quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Questão de tempo

A grama sintética pode estar com os dias contados no Campeonato Holandês - e não seria a única mudança (Joep Leenen/Pro Shots)
Diante da queda brusca que os clubes da Holanda vivem em competições continentais na última década (Ajax na final da Liga Europa 2016/17 à parte), virou comum uma pergunta, feita em tom simultaneamente saudosista e esperançoso: o que fazer para que os holandeses voltem a demonstrar força no futebol europeu? Mais do que isso: o que fazer para que o Campeonato Holandês volte a ter algum respeito mundo afora? Se já foi assim alguma vez, só será comentado no final deste texto. Seja como for, pelo visto, a Eredivisie tentará fazer isso nos próximos anos. Graças a uma proposta que veio dos três clubes grandes do país - claro, Ajax, PSV e Feyenoord. Foi o que revelou o jornal Algemeen Dagblad, na segunda passada. 

Nesta matéria, o jornalista Sjoerd Mossou revelou a sugestão trazida pelo Trio de Ferro aos outros integrantes da liga holandesa: doar, no mínimo, 10% das rendas obtidas pelos participantes do país em Liga dos Campeões e Liga Europa - um montante que poderia atingir até 10 milhões de euros, em caso de boas campanhas continentais. Claro, as contrapartidas foram exigidas. A primeira delas: os clubes da primeira divisão que têm grama sintética em seus estádios (a saber: Zwolle, VVV-Venlo, Heracles Almelo, Excelsior, ADO Den Haag e Emmen) deverão aboli-la, trocando por grama natural - haveria um fundo para custear a mudança. 

A segunda: a partir de 2021/22, o regulamento da Eredivisie mudaria. Ao invés do formato em pontos corridos com 18 clubes, o número de competidores diminuiria para 16, e haveria uma "fase final" para a disputa do título, quando se acabassem as rodadas regulares. Os clubes da Eerste Divisie (segunda divisão) também entraram na discussão: sugeriram que, ao invés de uma, sejam duas as vagas destinadas para promoção direta à primeira divisão, com os tradicionais play-offs definindo a terceira.

A proposta pareceu bem recebida. Pelo menos, foi o que disse Jan de Jong, diretor geral do Feyenoord: "Pode ser que as coisas avancem rapidamente, fiquei muito otimista". E de fato, as sugestões de novidades se tornam mais confiáveis quando se sabe que elas chegaram à Eredivisie CV (entidade que comanda o Campeonato Holandês) por meio de uma empresa inglesa, que planejou o relatório de modo independente. Além do mais, embora as opiniões variem, há um certo consenso: algo precisa mudar no Campeonato Holandês. "Mas precisa ser o formato? Por que desistir dos pontos corridos?" Porque, pelo visto, já não estão sendo mais atraentes. 

Se os estádios grandes (Johan Cruyff Arena, De Kuip, Philips Stadion) seguem tendo ocupação quase total, pesquisa da empresa Gracenote revelou no mês passado que o número de gente que ainda vai aos estádios em clubes médios/pequenos está caindo - basta citar o Heerenveen (média de 20.341 espectadores no Abe Lenstra em 2017/18, para 17.760 nesta temporada) e o Utrecht (média de 18.971 espectadores presentes aos jogos no Galgenwaard em 2017/18, para 16.661 na atualidade). O Groningen talvez seja o exemplo mais claro: de 20.000 espectadores, em média, há duas temporadas, para média de 16.138 na atual edição da Eredivisie - são visíveis os clarões no Hitachi Stadion, durante os jogos do time alviverde. 

Van der Sar: tomando a frente nos debates para mudar a Eredivisie (Jan Kruger/Getty Images)
Além da queda de afluência do público aos estádios, o "mata-mata" tem chamado atenção na Holanda. Basta citar a Nacompetitie passada: o Emmen conseguiu sobrepujar o tradicional Sparta Rotterdam, para estrear na Eredivisie. Sem dúvida, é atraente para os clubes médios/pequenos imaginarem que há uma chance de desafiar os tradicionais. Tendo em vista o que ocorre em países como Bélgica e Dinamarca, é possível imaginar que a Holanda seja mais um país que tente apelar para a "fase final" na tentativa de tornar seus campeões menos previsíveis. Se valer para chamar a atenção do mundo, também servirá. Pelo menos, é o que revela um tal de Edwin van der Sar. Hoje diretor geral do Ajax, o ex-goleiro faz parte de um grupo de dirigentes que tenta pensar em novos rumos para o campeonato, junto dos diretores de Groningen (Hans Nijland), Excelsior (Ferry de Haan) e NAC Breda (Justin Goetzee). 

Além do mais, a imagem conhecidíssima dos 20 anos de carreira dentro das quatro linhas abriu caminhos internos para Van der Sar, hoje vice-presidente da Associação Europeia de Clubes e integrante de grupos de estudo em UEFA e FIFA. E o ex-jogador é um dos mais entusiasmados defensores de uma maior ambição da Eredivisie, conforme comentou em entrevista à revista Voetbal International, no mês passado: "Desde os anos 1990, com o futebol cada vez mais comercializado, a Premier League tem sido fantasticamente vendida no exterior. La Liga é desejada no mercado sul-americano, com Real Madrid e Barcelona. Com 17 milhões de habitantes e poucas pessoas fora daqui que são fanáticas pela Holanda, fica difícil para a gente. A pergunta é se nós investimos energia suficiente nas nossas relações com o exterior. A ponto, por exemplo, de nossos jogos serem transmitidos na China. Isso interessa muito. Fazemos o bastante para atrair alguns países importantes para a Eredivisie? Tenho minhas dúvidas".

Portanto, pode-se esperar: vêm aí mudanças na Eredivisie. É questão de tempo.

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