Bryan Robson empatou para o English Team. Só que, aos 26 minutos, Van Basten novamente apareceu livre, recebeu passe de Gullit na área e recolocou a Oranje na frente. E, aos 30, em jogada ensaiada (cobrança de escanteio, desviada na área para o complemento na segunda trave: lembram da Copa de 2010?), Van Basten emplacou o terceiro gol na partida. Definitivamente, com três gols em um jogo, o atacante mostrava a Michels que estava pronto para ser titular.
No meio do caminho tinha uma orelha: Kieft
Caminho encontrado, a Holanda ganhava cada vez mais confiança. Mas não estava garantida nas semifinais da Euro. Afinal, a Irlanda era uma incógnita cada vez mais perigosa: ganhara da Inglaterra, e arrancara um empate por 1 a 1 contra a União Soviética. Tinha três pontos, um a mais do que a Oranje. Novamente, era vencer ou vencer. Mesmo que o nível técnico da seleção de Rinus Michels fosse superior ao dos irlandeses (e houvesse sido ampliado com a explosão de Van Basten), o jogo em Gelsenkirchen, no dia 18 de junho, era mais um caso em que a Holanda teria de matar um leão para seguir no torneio - a íntegra, aqui.
Caminho encontrado, a Holanda ganhava cada vez mais confiança. Mas não estava garantida nas semifinais da Euro. Afinal, a Irlanda era uma incógnita cada vez mais perigosa: ganhara da Inglaterra, e arrancara um empate por 1 a 1 contra a União Soviética. Tinha três pontos, um a mais do que a Oranje. Novamente, era vencer ou vencer. Mesmo que o nível técnico da seleção de Rinus Michels fosse superior ao dos irlandeses (e houvesse sido ampliado com a explosão de Van Basten), o jogo em Gelsenkirchen, no dia 18 de junho, era mais um caso em que a Holanda teria de matar um leão para seguir no torneio - a íntegra, aqui.
37 minutos do segundo tempo. Gullit cruza da direita, e Paul McGrath, zagueiro, tirou de cabeça. De primeira, Ronald Koeman arrisca o voleio. Pega fraco. A bola saltita, Kieft voa para cabecear e dá com a orelha na bola. O destino dela muda, e ela continua saltitando, até morrer no canto esquerdo de Bonner. O 1 a 0 esperado viera, para explosão de Rinus Michels, no banco. Após o jogo, Kieft se mostrou até incrédulo, para a revista Voetbal International: "O chute errado de Ronald Koeman teve tanto efeito que, quando eu desviei, a bola continuou girando sobre seu eixo. O goleiro também não esperava que ela chegaria até mim, e deu um passo para o lado".
Na transmissão da TV Globo para aquele jogo (era sábado de manhã, no horário de Brasília), o narrador Luiz Alfredo mencionou "o abraço e a alegria de Rinus Michels" e a "bola toda, toda, cheia de veneno (...) surpreendendo Pat Bonner". Raul Plassmann também citou o desvio em seus comentários. E sintetizou bem o que significava a vitória: "Premia um futebol de mais técnica, mas que teve muita dificuldade".
Na transmissão da TV Globo para aquele jogo (era sábado de manhã, no horário de Brasília), o narrador Luiz Alfredo mencionou "o abraço e a alegria de Rinus Michels" e a "bola toda, toda, cheia de veneno (...) surpreendendo Pat Bonner". Raul Plassmann também citou o desvio em seus comentários. E sintetizou bem o que significava a vitória: "Premia um futebol de mais técnica, mas que teve muita dificuldade".
Enfim, com o destino e a habilidade conspirando a favor, a Holanda chegava à semifinal da Euro, aos trancos e barrancos. E enfrentaria a Alemanha, sua eterna arquirrival, sua algoz costumeira.
Seria um jogo à parte. E foi.
Com Van Basten, além de manter a mobilidade, o ataque holandês ganhou em técnica (lineupbuilder.com) |
Essa camisa da Holanda é linda!!!
ResponderExcluirParabéns pelo blog!!!
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